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Crise nos EUA afeta vizinhos mexicanos
Remessas de imigrantes a parentes, segunda fonte de divisas do país, estão em queda; só em agosto, recuo foi de 12%
Desemprego entre latinos nos EUA, maior que a média nacional, e ofensiva contra imigrantes ilegais começam a promover volta para casa
Fotos Douglas Duarte/Folha Imagem
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Griseldas Solís na loja em que trabalha em Bejucos, no México; clientes sumiram, marido, nos EUA, não pode enviar dinheiro, e ela está ameaçada de perder emprego
DOUGLAS DUARTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BEJUCOS, MÉXICO
Griseldas Solís, 33, faz sua
parte: penteia o cabelo para
trás com esmero, aplica uma
grossa camada de sombra cor-de-rosa nos olhos para combinar com a blusa e os brincos
chamativos e se posta o dia inteiro à frente da Boutique
MexUSA, numa das esquinas
da praça central de Bejucos, cidadezinha de três mil habitantes na Sierra Madre mexicana.
Não adianta: poucos aparecem para comprar as blusas decotadas e coloridas que acarpetam as paredes da loja. Não há
dinheiro circulando na cidade.
A culpada tem as mesmas cores
das unhas azul-branco-escarlates de Griseldas: a crise econômica dos EUA, que está batendo duro nas remessas enviadas
de volta para casa por imigrantes mexicanos legais e ilegais.
No caso da vendedora, o golpe é duplo: a dona da loja, que
vive no Texas, já avisou que garante o funcionamento da butique e seu salário de US$ 120 só
até dezembro; ao mesmo tempo, o marido de Griseldas, que
há 14 anos vai e volta dos EUA
para trabalhar, não consegue
mandar dinheiro há quatro meses. "As aulas recomeçaram
agora e não consegui comprar
os uniformes e livros para todos os meus filhos" -quatro,
com idades entre 7 e 14 anos.
A cidadezinha é um microcosmo do momento tenso por
que o México está passando.
Um dos setores da economia
americana mais afetados com a
crise foi justo o da construção,
fonte de emprego de um quinto
dos estimados 14,5 milhões de
mexicanos vivendo no país.
Em junho, a taxa de desemprego entre os latinos nos EUA
era de 7,7%, contra a média nacional de 5,5%. Além da crise
econômica, há a migratória: diversos Estados americanos iniciaram nos últimos meses um
cerco aos ilegais. Enquanto se
mudam em busca de um Estado mais leniente, os sem-documento têm que economizar.
Mi crisis, su crisis
Após dez anos registrando
taxas de crescimento de dois
dígitos, em 2007 o volume de
remessas desse tipo ao México
se estabilizou em US$ 23 bilhões. Em 2008, aponta o Banco Central mexicano, a quantidade de dinheiro começará a
cair. O mês de agosto registrou
uma retração de 12,2% em relação ao mesmo mês de 2007.
As remessas são a segunda
maior fonte de moeda estrangeira do México, atrás só do petróleo, e 17% da população recebe dinheiro vindo dos EUA.
Na última década, o dinheiro
garantiu reformas de casa, matrimônios e alimentação em cidades como Bejucos.
A diminuição nas remessas
pode ser percebida nas casas de
câmbio. Antonio Benítez é dono de uma delas e só teve o que
fazer durante o dia porque o delegado municipal canalizou para ele os pagamentos das contas
de luz. "Ano passado eu tive em
média uns 800 envios mensais.
Agora, com sorte, chego a 450."
Não é apenas o número de
envios. Baixaram também as
quantidades por remessa. "Antes os envios eram de US$ 600,
US$ 800. Agora há muitos envios de US$ 300 e até menos.
Muitos", diz ele. Enquanto a reportagem da Folha esteve no
local, pelo menos quatro pessoas apareceram para pagar
suas contas e, de passagem,
perguntar se parentes haviam
mandado dinheiro. "Não, nada", desculpava-se Benítez.
Em Bejucos, é difícil encontrar alguém que não tenha parentes do outro lado da fronteira, no Texas. Migrar faz parte
da cultura local há pelo menos
120 anos, quando Washington
contratava milhares de mexicanos para construir ferrovias,
pontes e prédios.
Com o tempo, os cultivos de
melancia, melão, morango, café e milho ao redor da cidade
foram sendo abandonados por
quem preferia emigrar. De todos os cultivos, o único que tem
crescido é o de maconha.
A presença de traficantes na
região é vista com ambivalência. "Vinham para cá cheios de
dinheiro e compravam roupas
e enfeites para suas mulheres,
aparelhos de ar-condicionado,
TVs. Deixavam tudo para trás
quando saíam da cidade", conta um comerciante que prefere
não ser identificado.
Desde 2006, quando o presidente Felipe Calderón destacou 25 mil soldados para combater os cartéis, os traficantes
rarearam. "Sei que é feio dizer,
mas eles eram bons para a economia daqui", continua.
Reversão
O engasgo na economia conseguiu algo que parecia impensável há alguns anos: provocar
um êxodo no sentido inverso.
Um dos que retornaram foi David López, que viveu durante 16
anos em Austin, Texas, trabalhando como pedreiro e pintor.
Nos últimos anos, mandou
remessas constantes de dinheiro para construir uma casa de
dois andares. Com a crise, encerrou o contrato de aluguel do
apartamento em Austin, pôs
tralhas, mulher e filhos em
duas picapes e voltou para casa.
O governo do município de
Tejupilco, do qual Bejucos faz
parte, espera capitalizar alguns
de seus empreendimentos com
o investimento de gente como
López. Um dos projetos é um
pequeno complexo pecuário
que geraria 109 empregos, que
só com a ajuda "da iniciativa
privada local" sairá do papel.
Mas, no que depender de López, não será assim: "Você acha
que vou pôr o pouco que economizei na mão do governo? Está
louco, amigo?".
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