São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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análise

Mudanças não tiram Ortega da mira dos EUA

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Departamento de Estado mandou que os americanos na Nicarágua permaneçam "atentos" à eleição presidencial. Pode haver violência, segundo a embaixada, que se disse com o dever de recomendar cuidados. Mas não foi dado nenhum aviso do gênero em outros países latino-americanos onde ocorreram disputas em clima tenso, como Bolívia, Peru, Colômbia e México. Por acaso ou não, o alerta coincidiu com Daniel Ortega, da Frente Sandinista de Libertação Nacional, aparecer nas pesquisas com 35%.
É o mínimo exigido para vitória no primeiro turno, desde que o mais votado fique ao menos cinco pontos percentuais à frente do segundo. A pesquisa teve o carimbo insuspeito da Zogby International, de Miami. Na última, Ortega apareceu com 34%. Há 16 anos a Nicarágua saiu de uma guerra civil entre os sandinistas e a guerrilha dos "contras", treinada, armadas e financiada pelos EUA. Depois de afinal perder nas urnas o poder conquistado com armas e de mais três derrotas eleitorais, Ortega tem agora chances de vencer.
Com isso estão em pé de guerra gabinetes em Washington e oponentes dos anos 80, além de rivais locais.
A pesquisa fez o Conselho Superior da Empresa Privada declarar publicamente apoio a Eduardo Montealegre, da Aliança Liberal Nicaragüense, o mais próximo de Ortega. Fracassou o esforço, com participação do embaixador dos EUA, para que a "família liberal", dividida em três facções, enfrentasse Ortega reunificada.
José Rizo, do Partido Liberal Constitucionalista, recusou-se a renunciar em favor de Montealegre. Também o sandinismo vai às urnas dividido. Ortega lidera a porção maior, acusado, internamente, de maquiavelismo e "obscenidade política". Escândalos de corrupção após a queda revelaram o envolvimento de líderes da FSLN em cerca de 30 grandes empresas. A ocupação de casas de alto luxo resultou no famoso "la Piñata". Em 1999, ávido pelo poder, Ortega ligou-se ao ex-presidente Miguel Alemán, liberal depois levado aos tribunais como corrupto.
Um ex-protegido de Ortega, Carlos Guadamuz, chamou-o de "novo Somoza". Houve até acusações de abuso sexual. Em 1994, figuras históricas, como o poeta Ernesto Cardenal, produziram um racha. Surgiu o Movimento Sandinista de Renovação, cujo candidato, Edmundo Jarquim, aparece em quarto. Mesmo com essa ficha pós-poder e privado de luminares do sandinismo original, Ortega não se livra da ira de Washington.


O jornalista NEWTON CARLOS é especialista em questões internacionais


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