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Hamas enfrenta erro de cálculo
Grupo superestimou a própria força; conflito ressalta paradoxo entre luta paramilitar e prática da política
Movimento islâmico entrou no conflito em posição de inferioridade militar, sem aliado de peso entre árabes e após se distanciar do Egito
TOBIAS BUCK
DO "FINANCIAL TIMES"
Ante os incansáveis bombardeios aéreos e as tropas terrestres israelenses que os cercam,
os líderes do Hamas enfrentam
um dos mais duros testes desde
a criação do grupo, em 1987.
Os militantes islâmicos, parece, calcularam mal as consequências de suas ações. Embora Israel tenha violado antes, de
forma substancial, o cessar-fogo em vigor desde junho, o Hamas perdeu muitas chances de
deter a espiral de violência e
com isso evitar uma ofensiva israelense contra Gaza.
O movimento islâmico entrou nesse conflito não só em
posição de imensa inferioridade militar como também com
poucos amigos entre os principais governos árabes. Pior, o
Hamas ofendeu seu único vizinho árabe, o Egito, ao rejeitar a
iniciativa do Cairo para reconciliá-lo com seus rivais do laico
Fatah, no ano passado.
As relações entre o Egito e o
Hamas estão tão desgastadas
agora que o Cairo se sentiu
compelido a imputar ao menos
parte da culpa pelos ataques ao
grupo, a despeito da fúria no
mundo árabe diante da falta de
apoio egípcia aos palestinos.
Hillel Frisch, professor da
Universidade Ben Gurion, em
Israel, classifica os erros estratégicos recentes da organização
como "suicídio coletivo" e argumenta que o Hamas uniu
seus inimigos, além de "calcular mal a sua força e o apoio
com que poderia contar, em todas as etapas do processo".
Por enquanto, o único objetivo do grupo é sobreviver ao ataque israelense, e as chances de
fazê-lo parecem boas.
Israel diz que sua intenção é
enfraquecer, e não derrubar, o
Hamas, e tem motivos para
tanto. O governo israelense parece determinado a evitar uma
reocupação militar plena do
território, que o forçaria a administrar uma população hostil de 1,5 milhão de pessoas.
Além disso, não há uma força
alternativa óbvia que possa reconstruir e governar Gaza.
Qualquer tentativa de remover
o Hamas seria, assim, fútil. As
raízes do grupo na sociedade
palestina são profundas. A organização tem dezenas de milhares de membros na faixa de
Gaza e na Cisjordânia, e embora alguns usem AK-47s e façam
ataques suicidas, muitos outros
dirigem escolas, orfanatos e
hospitais, e servem como prefeitos, ministros e deputados.
Em janeiro de 2006, o Hamas
conquistou uma vitória esmagadora nas eleições parlamentares palestinas, e as pesquisas
de opinião pública estimam
que a organização conte hoje
com pelo menos 25% dos votos.
Outro motivo para a relutância israelense em desferir um
golpe mortal contra o Hamas
pode vir de experiências passadas. Em 2004, forças israelenses mataram o xeque Ahmed
Yassin, o fundador e líder do
Hamas, e seu sucessor, Abdel
Aziz al Rantissi. Mas isso não
deteve a ascensão do Hamas.
Paradoxo
Seria diferente agora? Há
quem acredite que, qualquer
que seja o capital político que o
Hamas venha a obter de sua resistência, o fato de que a organização terá de compartilhar da
culpa pela morte e destruição
em Gaza servirá para cancelar
essa vantagem. E a organização
pode enfim se ver forçada a resolver uma contradição que
central no movimento.
"No final desta guerra, o Hamas terá de decidir se deseja ser
um movimento de resistência
ou um grupo político. Quando o
Hamas venceu as eleições parlamentares, declarou que conseguiria combinar os dois. Mas
passados três anos ninguém diria que o Hamas obteve sucesso
nessa combinação", diz Mokhemra Abu Saada, professor
de ciências políticas na Universidade Al Azhar, em Gaza.
Ele acredita que, quando a
guerra acabar, a pressão dos palestinos comuns pode ter sucesso quanto a um objetivo que
as bombas israelenses pareceram até agora não ter atingido:
forçar o Hamas a repensar os
objetivos do grupo e a melhor
maneira de conquistá-los.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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