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ELEIÇÕES NOS EUA / O DESGASTE DO PODER
Votação é referendo do governo Bush
Republicanos correm risco de perder maioria no Legislativo mais por seus próprios erros do que pelos méritos da oposição
Iraque e série de escândalos minaram as bandeiras da Casa Branca; para analista, "democratas só precisam dizer que farão diferente"
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
Seja qual for o resultado de
terça-feira, ganhem os democratas as duas Casas do Legislativo norte-americano ou apenas uma, como apontam pesquisas, as eleições de 2006 vão
entrar para a história como o
pleito em que os republicanos
enfiaram os pés pelas mãos.
O partido do presidente que
declarou a "guerra ao terror"
perde pontos por sua atuação
na Guerra do Iraque. O partido
eleito por seus "valores morais"
vê um escândalo sexual e vários
de corrupção minarem suas bases tradicionais.
"A situação é tal que o Partido Democrata só precisa dizer
que fará diferente, embora nem
eles saibam exatamente o que
vão fazer diferente", disse à Folha Alan Rosenthal, professor
de sociologia da Universidade
Rutgers especializado em resultados de eleições. "E faz todo
o sentido para mim: um partido
não deu certo, vamos dar uma
chance ao outro."
A dança do discurso
Para o acadêmico, isso se repete em várias áreas, não só na
política externa, "mas é essa a
que vai acabar decidindo". A
começar pelo Iraque, o tema
que mais preocupa os eleitores,
segundo os levantamentos recentes. Com 3.000 soldados
norte-americanos mortos e outros 150 mil engajados em um
país dominado pela violência,
os republicanos já mudaram
seu discurso diversas vezes, ao
sabor do noticiário e das pesquisas de opinião.
De início, quando a firmeza
dos conservadores no combate
ao terror parecia ser um ponto
importante, Bush e seu Estado-Maior repetiam: "Manteremos
o rumo". Depois, disseram que
nunca disseram que manteriam o rumo. Agora, concordam em parte com os democratas e admitem que pensam em
novas estratégias "periodicamente".
A oposição, dividida ela própria quanto à melhor maneira
de sair do Iraque e em quanto
tempo, diz apenas: "A culpa é
dos republicanos". E o eleitor
parece concordar.
Assim como concorda com a
questão dos "valores morais".
Nas eleições presidenciais de
2004, vários Estados traziam
nas cédulas uma proposta que
impedia a legalização da união
homossexual. Isso mobilizou a
direita religiosa em Estados decisivos, como Ohio. Agora, não
só Ohio deve ir para os democratas como os republicanos
têm eles mesmos seu próprio
escândalo sexual.
Em setembro, o então congressista Mark Foley, do Estado da Flórida, renunciou em
meio a denúncias de que trocava mensagens explícitas com
secundaristas que estagiavam
no Congresso. Na ocasião, disse
ser alcoólatra e afirmou ter sido
abusado sexualmente por padres católicos (entre eles supostamente um que viveu no
Brasil nos anos 1960).
Corruptos e pastores
Foley sumiu de cena, mas
deixou um estrago, que se juntou a uma coleção de denúncias
de corrupção sofridas pelo partido. Começaram com o lobista
Jack Abramoff, hoje na cadeia,
e culminaram na renúncia, anteontem, do congressista Bob
Ney, acusado de levar propinas
daquele. O Estado de Ney? Não
coincidentemente, Ohio.
Considerado o termômetro
do país, por representar um microcosmo da sociedade norte-americana, o Estado do Meio-Oeste norte-americano deve
eleger pela primeira vez em décadas um senador, um governador e a maioria dos congressistas do Partido Democrata. Em
entrevista da qual participou a
Folha, o reverendo Russell
Johnson, que liderou a marcha
conservadora em 2004, resumiu: "É deprimente".
Não tão deprimente quanto a
situação em que se encontra
outro pastor, Ted Haggard, um
dos mais conhecidos ativistas
antigays do país, presidente da
Associação Nacional de Evangélicos, que representa 60 denominações com 45 mil igrejas,
e que já esteve na Casa Branca
"duas ou três vezes", segundo o
porta-voz Tony Frato.
Na sexta, apareceu ao lado da
mulher para admitir que havia
comprado drogas e recebido
massagem de um prostituto,
mas que não as tinha usado ou
feito sexo com ele.
Mas o desnorteio republicano pode ser resumido na história do senador George Allen, da
Virgínia. Ganhe ou não a disputa com o democrata Jim Webb
na terça, ele já perdeu o posto
de presidenciável em 2008. Tudo começou quando chamou
um indiano de "macaca" (ele
negou conhecer o significado
da palavra, apesar de sua mãe
ser da Tunísia, onde o termo é
usado pejorativamente).
Depois, hesitou ao assumir a
ascendência judaica (disse que
continuava a comer sanduíche
de presunto). Foi ainda acusado de usar um nome ofensivo
para se referir a negros e de ter
uma bandeira dos confederados, os Estados sulistas que defendiam a escravidão durante a
Guerra Civil, no século 19.
O senador Allen negou as
duas acusações, e foi criticado
tanto por negros quanto por
confederados. Hoje, o homem
que já foi cotado para substituir
George W. Bush é considerado
uma piada em Washington, onde ganhou o apelido de "senador Macacawitz".
O que está em jogo
"Para resumir", diz Thomas
E. Mann, titular de Estudos de
Governabilidade do Instituto
Brookings, de Washington, "as
eleições serão um grande referendo do governo Bush, com
resultado negativo".
Na votação de terça, serão renovadas todas as 435 cadeiras
da Câmara e 33 das cem dos Senado. Os democratas, hoje com
201 deputados, devem eleger
pelo menos mais 20, segundo
os últimos cálculos de analistas. Nesse caso, retomariam o
controle da Casa, perdido em
1994. No Senado, precisam de
seis cadeiras para ter a maioria,
mas podem ganhar só quatro.
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