São Paulo, quinta-feira, 06 de março de 2008

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Local atacado na selva é "buraco num prato de brócolis"

FLÁVIA MARREIRO
ENVIADA ESPECIAL A ANGOSTURA (EQUADOR)

Do alto, o acampamento das Farc em território equatoriano é, agora, apenas uma clareira na selva fechada. Um buraco num prato de brócolis, na imagem do coronel equatoriano José Nuñez.
No chão, avista-se o que sobrou -um amontoado de roupas, uniformes militares, manuais da guerrilha na lama, um cartão-postal com o Che Guevara- após o preciso bombardeio das Forças Armadas da Colômbia que matou o número 2 da guerrilha, Raúl Reyes, e provocou a mais séria crise diplomática da década na região.
A Folha acompanhou ontem à tarde de trabalho dos militares do Equador na área, a 30 km da cidade equatoriana de Angostura. O dia foi dedicado à perícia técnica de oficiais da Força Aérea, cuja comitiva a reportagem acompanhou a bordo de um helicóptero Superpuma do Exército.
As análises têm o objetivo de determinar que tipo de armamento foi usado no ataque e com que intensidade. Mas uma conclusão as forças equatorianas já têm: não houve ataque da guerrilha e revide colombiano. Ou seja, invasão proposital.
"Esse é um trabalho para detalhar a ação. A prova de que foi um ataque-surpresa já está no IML de Quito", diz o coronel José Castillo, chefe do Estado Maior da Brigada 19 do Exército, 4ª Divisão (responsável pela Amazônia equatoriana), a respeito dos corpos de mais de uma dezena de guerrilheiros mortos com Reyes, e cujas imagens chocantes estão na internet. (Bogotá só fez questão de levar o corpo de Reyes e de um ideólogo das Farc, o resto foi recolhido pelos equatorianos).
Na descrição de Castillo, foi um ataque em três fases. Um bombardeio com aviões -estimam dez bombas ao menos-, seguido de um ataque por helicópteros com metralhadoras e logo uma ofensiva por terra. "Os colombianos não atacaram a guerrilha vindos do lado colombiano. Eles contornaram o acampamento, entraram ainda mais no território para surpreendê-los pelo sul."
Os vestígios do acampamento onde morreu o porta-voz da guerrilha exibem a expertise das Farc em décadas de selva. Ainda se identifica onde era a cozinha (com um escorredor de pratos atado a uma haste), a área do quarto dos líderes, segundo apontam os militares, chamando atenção para os restos de uma TV de plasma, um som e cds piratas (da banda colombiana de cúmbia La Sonora Dinamita, Gloria Stefan...).
Os escombros vão delineando o cotidiano do acampamento, falando da presença das mulheres. Também na lama, há a bula de um anticoncepcional intravenoso. Há uma espécie de sala-de-aula, com tocos como bancos. Para os equatorianos, o local era de treinamento e, na hora do ataque, vários outros guerrilheiros fugiram nas imensidões à frente.
Há um riacho perto, para onde se desce por meio degraus feitos de madeira, firmes. No final do caminho, um chiqueiro suspenso sobre a água aparece. Há ainda um porco, que sobreviveu. "Estar em constante atitude de vigilância durante seus turnos, sem afastar-se por nenhum motivo", diz parte do manual manuscrito na lama. Como provam as últimas vitórias do Exército colombiano, esses manuais não são mais suficientes.


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