São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2007

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ARTIGO

Estratégia para uma América dividida

CHARLES A. KUPCHAN
PETER L. TRUBOWITZ
DA "FOREIGN AFFAIRS"

Uma brecha perigosa se abriu entre os compromissos globais dos EUA e a vontade política necessária para mantê-los. Como deixou claro o choque do presidente George W. Bush com o Congresso sobre o Iraque, republicanos e democratas não mais dividem uma visão comum sobre como os EUA devem agir no mundo.
Se isso for ignorado, os alicerces políticos da arte americana de governar vão continuar a se desintegrar, expondo o país aos perigos de uma política externa errática e incoerente. Achar um novo ponto de equilíbrio que alinhe os compromissos do país com seus meios políticos talvez seja o maior desafio para o próximo presidente.
Durante boa parte da Guerra Fria, a política partidária não ultrapassou a linha que dividiria democratas e republicanos. Ambos tinham um ponto comum no liberalismo internacional, uma linha de governo que se baseava no poder e nas parcerias. Os EUA não hesitavam em projetar seu poder no exterior, mas preferiam garantir a defesa de seus interesses via cooperação internacional.
Esse acordo ruiu. Hoje, republicanos e democratas defendem ou o poder ou as parcerias, mas -e isso é importante- não as duas coisas juntas. A maioria dos republicanos no Congresso crê que a segurança dos EUA dependa sobretudo da posse e do uso do poderio militar e apóia firmemente o esforço do governo Bush no Iraque. Já para os democratas, a promoção dos interesses dos EUA depende mais da diplomacia multilateral do que da coerção militar.
Eles estão à procura de uma porta de saída do Iraque.
A crescente brecha entre os dois partidos se evidencia no público. Pesquisa recente revelou que, para 70% dos eleitores republicanos, "a melhor forma de garantir a paz é pelo poderio militar". Só 40% dos eleitores democratas compartilharam essa visão, sendo que a maioria deu preferência à diplomacia em lugar do uso da força.
Alimentado por essas divisões ideológicas, o sectarismo crescente vem dominando Washington. De acordo com um índice largamente usado, o Congresso está mais polarizado hoje do que esteve em qualquer momento dos últimos cem anos. Esse confronto partidário constitui uma receita para a paralisia no âmbito doméstico e a liderança fracassada no exterior. A arte de governar americana corre o risco de oscilar de maneira incoerente entre alternativas distintas e totalmente opostas. O impasse doméstico pode até despertar o sentimento isolacionista, como fez na década de 1930.

Foco
Restaurar a solvência política exigirá a redução dos compromissos americanos e sua adequação a recursos menores, além de barganhas políticas que superem rixas partidárias.
É esse o caminho para a segurança. É melhor para os EUA uma estratégia maior mais discernidora, que goze de apoio doméstico, do que uma polarização autodestrutiva. Para isso é preciso deixar que blocos regionais como a União Européia, o Conselho de Cooperação do Golfo e a União Africana arquem com uma parte maior da defesa, além de refrear os adversários pelo diálogo, usando a diplomacia inteligente para amainar a competição com rivais como a China.
Na luta contra o terrorismo, os EUA devem focar a destruição das redes terroristas e, ao mesmo tempo, usar meios políticos e econômicos para fazer frente às fontes perenes de instabilidade no Oriente Médio. Os EUA devem favorecer as parcerias pragmáticas mais do que as instituições rígidas.
Agrupamentos informais, como o Quarteto para o Oriente Médio, emergem como os veículos mais eficazes para a diplomacia. Num clima polarizado, menos é mais: trabalho de equipe, esforços coordenados flexíveis e coalizões para a realização de tarefas específicas precisam tornar-se as bases de uma nova arte de governar.
Será preciso reforçar o apoio público a uma visão nova, mesmo que mais modesta, do papel dos EUA no mundo. O bipartidarismo não garante uma diplomacia eficaz, mas a boa liderança requer a capitalização de oportunidades para que democratas e republicanos identifiquem objetivos comuns. Os democratas talvez se dispusessem a apoiar o livre comércio se os republicanos topassem investir em programas para treinar funcionários. O acesso das grandes empresas a mão-de-obra barata pode ser coerente com o lobby pró-imigração.
O candidato que compreender a urgência de um novo equilíbrio entre os objetivos dos EUA e seus meios políticos terá condições de colher uma recompensa dupla: ele ou ela provavelmente atrairia apoio popular e, se eleito, fortaleceria a segurança americana com uma política externa que não só satisfizesse as necessidades geopolíticas do país mas também restaurasse a solvência política necessária para uma estratégia nacional coerente.


CHARLES A. KUPCHAN é professor da Universidade Georgetown e membro do Council on Foreing Affairs. PETER L. TRUBOWITZ é professor na Universidade do Texas em Austin e membro do Centro Robert S. Strauss de Segurança e Direito Internacional
Tradução de CLARA ALLAIN


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