São Paulo, sexta-feira, 06 de fevereiro de 2009

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Itália quer que médico delate imigrante

Projeto aprovado no Senado concede a servidores da Saúde prerrogativa de informar à polícia condição irregular de paciente

Para a oposição, medida é "racista" e país pode criar problema de saúde pública; texto ainda precisa passar pela Câmara para virar lei

Mauro Seminara - 23.jan.09/France Presse
Manifestantes protestam contra centro de identificação de imigrantes, em Lampedusa, na Itália

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi aprovou ontem no Senado italiano um projeto de lei do grupo direitista Liga Norte, integrante da coalizão governista, que altera legislação anterior sobre imigração no país e permite que médicos possam delatar a autoridades policiais pacientes estrangeiros em situação irregular na Itália.
Entre outras medidas sobre o tema também aprovadas, imigrantes irregulares que tenham sido pegos, recebido ordem de deixar o país e permaneçam em território italiano passariam a estar sujeitos a pena de até quatro anos de prisão. O Senado também votou favoravelmente por outro projeto da Liga Norte, que prevê a criação de "rondas" de cidadãos que possam patrulhar as ruas das cidades italianas e informar à polícia eventos que ameacem a segurança nesses locais.
A possibilidade de que esses cidadãos portassem armas, prevista no texto original, foi no entanto derrubada.
Para virarem lei, as medidas -que tratavam em grande parte de temas de imigração, embora estivessem contidas num pacote sobre segurança- ainda devem ser aprovadas pela Câmara sem modificação. Se o texto receber alterações, volta para apreciação no Senado.
Para especialistas ouvidos pela Folha, elas têm boas chances de serem aprovadas, já que Berlusconi detém maioria mais folgada na Câmara.
"A maioria do governo é espantosa", disse Tonino Cavallari, ex-diretor da agência italiana de notícias Ansa para a América Latina. "A coisa mais preocupante é essa permissão para os médicos. Pelo decreto legislativo anterior que regulamentava a imigração, de 1998, estava expressamente previsto que um médico do sistema público não era obrigado a denunciar imigrantes."
"Pois é, a lei não "obriga" o médico a delatar. O que quer dizer: se o sujeito quiser ser fascista, agora tem permissão para sê-lo", disse o ex-senador italiano José Luiz Del Roio, nascido no Brasil, mas eleito para o Legislativo pela Lombardia (norte da Itália), em 2006. "A atual crise econômica explica muito esses movimentos xenófobos", diz o político do Partido da Refundação Comunista. "Quando aumenta o desemprego, a saída é pôr a culpa no imigrante. A direita sempre fez esse jogo."
Para Cavallari, "nesse momento, na opinião pública da Itália, uma medida como essa pode passar mais facilmente".

Críticas da oposição
A votação começou anteontem, quando algumas propostas do governo foram derrotadas. Uma tentativa de elevar de 2 para 18 meses o prazo máximo de detenção provisória de imigrantes irregulares foi rechaçada. O projeto mais polêmico, o da delação dos médicos, foi duramente criticado pela oposição.
"Essa medida constitui uma página obscura e vergonhosa para o nosso país. Isso é racismo", disse a senadora Mariapia Garavaglia, do Partido Democrático. Para a porta-voz do PD no Senado, Anna Finocchiaro, "superou-se o limite que separa o rigor da lei da perseguição".
O conselho nacional de médicos da Itália se manifestou contra a medida e incitou os profissionais, caso ela seja aprovada, a desconsiderá-la.
A organização Médicos Sem Fronteiras fez campanha nos últimos dias contra o projeto, afirmando: "Somos médicos, não espiões".
O grupo afirma que a medida pode criar um clima de desconfiança, reduzindo o acesso de imigrantes irregulares a centros de saúde. Para o ex-senador Del Roio, "as pessoas que vão ficar com medo de ir ao médico são as mais humildes". "Como os micróbios não entendem esse negócio de raça -que aliás não existe-, a medida pode criar um problema de saúde pública para todos."

Com agências internacionais


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