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DIREITOS HUMANOS
Irene Khan, dirigente da entidade, diz à Folha que liberdades civis perdem terreno em todo o mundo
Anistia denuncia maior tolerância a abusos
Ivan Sekretarev - 30.out.2003/Associated Press
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Mulheres iraquianas choram no momento em que soldados americanos prendem seus parentes em casa, durante busca em Tikrit |
FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO
A guerra ao terror liderada pelos
EUA provocou um grande retrocesso na manutenção de direitos
humanos em todo o mundo. Nos
países desenvolvidos, esse retrocesso inclui a crescente opinião de
que algumas liberdades civis precisam ser sacrificadas em nome
da segurança, segundo a secretária-geral da Anistia Internacional,
Irene Khan, 46.
Em entrevista à Folha por telefone, de Londres, Khan criticou a
política de segurança americana,
mas se disse otimista com a América Latina.
A ativista visitará pela primeira
vez o Brasil a partir desta sexta-feira. A programação inclui um
encontro, ainda não confirmado,
com o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva. Também estão previstas
reuniões com os governadores os
governadores Rosinha Matheus
(PMDB-RJ) e Geraldo Alckmin
(PSDB-SP).
Nascida em Bangladesh, Khan
está à frente da entidade há dois
anos. É a primeira mulher muçulmana a dirigir a Anistia.
Folha - O último relatório anual
da Anistia Internacional conclui
que a guerra ao terrorismo liderada pelos EUA, e não o terrorismo
em si, deixou o mundo mais inseguro. Quais são os problemas da
atual estratégia?
Irene Khan - O que vimos como
resultado dessa guerra ao terror é
que ela tem levado a sérios abusos
dos direitos humanos em países
que têm um histórico ruim. Eles
têm usado a guerra ao terror como uma desculpa para perseguir
dissidentes políticos e justificar
violações aos direitos humanos.
A Colômbia é um exemplo. Em
nome da luta contra o terror e as
drogas, as restrições à venda de
armas para a Colômbia, que os
EUA haviam adotado, foram suspensas, mas os abusos aos direitos
humanos não diminuíram nem o
país ficou mais seguro em razão
disso. Temos visto isso ocorrer na
Ásia Central, no Egito, na China e
em outros lugares.
Em países ocidentais, foram
aprovadas leis que são um retrocesso aos princípios dos direitos
humanos. Nos EUA, centenas de
pessoas são mantidas presas em
Guantánamo há quase dois anos
sem julgamento, sem direito de
serem ouvidas por Deus sabe
quanto tempo.
Em todo o mundo, nós realmente vemos um retrocesso. Ao
mesmo tempo, há um ressurgimento de violações aos direitos
humanos por grupos armados.
Continuamos a ver imensos atentados a bomba e ataques suicidas
no Oriente Médio, em Marrocos,
na Indonésia, e agora no Iraque
há uma grande insurgência. O
que vemos dos dois lados, governos e atores não-governamentais,
é um aumento aos abusos dos direitos humanos. No meio, obviamente, estão as pessoas comuns.
Folha - Mas há alternativas de
combate ao terrorismo?
Khan -As pessoas têm de perceber que esses abusos e violações
estão sendo combatidos de uma
forma honesta. Isso significa respeitar as leis na forma como se
prendem e processam as pessoas.
Isso é muito importante porque,
do contrário, cria-se mais ressentimento, alimentando esses grupos que usam a violência.
Em segundo lugar, creio que seja necessário examinar as fontes
reais de insegurança. Há muito
mais pessoas no mundo hoje que
estão sendo ameaçadas por fome,
Aids, comércio de armas e violência. Esses temas precisam receber
atenção ao mesmo tempo. Isso
serve tanto para o nível internacional e o combate ao terrorismo
quanto para o Brasil e a guerra
contra o crime.
Folha - A Anistia sempre criticou
o regime do ex-ditador Saddam
Hussein. Por que vocês foram contrários à invasão do Iraque, que
pôs fim ao seu governo?
Khan -A Anistia tem enfocado os
abusos de Saddam e expôs suas
atrocidades cometidas em 1980.
