São Paulo, segunda-feira, 05 de novembro de 2007

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Presidente faz de Angola "China africana"

Culto à personalidade típico de regimes marxistas resiste sob crescimento estimulado por hiperabertura ao capitalismo

Onipresença da imagem de Santos, promiscuidade entre oposição e governo e cerco cerrado à imprensa marcam regime africano

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A LUANDA

Há 15 anos sem eleições e há 32 com o mesmo partido no poder, Angola assemelha-se à China na mistura de crescimento acelerado e culto à personalidade típico dos regimes marxistas. É clara a mistura dos interesses do Estado e do grupo dominante, o MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola).
Apoiado por soviéticos e cubanos, o MPLA assumiu o poder na independência, em 1975. Primeiro com o médico Agostinho Neto e, desde 1979, ano de sua morte, com o engenheiro José Eduardo dos Santos.
Apesar de ter escancarado o país para os capitalistas, o partido continua a tratar seus filiados como "camaradas". Um espigão de concreto no melhor estilo soviético, que abrigará o mausoléu de Neto, é hoje a obra mais vistosa de Luanda.
Desde o fim da guerra civil as eleições vêm sendo prometidas e sucessivamente adiadas, com o argumento de que o país ainda não está pronto. A última promessa é de eleição legislativa no ano que vem e presidencial em 2009 -quando Santos completará três décadas no poder. O presidente faz mistério, mas ninguém duvida que ele, hoje com 65 anos, novamente será candidato e favorito a novo mandato de cinco anos.
Santos, que preside simultaneamente o país e o MPLA, está em toda parte. Nas notas de kwanza, sua efígie e a de Neto estão unidas no lema "A vitória é certa." Em outdoors, comemora o cinqüentenário do seu partido. Nos discursos, é saudado como pai da reconstrução.
Em entrevista à Folha, a ministra do Planejamento, Ana Dias, deu uma declaração típica: "A grande explicação para o momento que vivemos é o esforço de todos os angolanos, em particular o engenheiro José Eduardo dos Santos, para encontrar as soluções e melhores políticas para o desenvolvimento."

Cerco à imprensa
A imprensa é dominada pelo governo. O único diário, o "Jornal de Angola", é estatal e tem a pauta dominada pela agenda presidencial. O mesmo ocorre com as emissoras públicas de TV e rádio. Para a ONG Freedom House, que avalia a democracia no mundo, Angola é um país "sem liberdade".
Há seis semanários independentes, com tiragens de 5.000 a 10 mil exemplares, mas estão sob constante vigilância. Em 3 de outubro, Felisberto Campos, diretor do maior deles, o "Semanário Angolense", foi condenado a oito meses de prisão após perder um processo por difamação movido pelo governo. Uma reportagem acusava autoridades do Executivo de favorecer cidadãos portugueses que queriam reaver bens confiscados na independência.
"O Judiciário é supostamente independente, mas o governo controla tudo. Foi um sinal do governo para calar a imprensa", diz Silva Candembo, diretor-adjunto do jornal. A Folha questionou o governo, mas não teve resposta.
Mesmo a imprensa internacional trabalha sob olhares atentos. Para circular em Angola e fazer entrevistas, a Folha precisou de uma autorização específica do serviço estatal de imprensa, mesmo com o visto de trabalho válido. O nome e o telefone do motorista que conduzia a reportagem foram registrados pelo governo.
Politicamente, o país vive uma situação inusitada. A última eleição geral foi em 1992, após acordo do MPLA com a Unita (União Nacional pela Independência Total de Angola), com quem estava em guerra. Santos venceu e formou um governo de união nacional.
Dois anos depois, a Unita retomou a guerra, mas manteve quatro ministérios que ocupa até hoje. "Somos ao mesmo tempo oposição e governo, o que enfraquece nossa atuação fiscalizadora", diz Alcides Sakala, líder da Unita no Parlamento. O partido poderia simplesmente renunciar aos cargos, mas prefere não largar seu naco de poder. "Ficamos porque nossa participação é importante para o processo de reconciliação", diz Sakala.


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