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Presidente faz de Angola "China africana"
Culto à personalidade típico de regimes marxistas resiste sob crescimento estimulado por hiperabertura ao capitalismo
Onipresença da imagem de Santos, promiscuidade entre oposição e governo e cerco cerrado à imprensa marcam regime africano
FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A LUANDA
Há 15 anos sem eleições e há
32 com o mesmo partido no poder, Angola assemelha-se à
China na mistura de crescimento acelerado e culto à personalidade típico dos regimes
marxistas. É clara a mistura dos
interesses do Estado e do grupo
dominante, o MPLA (Movimento Popular de Libertação
de Angola).
Apoiado por soviéticos e cubanos, o MPLA assumiu o poder na independência, em 1975.
Primeiro com o médico Agostinho Neto e, desde 1979, ano de
sua morte, com o engenheiro
José Eduardo dos Santos.
Apesar de ter escancarado o
país para os capitalistas, o partido continua a tratar seus filiados como "camaradas". Um espigão de concreto no melhor
estilo soviético, que abrigará o
mausoléu de Neto, é hoje a obra
mais vistosa de Luanda.
Desde o fim da guerra civil as
eleições vêm sendo prometidas
e sucessivamente adiadas, com
o argumento de que o país ainda não está pronto. A última
promessa é de eleição legislativa no ano que vem e presidencial em 2009 -quando Santos
completará três décadas no poder. O presidente faz mistério,
mas ninguém duvida que ele,
hoje com 65 anos, novamente
será candidato e favorito a novo
mandato de cinco anos.
Santos, que preside simultaneamente o país e o MPLA, está
em toda parte. Nas notas de
kwanza, sua efígie e a de Neto
estão unidas no lema "A vitória
é certa." Em outdoors, comemora o cinqüentenário do seu
partido. Nos discursos, é saudado como pai da reconstrução.
Em entrevista à Folha, a ministra do Planejamento, Ana
Dias, deu uma declaração típica: "A grande explicação para o
momento que vivemos é o esforço de todos os angolanos,
em particular o engenheiro José Eduardo dos Santos, para
encontrar as soluções e melhores políticas para o desenvolvimento."
Cerco à imprensa
A imprensa é dominada pelo
governo. O único diário, o "Jornal de Angola", é estatal e tem a
pauta dominada pela agenda
presidencial. O mesmo ocorre
com as emissoras públicas de
TV e rádio. Para a ONG Freedom House, que avalia a democracia no mundo, Angola é um
país "sem liberdade".
Há seis semanários independentes, com tiragens de 5.000 a
10 mil exemplares, mas estão
sob constante vigilância. Em 3
de outubro, Felisberto Campos, diretor do maior deles, o
"Semanário Angolense", foi
condenado a oito meses de prisão após perder um processo
por difamação movido pelo governo. Uma reportagem acusava autoridades do Executivo de
favorecer cidadãos portugueses que queriam reaver bens
confiscados na independência.
"O Judiciário é supostamente independente, mas o governo controla tudo. Foi um sinal
do governo para calar a imprensa", diz Silva Candembo,
diretor-adjunto do jornal. A
Folha questionou o governo,
mas não teve resposta.
Mesmo a imprensa internacional trabalha sob olhares
atentos. Para circular em Angola e fazer entrevistas, a Folha
precisou de uma autorização
específica do serviço estatal de
imprensa, mesmo com o visto
de trabalho válido. O nome e o
telefone do motorista que conduzia a reportagem foram registrados pelo governo.
Politicamente, o país vive
uma situação inusitada. A última eleição geral foi em 1992,
após acordo do MPLA com a
Unita (União Nacional pela Independência Total de Angola),
com quem estava em guerra.
Santos venceu e formou um governo de união nacional.
Dois anos depois, a Unita retomou a guerra, mas manteve
quatro ministérios que ocupa
até hoje. "Somos ao mesmo
tempo oposição e governo, o
que enfraquece nossa atuação
fiscalizadora", diz Alcides Sakala, líder da Unita no Parlamento. O partido poderia simplesmente renunciar aos cargos, mas prefere não largar seu
naco de poder. "Ficamos porque nossa participação é importante para o processo de reconciliação", diz Sakala.
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