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"Guerra ao terror" é nome vazio para ações incoerentes
Novo presidente tem que recomeçar do zero estratégia de segurança nacional
ANDREW J. BACEVICH
UMA SEMANA atrás eu tive uma longa conversa com um oficial de
quatro estrelas que, até aposentar-se recentemente,
exerceu papel central na direção da "guerra global ao terror". Perguntei qual é, exatamente, a estratégia que guia a
condução desta guerra pelo
governo Bush. Sua resposta:
"Não existe nenhuma".
Para os fornecedores de
equipamentos militares, lobistas, membros de centros
de estudos, militares ambiciosos e apresentadores de
talk shows, a "guerra global ao
terror" é um empreendimento de oportunidades, que promete se estender por décadas.
Entretanto, esse mesmo
empreendimento já se tornou em grande medida uma
ficção, uma frase pronta empregada para dar aparência
de coesão a uma multiplicidade de atividades que, na realidade, são contraditórias e
contraproducentes. A "guerra ao terror" está para o terrorismo como a guerra às drogas está para a dependência
de drogas. Declarar "guerra"
permanente sustenta a farsa
de se estar enfrentando um
problema. A guerra às drogas
é uma farsa cara. E o mesmo
se aplica à "guerra ao terror".
Qualquer pessoa que deseje
identificar alguma idéia unificadora que explique as ações
dos EUA no Grande Oriente
Médio não poderá deixar de
se decepcionar.
Durante a Segunda Guerra,
o presidente Franklin Roosevelt apresentou como princípios centrais "Alemanha primeiro" e "rendição incondicional". No início da Guerra
Fria, o governo Truman criou
o conceito da contenção. Mas
hoje, sete anos após o início
de sua guerra ao terror, o governo Bush está sem norte.
Se qualquer germe de estratégia chegou a existir -a despropositada visão neoconservadora de empregar o poder
americano para "transformar" o mundo islâmico-, os
acontecimentos demoliram
suas premissas.
Em lugar de uma única
guerra, os EUA estão engajados em várias.
A primeira no ranking de
importância é a do Iraque. O
presidente Bush jamais vai
recuar de sua posição de insistir que é no Iraque que está
o "fronte central" do conflito
que ele iniciou após o 11 de Setembro. Bush e seus derradeiros defensores querem que
acreditemos que o aumento
do contingente militar no Iraque trouxe a vitória para o horizonte -e, com ela, a perspectiva de ser redimido esse
esforço mal concebido.
Se o presidente puder deixar o comando do país derramando garantias de que existe luz no fim do túnel mesopotâmico, ele vai se declarar
justificado. E, se os fatos reais
subseqüentes a 20 de janeiro
não saírem bem, ele sempre
poderá culpar seu sucessor.
A próxima no ranking é a
guerra órfã. Trata-se do Afeganistão, conflito em seu oitavo ano. Os fatos ocorridos no
Afeganistão até pouco tempo
atrás atraíam pouca atenção.
Recentemente, as autoridades americanas vêm tomando nota do fato de que as coisas andam mal no Afeganistão, política e militarmente.
A Al Qaeda persiste. O Taleban está se reafirmando. A expectativa de que a Otan poderia acudir em socorro foi ilusória. Além de possibilitar ao
Afeganistão reconquistar seu
status de maior produtor
mundial de ópio, os esforços
dos EUA de pacificar esse país
vêm dando poucos frutos.
O Pentágono chama sua intervenção no Afeganistão de
operação Liberdade Duradoura. Infelizmente, é o adjetivo que define a campanha:
interminável. Excluindo uma
redefinição radical de seu objetivo, ela promete continuar
por muito tempo.
Enquanto isso, no vizinho
Paquistão está acontecendo
uma guerra escondida à vista
de todos. Relatos sobre ações
militares dos EUA no Paquistão já viraram parte do dia-a-dia. Embora a Casa Branca
não chame isso de guerra, é isso o que ela é -uma guerra de
atrito, na qual estamos matando tanto terroristas quanto não-combatentes.
Finalmente, temos a guerra
de Condoleezza Rice. Este
conflito, que não envolve forças americanas diretamente,
pode ser o mais importante. A
guerra que a secretária de Estado fez sua é o conflito entre
Israel e os palestinos. Tendo
durante anos feito pouco caso
da insistência dos muçulmanos de que a situação dos palestinos constitui um problema maior, Rice agora adere a
esse ponto de vista. Ela jurou
mediar o fim desse conflito
antes de deixar o cargo, em janeiro de 2009.
Considerando que Rice
contribuiu pouco ao esforço,
em termos de idéias novas,
suas perspectivas de sucesso
parecem ser pequenas. No
entanto, com Rice e o problema palestino acontece o mesmo que com Bush e o Iraque:
ela tem muita coisa investida
nesse esforço. Se fracassar,
ela deixará o governo tendo
realizado nada.
Não existe nada de inerentemente errado em combater
em várias frentes, desde que
as ações sejam compatíveis e
que, juntas, contribuam para
o êxito global. Não é esse o caso com a "guerra ao terror".
Em lugar disso, temos uma
ilustração de algo que Winston Churchill certa vez descreveu como um pudim sem
tema: uma guerra destituída
de objetivo estratégico.
Essa ausência de coesão é
tanto um desastre quanto
uma oportunidade. Um desastre porque gastamos recursos imensos, recebendo
pouquíssimo em troca. Os defensores de Bush discordam.
Eles dão crédito ao presidente por ter evitado outro 11 de
Setembro -uma realização
elogiável, mas que pode ser
atribuída sobretudo ao fato
de que os EUA deixaram de
descuidar-se da segurança
nos aeroportos. Argumentar
que a ocupação do Iraque
previu ataques terroristas
contra os EUA equivale a afirmar que a ocupação israelense da Cisjordânia preveniu
ataques terroristas contra o
Estado de Israel.
Mas o vazio estratégico é
também uma oportunidade.
Quando se trata de segurança
nacional, o próximo governo
não precisará perder tempo
discutindo quais problemas
requerem ação prioritária.
Há perguntas de primeira
ordem que exigem atenção.
Como devemos avaliar a
ameaça? Que princípios devem fundamentar nossa resposta? Que formas de poder
são mais relevantes à implementação dessa resposta? Os
meios à disposição são adequados? Se não, como devem
ser ajustadas as prioridades
nacionais? Em vista dos desafios, como o governo deve se
organizar? Quem vai liderar
(organismos e indivíduos)?
A cada uma dessas perguntas, o governo Bush apresentou respostas erradas. O próximo precisa fazer melhor. O lugar para começar é o reconhecimento franco de que a
"guerra ao terror" na prática
já deixou de existir. Quando
se trata de estratégia de segurança nacional, temos de recomeçar do zero.
ANDREW BACEVICH é professor de relações internacionais na Universidade de Boston e coronel aposentado do Exército. É autor de "The Limits of Power: The End of American Exceptionalism". Este artigo foi distribuído pela Agence
Global
Tradução de CLARA ALLAIN
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