São Paulo, quarta-feira, 06 de abril de 2005

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Prossegue mistério do cardeal escondido

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Não há nenhuma certeza de que o enigmático 118º cardeal do próximo conclave tenha sua identidade revelada a tempo de participar da sucessão de João Paulo 2º.
Ele foi nomeado "in pectore" (intimamente, secretamente) pelo papa, em outubro de 2003, no mesmo consistório no qual 31 nomes ascenderam ao cardinalato, entre eles Renato Martino, que presidiu a Comissão Pontifícia Justiça e Paz, e o "papabili" Angelo Scola, patriarca de Veneza.
A lei canônica diz que o próprio pontífice deve revelar o nome desse cardeal para que ele exerça seus direitos. Um documento devidamente autenticado do papa defunto, dizem especialistas, seria suficiente. O prelado também precisaria ter menos de 80 anos.
Os jornais italianos especulam que o personagem misterioso seja um chinês ou então o polonês Stanislaw Dziwisz, o secretário particular de João Paulo 2º.
A história dos cardeais "in pectore" já tem alguns séculos na longa cronologia da igreja. Surgiu no pontificado de Paulo 3º (1534-1549). Antes dele, Martinho 5º indicara um prelado sem revelar seu nome, que era no entanto conhecido pela cúpula romana.
No século 19 os papas nomearam 57 cardeais "in pectore". O pontífice também era naquele período o chefe de um Estado com interesses temporais, o que o levava, pela lógica, a fazer alianças e lidar com governos hostis. A nomeação sigilosa permitia não atrair sobre o nomeado alguma forma de retaliação política.
Entre 1900 e 2005 o número de cardeais nomeados "in pectore" foi bem menor: apenas 12.
O primeiro deles, o português Antônio Mendes Bello, nomeado em novembro 1911, teve sua identidade revelada no consistório de 1914. Havia sido expulso de Lisboa porque as autoridades seculares o acusavam de infringir a separação entre igreja e Estado.
O exemplo seguinte viria apenas em 1933 e envolveu o italiano Federico Tedeschini, cuja nomeação se tornou pública dois anos depois. Ele era núncio apostólico (embaixador do Vaticano) na Espanha, quando da instituição da República e da emergência de um forte sentimento anticlerical.
Os três casos mais misteriosos do século 20 aconteceram durante o pontificado de João 23. Em 1960 ele nomeou três cardeais "in pectore". Nunca se soube a identidade de nenhum deles.
A Guerra Fria e a repressão religiosa nos países comunistas estiveram na raiz das três nomeações "in pectore" do pontificado de Paulo 6º. A mais trágica envolveu Iuliu Hossu, bispo romeno, preso entre 1948 e 1964 e recluso num mosteiro até sua morte, em 1970. Sua condição de cardeal foi revelada apenas em 1973.
Os dois outros cardeais "in pectore" do pontificado também vinham de países comunistas, mas foram identificados ainda em vida. O primeiro, um tcheco, chamava-se Frantisek Tomasek, foi nomeado em maio de 1976 e identificado em junho do ano seguinte. Joseph-Marie Trinh-nhu-khue, arcebispo de Hanói, tornou-se cardeal em outubro de 1974. Mas sua condição viria a público só em maio de 1976.
João Paulo 2º nomeou quatro cardeais "in pectore". Três deles tiveram suas identidades reveladas. Foi primeiramente o chinês Ignatius Kung Pin Mei, bispo de Xangai, que em 1979, ao ser nomeado, cumpria pena de prisão perpétua. Sua identidade foi revelada em 1991 e ele morreu no exílio (Estados Unidos) em 1998.
Dois outros cardeais, o letão Janis Pujatz e o ucraniano Marian Jaworski, foram designados em 1998 e identificados em 2001.


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