São Paulo, sábado, 06 de março de 2010

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Movida a petróleo, economia floresce e produz uma nova elite

DO ENVIADO A BAGDÁ

Caminhando pela sua loja de roupas masculinas, o empresário Rachid Mohammed exibe um sapato italiano costurado à mão que custa o equivalente a R$ 500 e garante: "Vende como água, essa cidade está cheia de gente rica".
Mohammed diz que, em 17 anos à frente da loja -situada no centro de Bagdá, em um prédio que pertenceu a Uday, filho do ditador deposto Saddam Hussein-, nunca ganhou tanto dinheiro como agora. Mas o empresário também nunca pagou tão caro para ocupar o ponto. Em 2009 foram R$ 150 mil em aluguel. Dez vezes mais do que na época do antigo regime.
As finanças de Mohammed ilustram um fenômeno ocultado pelas incessantes notícias sobre violência sectária e disputas políticas: circula muito dinheiro no novo Iraque. Tanto que o país vive consequências típicas das economias hiperaquecidas, como bolhas, inflação e um crescente abismo entre os que tiram proveito do momento e os mais miseráveis, alheios às melhorias.
Em 2009, enquanto boa parte do mundo sofria os efeitos da crise econômica, o Iraque cresceu 5,8%. O desemprego baixou de 18% em 2006 para atuais 15%, de acordo com números oficiais. O varejo prospera, e a Bolsa de Valores de Bagdá prepara sua entrada na era do pregão eletrônico, depois de ver o número de empresas cotadas saltar de 15 em 2003 para 94 no ano passado.
Um iraquiano radicado em Paris, Hameed Nasser, conta que acabou-se o tempo em que visitar o país natal com 1.000 euros no bolso era sinônimo de fartura. "É incrível como moeda estrangeira no Iraque passou a valer menos de alguns anos pra cá", relatou à Folha.
O volume de dinheiro é fruto da revitalização da indústria petroleira, sustentáculo nacional, cuja produção já voltou aos níveis anteriores à invasão liderada pelos EUA em 2003. Com duas vantagens de peso em relação à era Saddam.
A primeira é que as sanções comerciais da ONU foram levantadas após a queda de Saddam, o que permitiu ao Iraque começar a modernizar sua sucateada infraestrutura petroleira e voltar a lucrar com as exportações. O alto preço do barril nos últimos anos ajudou a encher os cofres do país.
A segunda é que o dinheiro do petróleo iraquiano passou a ter retorno concreto, já que não serve mais para financiar ataques a inimigos. O embargo da ONU fora imposto ao Iraque em 1990 justamente para retaliar a invasão do Kuait pelas tropas de Saddam, que antes gastara seu poderio bélico contra curdos e iranianos.
O dinheiro do petróleo, que ainda está muito abaixo do que podem render os 115 bilhões de barris em reservas comprovadas, financia projetos de desenvolvimento, sustenta programas sociais e alimenta a modernização das instituições públicas, a começar pelas forças de segurança.
A consequência foi o surgimento de uma classe média de servidores, com dinheiro para gastar em comércio e lazer. Em paralelo, uma nova elite ligada ao Estado e à sua rede de prestadoras de serviços eleva padrões de consumo.
Críticos dizem que a injeção de capital na estrutura de poder multiplicou a corrupção em todos os níveis e apontam para a opacidade nas regras para os contratos firmados entre Bagdá e petroleiras estrangeiras. Além das queixas de que a nova riqueza iraquiana é essencialmente desonesta, há preocupação com o fato de o Iraque até hoje não ter um verdadeiro sistema bancário (cartões de crédito não são aceitos) e com a dependência do petróleo, um bem esgotável.
Analistas também questionam a durabilidade de um crescimento norteado pelo Estado. O economista americano Frank Gunter, especialista em Iraque, calcula que o setor privado empregue somente 6% da população ativa.
Especialistas sustentam que a taxa oficial de inflação, de 4%, não resistiria a um estudo sério. Um oficial de polícia disse à Folha que seu salário na época de Saddam era de US$ 200. Hoje ele ganha US$ 1.200, mas não consegue fechar o mês. (SA)


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