Naquela época, os EUA não queriam ouvir sobre dramas como o
uso de gás contra a população
curda. Éramos muito claros sobre
o regime de Saddam. Desde antes
da guerra estávamos muito preocupados sobre os efeitos na população civil iraquiana. Essas pessoas foram vítimas de Saddam e
seriam mais uma vez expostas aos
perigos da guerra e às incertezas
que seriam criadas após o conflito. Há cerca de um ano, levamos
isso ao Conselho de Segurança da
ONU e ao governo americano.
Certamente, queríamos que a comunidade internacional agisse
contra Saddam, mas também defendíamos que a ação não expusesse a população iraquiana a
mais abusos.
Folha - A sra. disse que, mesmo
nos países desenvolvidos, a situação piorou após o 11 de Setembro.
A sra. acredita que isso vá melhorar
no curto prazo?
Khan -Há duas tendências nos
países desenvolvidos. Em alguns
deles, há novas leis que restringem a liberdade. Essas leis não
têm sido necessariamente colocadas em prática, mas há uma onda
na opinião pública afirmando que
isso aumenta a segurança e e que
permite com rapidez a restrição
das liberdades civis. Esse comportamento pró-segurança é sentido
de forma muito dura por refugiados e imigrantes. E também há o
caso dos EUA, onde existem centenas de pessoas que foram detidas no território americano por
razões de seguranças, que também não têm acesso à revisão de
seus casos. Mas, no caso de Guantánamo, a questão é: isso realmente melhorou a segurança? Se
se restringem e violam direitos
humanos, há um aumento da segurança? Não acho que esteja melhorando.
Folha - A América Latina tem um
histórico de abusos dos direitos humanos, sobretudo a Colômbia. Como a sra. vê essa região num futuro
próximo?
Khan -A Colômbia é um país que
tem sofrido enormes abusos dos
direitos humanos no contexto do
conflito armado interno. Há outras áreas da América Latina que
também têm uma história violenta, onde os problemas continuam.
No Brasil, temos visto uma
grande disparidade social, com
abusos dos direitos humanos
ocorrendo em diferentes níveis,
assassinatos pela polícia, exclusão
social, luta pela terra, enfim, um
desarranjo muito complexo dos
direitos humanos. Por outro lado,
há uma forte mensagem de esperança, vinda de movimentos sociais, que têm crescido na América Latina. Estou otimista.
Folha - A sra. é a primeira mulher
muçulmana à frente da Anistia.
Neste ano, a iraniana Shirin Ebadi
também foi a primeira muçulmana
a ganhar o Prêmio Nobel da Paz.
Em países não-ocidentais, sempre
há o argumento de que os direitos
humanos são uma construção do
Ocidente e não respeitam a cultura
local. Como a sra. se posiciona?
Khan -Os direitos humanos estão baseados em valores universais. Não creio que conceitos de
igualdade, justiça e honestidade
pertençam apenas à civilização
ocidental, mas a todas as civilizações que conhecemos, incluindo a
minha. A religião islâmica também, todas as religiões têm esse
conceito de onde surgiram os direitos humanos. Esses argumentos são utilizados por grupos interessados em promover sua própria agenda, que algumas vezes é
contra a mulher, outras vezes é
antidemocrática.
Folha - A Anistia está envolvida
em uma grande campanha em favor do controle de armas pequenas. Como isso está sendo feito? A
sra. conhece o Estatuto do Desarmamento, que tramita no Congresso brasileiro?
Khan -A Anistia lançou uma
grande campanha com [as ONGs]
a Oxfam e a Rede Internacional de
Ação contra Armas Leves porque
vemos o comércio de pequenas
armas como um fator crítico no
aumento da violência. De fato, as
verdadeiras armas de destruição
em massa não são as químicas e
biológicas, mas as armas pequenas, que matam cerca de 500 mil
pessoas por ano. Eu não tenho detalhes sobre as propostas que o
Congresso brasileiro está discutindo, mas em nossa campanha
defendemos o controle em três níveis: o internacional e o controle
do comércio de armas; no nível
nacional, o que os governos podem fazer; e o que as comunidades podem fazer para impedir o
uso de armas.
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