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Chávez e EUA se enfrentam na Nicarágua
Favoritismo do líder sandinista Daniel Ortega na eleição presidencial de hoje assombra Washington com fantasma da era Reagan
Com uma população de 5,5 milhões e PIB que equivale à metade do boliviano, país centro-americano é ringue ideológico desde os anos 80
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
Um novo round da disputa
ideológica em curso na América Latina entre EUA e Venezuela acontece hoje, na eleição
presidencial na Nicarágua. O
favorito é o ex-presidente Daniel Ortega, 60, líder sandinista
que foi o grande inimigo dos
americanos nos anos 80. Ele
governou entre 1979 e 1990,
primeiro como líder da junta
que derrubou o ditador Anastacio Somoza e, a partir de 1985,
quando venceu as primeiras
eleições convocadas por ele.
Desde 1990, Ortega concorreu três vezes ao cargo e foi derrotado em todas. Há boa chance de que desta vez consiga
-basta que, no primeiro turno,
obtenha 35% dos votos e cinco
pontos percentuais de vantagem sobre o segundo colocado.
Ele aparece com 34% nas últimas pesquisas.
Ortega é amigo do presidente
venezuelano Hugo Chávez, que
tem facilitado a venda de petróleo a prefeitos sandinistas e é
acusado de interferir na campanha. Como costuma acontecer nas eleições nicaragüenses,
os americanos têm feito ameaças ao país caso a vitória de Ortega se confirme. O candidato
mais simpático aos EUA, o conservador Eduardo Montealegre, tem 25% nas pesquisas.
A atenção que a eleição desperta é inversamente proporcional ao tamanho e riqueza do
país. A Nicarágua tem 5,5 milhões de habitantes, menos que
o Rio de Janeiro, e seu PIB é de
US$ 5 bilhões, metade da economia boliviana.
Mas o país foi palco de um
importante confronto dos últimos anos da Guerra Fria. Enquanto os sandinistas recebiam
apoio de Cuba, os EUA patrocinavam guerrilheiros anti-sandinistas, os "contras".
Inicialmente, os "contras"
receberam ajuda da ditadura
argentina e da CIA. Durante o
governo de Ronald Reagan, dinheiro obtido com a venda ilegal de armas para o Irã ajudou a
patrocinar os "contras", que
mergulharam a Nicarágua em
uma guerra civil que durou de
1980 a 1989, deixando 60 mil
mortos e 150 mil refugiados.
Tudo pelo social
O período pós-sandinista já
teve três presidentes: Violeta
Chamorro, Arnoldo Alemán e o
atual, Enrique Bolaños. Mas
nenhum conseguiu resolver os
maiores problemas do país. Os
nove anos de guerra civil e os
estragos do furacão Mitch, em
1998, só pioraram a situação.
A renda per capita é similar à
boliviana e o analfabetismo é
de 32%, uma das mais altas taxas do continente. Apesar da
estabilização da economia nos
últimos anos, poucos progressos são sentidos pela grande
maioria dos nicaragüenses.
"O fracasso da direita e das
políticas neoliberais nos últimos 16 anos deram uma nova
oportunidade ao Ortega", disse
à Folha a historiadora Norma
Hernández Sanchez, professora da Universidade Nacional
Autônoma da Nicarágua, eleitora de Ortega. "Ele [Ortega] dá
prioridade à agenda social, a
mais negligenciada. Ele aprendeu com o passado, se aproximou de empresários, da direita,
e dialoga muito mais. E os EUA
não deixaram Ortega governar", diz, referindo-se ao embargo econômico decretado na
época pelo governo americano.
O candidato favorito promete manter o tratado de livre comércio que o país, como seus
vizinhos da América Central,
assinou com os EUA em 2005.
Diz que pretende atrair investimentos e respeitar a propriedade privada. E que não quer
problemas com os EUA.
Por sua vez, a ação americana também diminuiu. "Desta
vez a intromissão ficou limitada às tentativas da embaixada
americana de reconciliar a direita nicaragüense, que chega
dividida ao pleito e por isso pode perder", diz o economista
Rodolfo Delgado Moreno, diretor do Instituto de Estudos Nicaragüenses. "Os republicanos
estão com tantos problemas
em casa que não tiveram tempo para atuar mais aqui."
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