|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
[+] EUA >> POR CONTARDO CALLIGARIS
Hora de votar
VOTO NO 97º distrito
de Manhattan, na seção da rua 50 entre a
Oitava e a Nona avenidas. Em
2000 e 2004, foi coisa de 10 ou
15 minutos. Cheguei, fui para
a mesa e mostrei a carteira de
eleitor e um documento. Havia imediatamente uma cabine disponível.
Ontem cheguei às 9h e votei
às 11h30. Numa grande sala (o
refeitório de uma escola pública), estavam reunidos cinco ou seis distritos (o distrito
é uma pequena circunscrição
geográfica à qual corresponde
uma mesa de verificação do
registro eleitoral e uma única
cabine). Bom, cada mesa encabeçava uma fila que serpenteava pela sala. Tive tempo
para ler os jornais e umas 30
páginas de um romance policial. Ainda conversei amavelmente com meus vizinhos.
Ninguém, em momento nenhum, protestou ou se queixou. Ninguém desistiu, incomodado pela espera.
Havia atrás de mim uma senhora "mais velha que
McCain" (como ela disse na
conversa), que não pediu tratamento especial. Só teve tratamento especial (passando
para o primeiro lugar da fila)
outra senhora, que sofria de
Parkinson e avançava com dificuldade, ajudada por uma
acompanhante. Mesmo assim, esse "privilégio" não foi
pedido por ela nem pela
acompanhante, mas imposto
pelos presentes, digamos, por
aclamação.
Todos os eleitores mais antigos do distrito comentavam
que nunca, nem na eleição de
Ronald Reagan (naquela vez,
o Estado de Nova York votou
num candidato republicano à
Presidência), a fila para votar
tivera tamanha extensão.
Mas as vozes que a gente
mais ouvia eram as dos novos
eleitores, não os jovens, mas
os imigrantes recém-naturalizados. Alguns, prestativos,
não paravam de fornecer indicações e esclarecimentos aos
eleitores que hesitassem um
instante na entrada da sala.
Quase todos conversavam
não sobre a escolha dos candidatos, mas sobre o processo
eleitoral em si: "A mesa é para
mostrar o documento", "Será
que a gente tem um recibo
que diz que a gente votou?" e
sobretudo: "Você sabe como
funciona a máquina para votar?" (você puxa a alavanca da
esquerda para a direita, aparecem os nomes dos candidatos, e você aciona os interruptores que estão ao lado dos
nomes escolhidos; enfim você
recoloca a alavanca na posição original e, pronto, votou).
Todos falavam inglês, mesmo entre si, e o resultado era
uma Babel de sotaques carregados, que tornavam quase
incompreensíveis as palavras
e as frases.
Essa agitação verbal traduzia, de fato, o entusiasmo (ou
o orgulho) de votar pela primeira vez nos Estados Unidos
(para alguns, pela primeira
vez na vida) e, por sorte, logo
numa eleição que, de uma maneira ou de outra, mudará a
cara do país.
Talvez não seja fácil para
um brasileiro, depois de 20
anos de democracia, imaginar
o estado de espírito do imigrante que vem de um lugar
onde ele não gozava de direitos políticos elementares e vive alguns anos no país que o
acolheu (sem aprender grande coisa da cultura local, apenas o básico para passar no
teste obrigatório para se tornar cidadão), e eis que seu voto de quase "estrangeiro" vale
tanto quanto o dos que estão
aqui "desde sempre".
Na calçada da rua 50, os cartazes que apontam para a entrada da seção eleitoral são
em espanhol, em chinês e em
coreano. Em cada sala, estão à
disposição intérpretes para as
línguas mais faladas nas circunscrições.
Termino este texto às 19
horas (do Brasil) de terça. Impossível prever o resultado da
eleição. As dificuldades econômicas e a herança política
do governo Bush farão com
que o futuro presidente, seja
ele McCain ou Obama, não
possa introduzir rapidamente
as mudanças que ele preconiza. Mas a escolha eleitoral de
hoje (independentemente
das conseqüências imediatas
que ela acarretará ou não) é
por si só uma mudança crucial
pelo planeta afora, para melhor ou para pior.
Texto Anterior: Americanas Próximo Texto: [+] USA >> Por Kathleen Parker: Parabéns e pêsames Índice
|