São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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Mundo não é prioridade de Bush, diz analista

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O restante do planeta, sobretudo os europeus, deverá entender que o governo do presidente reeleito dos EUA, George W. Bush, continuará a privilegiar a segurança nacional do país e a utilizar as ferramentas que considera necessárias para garanti-la.
A explicação é de John Hulsman, diretor de pesquisas da Fundação Heritage (situada em Washington), um dos mais influentes centros de pesquisas conservadores dos EUA, e especialista em relações transatlânticas e em política externa americana.


Até a última terça, havia, em boa parte do planeta, um sentimento de que a primeira vitória de Bush fora uma anomalia


Para ele, Bush foi reeleito porque é considerado mais apto a protagonizar a guerra ao terror. "No que tange ao amplo tema da guerra ao terror, Bush manteve uma liderança de ao menos 12 pontos percentuais em todas as pesquisas realizadas durante a campanha eleitoral", afirmou.
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
 

Folha - Qual será o impacto da confortável vitória de Bush sobre as relações internacionais?
John Hulsman -
Até a última terça-feira, havia, em boa parte do planeta, um sentimento de que a primeira vitória de Bush fora uma anomalia, uma aberração, pois a eleição de 2000 fora uma experiência francamente bizarra.
Sua reeleição, todavia, põe fim à idéia de que Bush foi um presidente acidental. Independentemente da nacionalidade, as pessoas são agora compelidas a entender que as únicas questões nas quais Bush sempre esteve à frente de [John] Kerry [candidato democrata] nas pesquisas são a política externa e a segurança nacional, e ele insistiu nesses assuntos porque acredita ser o mais apto a liderar o país nessas áreas.
No que tange ao amplo tema da guerra ao terror, Bush manteve uma liderança de ao menos 12 pontos percentuais em todas as pesquisas realizadas durante a campanha eleitoral. Em parte, essa tendência se deve à péssima atuação dos democratas durante a Guerra do Vietnã. Assim, eles estão atrás nas pesquisas relacionadas à segurança nacional desde o início da década de 70.


Com a reeleição de Bush, os franceses são menos influentes aqui em Washington que meu estagiário


No que se refere a questões de guerra e paz, a população americana ainda não confia neles. Ademais, vale lembrar que a eleição deste ano foi o primeiro pleito presidencial desde o 11 de Setembro e o início da guerra ao terror.
Com isso, a fraqueza democrata nessa área e o clima gerado pelos atentados favoreceram os republicanos. Afinal, são eles que dizem que a segurança nacional americana deve ser primordial. Isso não significa que os EUA devam entrar em conflito com o restante do planeta, mas quer dizer que sua segurança nacional não deve ser negligenciada.

Folha - Podemos prever a existência de novos ataques preventivos dos EUA nos próximos anos?
Hulsman -
Trata-se de uma possibilidade que não pode ser descartada. Os EUA têm o mais poderoso aparato militar do planeta e não devem relegar ao segundo plano a opção militar. Contudo é pouco provável que haja ataques, já que a situação no Iraque tem-se mostrado bastante complexa.
Por outro lado, ações preventivas ainda fazem parte do leque de opções do governo. Para Bush, numa era em que terroristas podem decidir atacar os EUA com uma bomba suja carregada de componentes nucleares, não há tempo para esperar uma decisão da ONU. Deve-se frisar que ela não conseguiu tomar uma decisão sobre Saddam Hussein [ex-ditador iraquiano] em nove meses de debates e de negociações.
Curiosamente, durante a campanha eleitoral, Kerry disse concordar com o fato de que ataques preventivos devem ser uma das ferramentas da política externa dos EUA. Não se trata da única ferramenta americana, no entanto ela não pode ser descartada, visto que a segurança nacional do país está em jogo.

Folha - A atual crise iraquiana tem solução plausível?
Hulsman -
Precisamos encontrar interlocutores legítimos entre os iraquianos, pessoas que gozam de legitimidade política aos olhos da população. Não devemos apontar a liderança iraquiana, pois a população do país deve escolher seus próprios líderes políticos.
É por isso que as eleições marcadas para janeiro são tão importantes. O processo de transição só terá sucesso se as eleições forem bem-sucedidas. Se isso ocorrer, o problema de segurança permanecerá em condições de ser administrado. Caso contrário, o problema de segurança sairá do controle americano. É crucial ter em mente que a solução para a crise iraquiana é política, não militar.

Folha - Como o sr. vê a evolução das relações transatlânticas?
Hulsman -
A distância entre a Europa e os EUA será mantida, embora ambas as partes busquem uma reaproximação. Os britânicos e os franceses sempre se opuseram no que concerne ao modo como lidar com os americanos.
Londres pensa que os europeus devem trabalhar com os EUA para poder influenciar suas políticas, agindo de modo construtivo para influir nas grandes decisões da política externa americana.
Já Paris crê que essa posição seja errada e que seja necessário construir um pólo de poder europeu para equilibrar a força americana. Com a reeleição de Bush, os franceses são menos influentes aqui em Washington que meu estagiário. Afinal, ele faz pesquisas para meus textos, que são lidos pelos ocupantes da Casa Branca. A diplomacia francesa não significa nada em Washington.
Tony Blair [premiê britânico], por sua vez, é um dos conselheiros mais próximos de Bush, embora viva em Londres. Assim, os europeus deverão adaptar-se ao fato de que o governo dos EUA tem a segurança nacional como prioridade. Eles terão de aprender a lidar com os americanos.


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