São Paulo, terça-feira, 06 de janeiro de 2009

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Hamas enfrenta erro de cálculo

Grupo superestimou a própria força; conflito ressalta paradoxo entre luta paramilitar e prática da política

Movimento islâmico entrou no conflito em posição de inferioridade militar, sem aliado de peso entre árabes e após se distanciar do Egito

TOBIAS BUCK
DO "FINANCIAL TIMES"

Ante os incansáveis bombardeios aéreos e as tropas terrestres israelenses que os cercam, os líderes do Hamas enfrentam um dos mais duros testes desde a criação do grupo, em 1987.
Os militantes islâmicos, parece, calcularam mal as consequências de suas ações. Embora Israel tenha violado antes, de forma substancial, o cessar-fogo em vigor desde junho, o Hamas perdeu muitas chances de deter a espiral de violência e com isso evitar uma ofensiva israelense contra Gaza.
O movimento islâmico entrou nesse conflito não só em posição de imensa inferioridade militar como também com poucos amigos entre os principais governos árabes. Pior, o Hamas ofendeu seu único vizinho árabe, o Egito, ao rejeitar a iniciativa do Cairo para reconciliá-lo com seus rivais do laico Fatah, no ano passado.
As relações entre o Egito e o Hamas estão tão desgastadas agora que o Cairo se sentiu compelido a imputar ao menos parte da culpa pelos ataques ao grupo, a despeito da fúria no mundo árabe diante da falta de apoio egípcia aos palestinos.
Hillel Frisch, professor da Universidade Ben Gurion, em Israel, classifica os erros estratégicos recentes da organização como "suicídio coletivo" e argumenta que o Hamas uniu seus inimigos, além de "calcular mal a sua força e o apoio com que poderia contar, em todas as etapas do processo".
Por enquanto, o único objetivo do grupo é sobreviver ao ataque israelense, e as chances de fazê-lo parecem boas.
Israel diz que sua intenção é enfraquecer, e não derrubar, o Hamas, e tem motivos para tanto. O governo israelense parece determinado a evitar uma reocupação militar plena do território, que o forçaria a administrar uma população hostil de 1,5 milhão de pessoas. Além disso, não há uma força alternativa óbvia que possa reconstruir e governar Gaza.
Qualquer tentativa de remover o Hamas seria, assim, fútil. As raízes do grupo na sociedade palestina são profundas. A organização tem dezenas de milhares de membros na faixa de Gaza e na Cisjordânia, e embora alguns usem AK-47s e façam ataques suicidas, muitos outros dirigem escolas, orfanatos e hospitais, e servem como prefeitos, ministros e deputados.
Em janeiro de 2006, o Hamas conquistou uma vitória esmagadora nas eleições parlamentares palestinas, e as pesquisas de opinião pública estimam que a organização conte hoje com pelo menos 25% dos votos.
Outro motivo para a relutância israelense em desferir um golpe mortal contra o Hamas pode vir de experiências passadas. Em 2004, forças israelenses mataram o xeque Ahmed Yassin, o fundador e líder do Hamas, e seu sucessor, Abdel Aziz al Rantissi. Mas isso não deteve a ascensão do Hamas.

Paradoxo
Seria diferente agora? Há quem acredite que, qualquer que seja o capital político que o Hamas venha a obter de sua resistência, o fato de que a organização terá de compartilhar da culpa pela morte e destruição em Gaza servirá para cancelar essa vantagem. E a organização pode enfim se ver forçada a resolver uma contradição que central no movimento.
"No final desta guerra, o Hamas terá de decidir se deseja ser um movimento de resistência ou um grupo político. Quando o Hamas venceu as eleições parlamentares, declarou que conseguiria combinar os dois. Mas passados três anos ninguém diria que o Hamas obteve sucesso nessa combinação", diz Mokhemra Abu Saada, professor de ciências políticas na Universidade Al Azhar, em Gaza.
Ele acredita que, quando a guerra acabar, a pressão dos palestinos comuns pode ter sucesso quanto a um objetivo que as bombas israelenses pareceram até agora não ter atingido: forçar o Hamas a repensar os objetivos do grupo e a melhor maneira de conquistá-los.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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