São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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ELEIÇÕES NOS EUA / O DESGASTE DO PODER

Votação é referendo do governo Bush

Republicanos correm risco de perder maioria no Legislativo mais por seus próprios erros do que pelos méritos da oposição

Iraque e série de escândalos minaram as bandeiras da Casa Branca; para analista, "democratas só precisam dizer que farão diferente"

SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Seja qual for o resultado de terça-feira, ganhem os democratas as duas Casas do Legislativo norte-americano ou apenas uma, como apontam pesquisas, as eleições de 2006 vão entrar para a história como o pleito em que os republicanos enfiaram os pés pelas mãos.
O partido do presidente que declarou a "guerra ao terror" perde pontos por sua atuação na Guerra do Iraque. O partido eleito por seus "valores morais" vê um escândalo sexual e vários de corrupção minarem suas bases tradicionais.
"A situação é tal que o Partido Democrata só precisa dizer que fará diferente, embora nem eles saibam exatamente o que vão fazer diferente", disse à Folha Alan Rosenthal, professor de sociologia da Universidade Rutgers especializado em resultados de eleições. "E faz todo o sentido para mim: um partido não deu certo, vamos dar uma chance ao outro."

A dança do discurso
Para o acadêmico, isso se repete em várias áreas, não só na política externa, "mas é essa a que vai acabar decidindo". A começar pelo Iraque, o tema que mais preocupa os eleitores, segundo os levantamentos recentes. Com 3.000 soldados norte-americanos mortos e outros 150 mil engajados em um país dominado pela violência, os republicanos já mudaram seu discurso diversas vezes, ao sabor do noticiário e das pesquisas de opinião.
De início, quando a firmeza dos conservadores no combate ao terror parecia ser um ponto importante, Bush e seu Estado-Maior repetiam: "Manteremos o rumo". Depois, disseram que nunca disseram que manteriam o rumo. Agora, concordam em parte com os democratas e admitem que pensam em novas estratégias "periodicamente".
A oposição, dividida ela própria quanto à melhor maneira de sair do Iraque e em quanto tempo, diz apenas: "A culpa é dos republicanos". E o eleitor parece concordar.
Assim como concorda com a questão dos "valores morais". Nas eleições presidenciais de 2004, vários Estados traziam nas cédulas uma proposta que impedia a legalização da união homossexual. Isso mobilizou a direita religiosa em Estados decisivos, como Ohio. Agora, não só Ohio deve ir para os democratas como os republicanos têm eles mesmos seu próprio escândalo sexual.
Em setembro, o então congressista Mark Foley, do Estado da Flórida, renunciou em meio a denúncias de que trocava mensagens explícitas com secundaristas que estagiavam no Congresso. Na ocasião, disse ser alcoólatra e afirmou ter sido abusado sexualmente por padres católicos (entre eles supostamente um que viveu no Brasil nos anos 1960).

Corruptos e pastores
Foley sumiu de cena, mas deixou um estrago, que se juntou a uma coleção de denúncias de corrupção sofridas pelo partido. Começaram com o lobista Jack Abramoff, hoje na cadeia, e culminaram na renúncia, anteontem, do congressista Bob Ney, acusado de levar propinas daquele. O Estado de Ney? Não coincidentemente, Ohio.
Considerado o termômetro do país, por representar um microcosmo da sociedade norte-americana, o Estado do Meio-Oeste norte-americano deve eleger pela primeira vez em décadas um senador, um governador e a maioria dos congressistas do Partido Democrata. Em entrevista da qual participou a Folha, o reverendo Russell Johnson, que liderou a marcha conservadora em 2004, resumiu: "É deprimente".
Não tão deprimente quanto a situação em que se encontra outro pastor, Ted Haggard, um dos mais conhecidos ativistas antigays do país, presidente da Associação Nacional de Evangélicos, que representa 60 denominações com 45 mil igrejas, e que já esteve na Casa Branca "duas ou três vezes", segundo o porta-voz Tony Frato.
Na sexta, apareceu ao lado da mulher para admitir que havia comprado drogas e recebido massagem de um prostituto, mas que não as tinha usado ou feito sexo com ele.
Mas o desnorteio republicano pode ser resumido na história do senador George Allen, da Virgínia. Ganhe ou não a disputa com o democrata Jim Webb na terça, ele já perdeu o posto de presidenciável em 2008. Tudo começou quando chamou um indiano de "macaca" (ele negou conhecer o significado da palavra, apesar de sua mãe ser da Tunísia, onde o termo é usado pejorativamente).
Depois, hesitou ao assumir a ascendência judaica (disse que continuava a comer sanduíche de presunto). Foi ainda acusado de usar um nome ofensivo para se referir a negros e de ter uma bandeira dos confederados, os Estados sulistas que defendiam a escravidão durante a Guerra Civil, no século 19.
O senador Allen negou as duas acusações, e foi criticado tanto por negros quanto por confederados. Hoje, o homem que já foi cotado para substituir George W. Bush é considerado uma piada em Washington, onde ganhou o apelido de "senador Macacawitz".

O que está em jogo
"Para resumir", diz Thomas E. Mann, titular de Estudos de Governabilidade do Instituto Brookings, de Washington, "as eleições serão um grande referendo do governo Bush, com resultado negativo".
Na votação de terça, serão renovadas todas as 435 cadeiras da Câmara e 33 das cem dos Senado. Os democratas, hoje com 201 deputados, devem eleger pelo menos mais 20, segundo os últimos cálculos de analistas. Nesse caso, retomariam o controle da Casa, perdido em 1994. No Senado, precisam de seis cadeiras para ter a maioria, mas podem ganhar só quatro.


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