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ARTIGO
EUA e Índia, a nova estratégia
JO JOHNSON
EDWARD LUCE
DO "FINANCIAL TIMES"
Ao chegar a um acordo com a
Índia sobre a cooperação nuclear no setor civil, os EUA superaram o maior obstáculo à
muito aguardada aproximação
entre as duas maiores democracias mundiais: o ressentimento de Nova Déli quanto à
condição de pária nuclear imposta ao país.
Os proponentes de um relacionamento mais estreito entre
os dois "aliados naturais" vêem
o potencial de uma parceria estratégica capaz de redefinir o
panorama geopolítico do século 21. Os EUA, que apenas recentemente tentavam manter
o equilíbrio entre Paquistão e
Índia, negando a esta uma posição proeminente no sul da Ásia,
agora estão apoiando abertamente sua ascensão às fileiras
das grandes potências.
Por quase seis décadas, o relacionamento entre Washington e Nova Déli foi marcado pela desconfiança e pelo distanciamento. O apoio do presidente Dwight Eisenhower ao Paquistão, em 1954; o belicoso envio de porta-aviões equipados
com armas nucleares à baía de
Bengala, durante a guerra entre
Índia e Paquistão em 1971; e o
fervoroso anticomunismo
americano na Guerra Fria serviram para alienar Nova Déli. A
rejeição da Índia socialista aos
padrões americanos era acompanhado, do outro lado, por irritação de Washington quanto
à guinada pró-soviética que a
opção pelo não-alinhamento
adotada sob o governo de Nehru representava.
O fim da Guerra Fria, em
1991, criou uma oportunidade
de recomeçar. Mas, durante
mais de uma década, as chances
foram desperdiçadas, em larga
medida devido à recusa da elite
estratégica indiana em ceder à
pressão americana para que o
país abandonasse sua opção de
desenvolver armas nucleares,
aderindo em lugar disso ao Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TPN). A decisão da Índia
de testar cinco armas nucleares
no deserto do Rajahstão, em
maio de 1998, gerou a imposição de sanções de Washington.
O significado da mudança
pode ser avaliado com base na
escala da oposição gerada. Os
oponentes do novo regime estão indignados diante de um
acordo que parece invalidar
porções essenciais do TPN.
O governo americano argumenta que nem todas as formas
de proliferação se equivalem.
Armas nucleares em mãos da
Coréia do Norte ou Irã, países
que "aderiram ao tratado de
não-proliferação nuclear mas
estão trapaceando" no cumprimento de suas obrigações internacionais, são mais perigosas do que armas nucleares sob
o controle de um país como a
Índia, que não aderiu ao tratado mas tem um "bom histórico" no que tange à proliferação.
O que torna a Índia uma exceção? Parte da resposta vem
da tendência do presidente
George W. Bush de tomar grandes decisões baseadas ao menos em parte em seus instintos,
e deixar para outros a negociação dos detalhes. No caso da Índia, Bush admira o fato de o
país ser uma grande democracia que compartilha de sua
preocupação com o terrorismo
islâmico. Uma Índia ascendente também representaria um
contrapeso à China autoritária.
Ao longo dos dez últimos
anos, a Índia veio a adquirir importância geoestratégica nova
em Washington, já que o Conselho Nacional de Informações
passou a argumentar que a
emergência da China e da Índia
terá efeito mundial comparável
ao da ascensão da Alemanha no
século 19 e dos EUA no começo
do século 20. Entre as duas potências asiáticas emergentes,
não há muita dúvida quanto à
preferência dos neoconservadores. Uma Índia que possa ascender como "contrapeso geopolítico" à China e bastião da
paz americana na região é um
tema freqüente nos debates internos do governo Bush.
Os EUA se recusaram a estender a mesma cooperação
nuclear ao Paquistão. Para
Bush, os dois países "têm histórias e necessidades diferentes",
uma alusão à venda de tecnologia ao Irã e à Coréia do Norte
por A. Q. Khan, o principal
cientista nuclear paquistanês.
O Paquistão está procurando
novos reatores. A China, que já
forneceu um construído recentemente na província de Punjab, é uma fonte provável.
Dada a crescente influência
do lobby indiano em Washington, seria uma surpresa que o
Congresso decidisse reverter o
curso quando o tratado for colocado em votação. O acordo
deve estimular o comércio entre os dois países -que representa apenas uma fração dos
fluxos comerciais entre China e
EUA. Entre as áreas mais citadas estão a biotecnologia, informática, tecnologia espacial e,
claro, energia nuclear.
Mas talvez a mais importante
seja a defesa. A Índia planeja
gastar US$ 10 bilhões por ano
nos próximos cinco anos para
modernizar suas Forças Armadas. Em maio, o país fez a maior
compra militar dos EUA, US$ 1
bilhão em aviões de transporte
Hercules C-130J. A Boeing e a
Lockheed Martin estão de olho
num contrato de US$ 10 bilhões para o fornecimento de
caças. Os EUA se preparam para tomar o lugar da Rússia como principal fornecedor de defesa da Índia -parcialmente
devido ao acordo nuclear.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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