São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crise nos EUA afeta vizinhos mexicanos

Remessas de imigrantes a parentes, segunda fonte de divisas do país, estão em queda; só em agosto, recuo foi de 12%

Desemprego entre latinos nos EUA, maior que a média nacional, e ofensiva contra imigrantes ilegais começam a promover volta para casa

Fotos Douglas Duarte/Folha Imagem
Griseldas Solís na loja em que trabalha em Bejucos, no México; clientes sumiram, marido, nos EUA, não pode enviar dinheiro, e ela está ameaçada de perder emprego

DOUGLAS DUARTE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE BEJUCOS, MÉXICO

Griseldas Solís, 33, faz sua parte: penteia o cabelo para trás com esmero, aplica uma grossa camada de sombra cor-de-rosa nos olhos para combinar com a blusa e os brincos chamativos e se posta o dia inteiro à frente da Boutique MexUSA, numa das esquinas da praça central de Bejucos, cidadezinha de três mil habitantes na Sierra Madre mexicana.
Não adianta: poucos aparecem para comprar as blusas decotadas e coloridas que acarpetam as paredes da loja. Não há dinheiro circulando na cidade. A culpada tem as mesmas cores das unhas azul-branco-escarlates de Griseldas: a crise econômica dos EUA, que está batendo duro nas remessas enviadas de volta para casa por imigrantes mexicanos legais e ilegais.
No caso da vendedora, o golpe é duplo: a dona da loja, que vive no Texas, já avisou que garante o funcionamento da butique e seu salário de US$ 120 só até dezembro; ao mesmo tempo, o marido de Griseldas, que há 14 anos vai e volta dos EUA para trabalhar, não consegue mandar dinheiro há quatro meses. "As aulas recomeçaram agora e não consegui comprar os uniformes e livros para todos os meus filhos" -quatro, com idades entre 7 e 14 anos.
A cidadezinha é um microcosmo do momento tenso por que o México está passando. Um dos setores da economia americana mais afetados com a crise foi justo o da construção, fonte de emprego de um quinto dos estimados 14,5 milhões de mexicanos vivendo no país.
Em junho, a taxa de desemprego entre os latinos nos EUA era de 7,7%, contra a média nacional de 5,5%. Além da crise econômica, há a migratória: diversos Estados americanos iniciaram nos últimos meses um cerco aos ilegais. Enquanto se mudam em busca de um Estado mais leniente, os sem-documento têm que economizar.

Mi crisis, su crisis
Após dez anos registrando taxas de crescimento de dois dígitos, em 2007 o volume de remessas desse tipo ao México se estabilizou em US$ 23 bilhões. Em 2008, aponta o Banco Central mexicano, a quantidade de dinheiro começará a cair. O mês de agosto registrou uma retração de 12,2% em relação ao mesmo mês de 2007.
As remessas são a segunda maior fonte de moeda estrangeira do México, atrás só do petróleo, e 17% da população recebe dinheiro vindo dos EUA. Na última década, o dinheiro garantiu reformas de casa, matrimônios e alimentação em cidades como Bejucos.
A diminuição nas remessas pode ser percebida nas casas de câmbio. Antonio Benítez é dono de uma delas e só teve o que fazer durante o dia porque o delegado municipal canalizou para ele os pagamentos das contas de luz. "Ano passado eu tive em média uns 800 envios mensais. Agora, com sorte, chego a 450."
Não é apenas o número de envios. Baixaram também as quantidades por remessa. "Antes os envios eram de US$ 600, US$ 800. Agora há muitos envios de US$ 300 e até menos. Muitos", diz ele. Enquanto a reportagem da Folha esteve no local, pelo menos quatro pessoas apareceram para pagar suas contas e, de passagem, perguntar se parentes haviam mandado dinheiro. "Não, nada", desculpava-se Benítez.
Em Bejucos, é difícil encontrar alguém que não tenha parentes do outro lado da fronteira, no Texas. Migrar faz parte da cultura local há pelo menos 120 anos, quando Washington contratava milhares de mexicanos para construir ferrovias, pontes e prédios.
Com o tempo, os cultivos de melancia, melão, morango, café e milho ao redor da cidade foram sendo abandonados por quem preferia emigrar. De todos os cultivos, o único que tem crescido é o de maconha.
A presença de traficantes na região é vista com ambivalência. "Vinham para cá cheios de dinheiro e compravam roupas e enfeites para suas mulheres, aparelhos de ar-condicionado, TVs. Deixavam tudo para trás quando saíam da cidade", conta um comerciante que prefere não ser identificado.
Desde 2006, quando o presidente Felipe Calderón destacou 25 mil soldados para combater os cartéis, os traficantes rarearam. "Sei que é feio dizer, mas eles eram bons para a economia daqui", continua.

Reversão
O engasgo na economia conseguiu algo que parecia impensável há alguns anos: provocar um êxodo no sentido inverso. Um dos que retornaram foi David López, que viveu durante 16 anos em Austin, Texas, trabalhando como pedreiro e pintor.
Nos últimos anos, mandou remessas constantes de dinheiro para construir uma casa de dois andares. Com a crise, encerrou o contrato de aluguel do apartamento em Austin, pôs tralhas, mulher e filhos em duas picapes e voltou para casa.
O governo do município de Tejupilco, do qual Bejucos faz parte, espera capitalizar alguns de seus empreendimentos com o investimento de gente como López. Um dos projetos é um pequeno complexo pecuário que geraria 109 empregos, que só com a ajuda "da iniciativa privada local" sairá do papel. Mas, no que depender de López, não será assim: "Você acha que vou pôr o pouco que economizei na mão do governo? Está louco, amigo?".


Texto Anterior: Na Itália, ex-modelo vira ministra antiprostituição
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.