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ANÁLISE
Direitos humanos e diplomacia nuclear devem andar juntos
SHIRIN EBADI
ESPECIAL PARA A FOLHA
O angustiante caso de Sakineh Mohammadi Ashtiani,
mãe de dois filhos que um tribunal iraniano sentenciou à
morte por apedrejamento em
um caso de adultério, atraiu
merecida atenção mundial
ao draconiano código penal
do Irã, que reserva suas mais
cruéis punições às mulheres.
A prática do apedrejamento, especialmente, é tão repulsiva que até mesmo aliados políticos como o Brasil se
sentiram compelidos a agir.
O presidente Luiz Inácio
Lula da Silva ofereceu asilo a
Ashtiani, no final de semana,
por meio de um apelo direto
ao presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. A intervenção brasileira envia uma
mensagem poderosa à república islâmica: seu histórico
de direitos humanos não poderá ser separado de sua diplomacia nuclear.
Antes da Revolução Islâmica de 1979, nos anos em
que eu trabalhava como juíza
no Irã, relações sexuais consensuais entre adultos não
constavam do código penal.
A revolução impôs uma
versão da lei islâmica extraordinariamente rigorosa
até mesmo pelos padrões dos
países muçulmanos, tornando o sexo extraconjugal crime passível de punição legal.
Sob o código penal revolucionário, a punição para homem ou mulher solteiros que
pratiquem sexo extraconjugal passou a ser de cem chibatadas; e o artigo 86 dispõe
que uma pessoa casada culpada de adultério seja morta
por apedrejamento.
Como a lei iraniana permite a poligamia, na prática dá
aos homens uma rota de fuga: podem alegar que sua relação adúltera constituía um
casamento temporário.
Mas as mulheres casadas
acusadas de adultério não
têm direito a essa exceção.
Os códigos leais do Irã estão repletos de incoerências e
indefinições que tornam impossível respeitar os princípios do direito.
O processo criminal por
adultério e a promulgação da
sentença de morte por apedrejamento não requerem
nem mesmo um queixoso
pessoal; se for possível provar que um homem ou mulher cometeu adultério, mesmo que o cônjuge o perdoe, o
transgressor deve ser executado por apedrejamento.
O artigo 105 permite que
um juiz sentencie uma adúltera com base apenas na
queixa de seu marido.
BOCA A BOCA
O apedrejamento vem sendo criticado por diversos juristas islâmicos, sobretudo
pelo aiatolá Yousef Saanei.
Acreditam que uma punição dessa ordem era aplicada
nos dias iniciais do advento
do islamismo, no século 7,
segundo os costumes então
vigentes. Apontam que o Corão não menciona apedrejamento e acreditam que punições mais amenas, como
multas ou prisão, podem ser
consideradas.
Para evitar os protestos internacionais, o governo se
abstém de anunciar publicamente os veredictos de execução por apedrejamento.
É só por meio de informações passadas de boca em
boca por familiares e advogados que os casos chegam ao
conhecimento da mídia. Por
isso, nem mesmo sabemos
exatamente quantos iranianos receberam essa punição
nas três últimas décadas.
SHIRIN EBADI é ativista de direitos
humanos e foi a primeira mulher
muçulmana a receber o Nobel da Paz.
Leia a íntegra em
www.folha.com.br/mu777927
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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