São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2008

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[+] EUA >> POR CONTARDO CALLIGARIS

Hora de votar

VOTO NO 97º distrito de Manhattan, na seção da rua 50 entre a Oitava e a Nona avenidas. Em 2000 e 2004, foi coisa de 10 ou 15 minutos. Cheguei, fui para a mesa e mostrei a carteira de eleitor e um documento. Havia imediatamente uma cabine disponível.
Ontem cheguei às 9h e votei às 11h30. Numa grande sala (o refeitório de uma escola pública), estavam reunidos cinco ou seis distritos (o distrito é uma pequena circunscrição geográfica à qual corresponde uma mesa de verificação do registro eleitoral e uma única cabine). Bom, cada mesa encabeçava uma fila que serpenteava pela sala. Tive tempo para ler os jornais e umas 30 páginas de um romance policial. Ainda conversei amavelmente com meus vizinhos.
Ninguém, em momento nenhum, protestou ou se queixou. Ninguém desistiu, incomodado pela espera.
Havia atrás de mim uma senhora "mais velha que McCain" (como ela disse na conversa), que não pediu tratamento especial. Só teve tratamento especial (passando para o primeiro lugar da fila) outra senhora, que sofria de Parkinson e avançava com dificuldade, ajudada por uma acompanhante. Mesmo assim, esse "privilégio" não foi pedido por ela nem pela acompanhante, mas imposto pelos presentes, digamos, por aclamação.
Todos os eleitores mais antigos do distrito comentavam que nunca, nem na eleição de Ronald Reagan (naquela vez, o Estado de Nova York votou num candidato republicano à Presidência), a fila para votar tivera tamanha extensão.
Mas as vozes que a gente mais ouvia eram as dos novos eleitores, não os jovens, mas os imigrantes recém-naturalizados. Alguns, prestativos, não paravam de fornecer indicações e esclarecimentos aos eleitores que hesitassem um instante na entrada da sala.
Quase todos conversavam não sobre a escolha dos candidatos, mas sobre o processo eleitoral em si: "A mesa é para mostrar o documento", "Será que a gente tem um recibo que diz que a gente votou?" e sobretudo: "Você sabe como funciona a máquina para votar?" (você puxa a alavanca da esquerda para a direita, aparecem os nomes dos candidatos, e você aciona os interruptores que estão ao lado dos nomes escolhidos; enfim você recoloca a alavanca na posição original e, pronto, votou).
Todos falavam inglês, mesmo entre si, e o resultado era uma Babel de sotaques carregados, que tornavam quase incompreensíveis as palavras e as frases.
Essa agitação verbal traduzia, de fato, o entusiasmo (ou o orgulho) de votar pela primeira vez nos Estados Unidos (para alguns, pela primeira vez na vida) e, por sorte, logo numa eleição que, de uma maneira ou de outra, mudará a cara do país.
Talvez não seja fácil para um brasileiro, depois de 20 anos de democracia, imaginar o estado de espírito do imigrante que vem de um lugar onde ele não gozava de direitos políticos elementares e vive alguns anos no país que o acolheu (sem aprender grande coisa da cultura local, apenas o básico para passar no teste obrigatório para se tornar cidadão), e eis que seu voto de quase "estrangeiro" vale tanto quanto o dos que estão aqui "desde sempre".
Na calçada da rua 50, os cartazes que apontam para a entrada da seção eleitoral são em espanhol, em chinês e em coreano. Em cada sala, estão à disposição intérpretes para as línguas mais faladas nas circunscrições.
Termino este texto às 19 horas (do Brasil) de terça. Impossível prever o resultado da eleição. As dificuldades econômicas e a herança política do governo Bush farão com que o futuro presidente, seja ele McCain ou Obama, não possa introduzir rapidamente as mudanças que ele preconiza. Mas a escolha eleitoral de hoje (independentemente das conseqüências imediatas que ela acarretará ou não) é por si só uma mudança crucial pelo planeta afora, para melhor ou para pior.


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