São Paulo, domingo, 05 de novembro de 2006

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Chávez e EUA se enfrentam na Nicarágua

Favoritismo do líder sandinista Daniel Ortega na eleição presidencial de hoje assombra Washington com fantasma da era Reagan

Com uma população de 5,5 milhões e PIB que equivale à metade do boliviano, país centro-americano é ringue ideológico desde os anos 80

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Um novo round da disputa ideológica em curso na América Latina entre EUA e Venezuela acontece hoje, na eleição presidencial na Nicarágua. O favorito é o ex-presidente Daniel Ortega, 60, líder sandinista que foi o grande inimigo dos americanos nos anos 80. Ele governou entre 1979 e 1990, primeiro como líder da junta que derrubou o ditador Anastacio Somoza e, a partir de 1985, quando venceu as primeiras eleições convocadas por ele.
Desde 1990, Ortega concorreu três vezes ao cargo e foi derrotado em todas. Há boa chance de que desta vez consiga -basta que, no primeiro turno, obtenha 35% dos votos e cinco pontos percentuais de vantagem sobre o segundo colocado. Ele aparece com 34% nas últimas pesquisas.
Ortega é amigo do presidente venezuelano Hugo Chávez, que tem facilitado a venda de petróleo a prefeitos sandinistas e é acusado de interferir na campanha. Como costuma acontecer nas eleições nicaragüenses, os americanos têm feito ameaças ao país caso a vitória de Ortega se confirme. O candidato mais simpático aos EUA, o conservador Eduardo Montealegre, tem 25% nas pesquisas.
A atenção que a eleição desperta é inversamente proporcional ao tamanho e riqueza do país. A Nicarágua tem 5,5 milhões de habitantes, menos que o Rio de Janeiro, e seu PIB é de US$ 5 bilhões, metade da economia boliviana.
Mas o país foi palco de um importante confronto dos últimos anos da Guerra Fria. Enquanto os sandinistas recebiam apoio de Cuba, os EUA patrocinavam guerrilheiros anti-sandinistas, os "contras".
Inicialmente, os "contras" receberam ajuda da ditadura argentina e da CIA. Durante o governo de Ronald Reagan, dinheiro obtido com a venda ilegal de armas para o Irã ajudou a patrocinar os "contras", que mergulharam a Nicarágua em uma guerra civil que durou de 1980 a 1989, deixando 60 mil mortos e 150 mil refugiados.

Tudo pelo social
O período pós-sandinista já teve três presidentes: Violeta Chamorro, Arnoldo Alemán e o atual, Enrique Bolaños. Mas nenhum conseguiu resolver os maiores problemas do país. Os nove anos de guerra civil e os estragos do furacão Mitch, em 1998, só pioraram a situação.
A renda per capita é similar à boliviana e o analfabetismo é de 32%, uma das mais altas taxas do continente. Apesar da estabilização da economia nos últimos anos, poucos progressos são sentidos pela grande maioria dos nicaragüenses.
"O fracasso da direita e das políticas neoliberais nos últimos 16 anos deram uma nova oportunidade ao Ortega", disse à Folha a historiadora Norma Hernández Sanchez, professora da Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua, eleitora de Ortega. "Ele [Ortega] dá prioridade à agenda social, a mais negligenciada. Ele aprendeu com o passado, se aproximou de empresários, da direita, e dialoga muito mais. E os EUA não deixaram Ortega governar", diz, referindo-se ao embargo econômico decretado na época pelo governo americano.
O candidato favorito promete manter o tratado de livre comércio que o país, como seus vizinhos da América Central, assinou com os EUA em 2005. Diz que pretende atrair investimentos e respeitar a propriedade privada. E que não quer problemas com os EUA.
Por sua vez, a ação americana também diminuiu. "Desta vez a intromissão ficou limitada às tentativas da embaixada americana de reconciliar a direita nicaragüense, que chega dividida ao pleito e por isso pode perder", diz o economista Rodolfo Delgado Moreno, diretor do Instituto de Estudos Nicaragüenses. "Os republicanos estão com tantos problemas em casa que não tiveram tempo para atuar mais aqui."


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