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Movida a petróleo, economia floresce e produz uma nova elite
DO ENVIADO A BAGDÁ
Caminhando pela sua loja de
roupas masculinas, o empresário Rachid Mohammed exibe
um sapato italiano costurado à
mão que custa o equivalente a
R$ 500 e garante: "Vende como
água, essa cidade está cheia de
gente rica".
Mohammed diz que, em 17
anos à frente da loja -situada
no centro de Bagdá, em um prédio que pertenceu a Uday, filho
do ditador deposto Saddam
Hussein-, nunca ganhou tanto
dinheiro como agora. Mas o
empresário também nunca pagou tão caro para ocupar o ponto. Em 2009 foram R$ 150 mil
em aluguel. Dez vezes mais do
que na época do antigo regime.
As finanças de Mohammed
ilustram um fenômeno ocultado pelas incessantes notícias
sobre violência sectária e disputas políticas: circula muito
dinheiro no novo Iraque. Tanto
que o país vive consequências
típicas das economias hiperaquecidas, como bolhas, inflação
e um crescente abismo entre os
que tiram proveito do momento e os mais miseráveis, alheios
às melhorias.
Em 2009, enquanto boa parte do mundo sofria os efeitos da
crise econômica, o Iraque cresceu 5,8%. O desemprego baixou
de 18% em 2006 para atuais
15%, de acordo com números
oficiais. O varejo prospera, e a
Bolsa de Valores de Bagdá prepara sua entrada na era do pregão eletrônico, depois de ver o
número de empresas cotadas
saltar de 15 em 2003 para 94 no
ano passado.
Um iraquiano radicado em
Paris, Hameed Nasser, conta
que acabou-se o tempo em que
visitar o país natal com 1.000
euros no bolso era sinônimo de
fartura. "É incrível como moeda estrangeira no Iraque passou a valer menos de alguns
anos pra cá", relatou à Folha.
O volume de dinheiro é fruto
da revitalização da indústria
petroleira, sustentáculo nacional, cuja produção já voltou aos
níveis anteriores à invasão liderada pelos EUA em 2003.
Com duas vantagens de peso
em relação à era Saddam.
A primeira é que as sanções
comerciais da ONU foram levantadas após a queda de Saddam, o que permitiu ao Iraque
começar a modernizar sua sucateada infraestrutura petroleira e voltar a lucrar com as exportações. O alto preço do barril nos últimos anos ajudou a
encher os cofres do país.
A segunda é que o dinheiro
do petróleo iraquiano passou a
ter retorno concreto, já que
não serve mais para financiar
ataques a inimigos. O embargo
da ONU fora imposto ao Iraque
em 1990 justamente para retaliar a invasão do Kuait pelas
tropas de Saddam, que antes
gastara seu poderio bélico contra curdos e iranianos.
O dinheiro do petróleo, que
ainda está muito abaixo do que
podem render os 115 bilhões de
barris em reservas comprovadas, financia projetos de desenvolvimento, sustenta programas sociais e alimenta a modernização das instituições públicas, a começar pelas forças
de segurança.
A consequência foi o surgimento de uma classe média de
servidores, com dinheiro para
gastar em comércio e lazer. Em
paralelo, uma nova elite ligada
ao Estado e à sua rede de prestadoras de serviços eleva padrões de consumo.
Críticos dizem que a injeção
de capital na estrutura de poder multiplicou a corrupção
em todos os níveis e apontam
para a opacidade nas regras para os contratos firmados entre
Bagdá e petroleiras estrangeiras. Além das queixas de que a
nova riqueza iraquiana é essencialmente desonesta, há preocupação com o fato de o Iraque
até hoje não ter um verdadeiro
sistema bancário (cartões de
crédito não são aceitos) e com a
dependência do petróleo, um
bem esgotável.
Analistas também questionam a durabilidade de um crescimento norteado pelo Estado.
O economista americano
Frank Gunter, especialista em
Iraque, calcula que o setor privado empregue somente 6% da
população ativa.
Especialistas sustentam que
a taxa oficial de inflação, de 4%,
não resistiria a um estudo sério. Um oficial de polícia disse à
Folha que seu salário na época
de Saddam era de US$ 200.
Hoje ele ganha US$ 1.200, mas
não consegue fechar o mês.
(SA)
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