São Paulo, quarta-feira, 06 de abril de 2005

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A MORTE DO PAPA

Santa Marta é quase um hotel de luxo

Local confortável custou US$ 20 milhões, tem 110 suítes e hospedará pela primeira vez os cardeais que elegerão o novo papa

JASON HOROWITZ
DO "NEW YORK TIMES", EM ROMA

Dentro do saguão ensolarado, com piso de mármore encerado e um balcão de recepção com listas de convidados, a Casa Santa Marta se parece com qualquer bom hotel do centro de Roma.
Mas um busto de bronze de João Paulo 2º, logo após as portas de vidro da entrada, indica que não é um local tão comum. Os 117 cardeais que elegerão o novo papa ficarão ali hospedados. O Vaticano gastou US$ 20 milhões para construir o alojamento, logo atrás de seus pesados portões laterais.
Anteontem pela manhã o edifício de cinco andares passou a receber seus hóspedes especiais. Mesas antigas com pernas douradas estavam desempoeiradas e brilhantes. Um pequeno elevador estava pronto para os cardeais com dificuldades de locomoção. Um cartaz negro indicava em três idiomas o restaurante.
Os funcionários do Vaticano que moram na Santa Marta deixaram seus aposentos com a chegada dos cardeais. Cozinheiros, confessores e médicos estão à disposição dos ocupantes das 110 suítes e de alguns quartos simples.
"Milagre no conclave: os cardeais terão um chuveiro", disse em título de reportagem o semanário "L"Espresso", no ano passado, ao revelar detalhes sobre o local de hospedagem.
Os banheiros privativos certamente serão apreciados, mas muitos se indagarão se, com tanto conforto, os cardeais não abandonarão a pressa que se espera deles para eleger um novo papa.
Pelas regras em vigor, se depois de duas semanas de conclave dois terços dos cardeais não votarem no mesmo nome, a maioria simples passa a prevalecer. Isso pode levar cardeais a ganhar tempo até que seu candidato se aproxime da metade dos votos.
Mas outros argumentam que, depois de tantos anos com um papa de saúde precária, os cardeais se apressariam para a escolha de um pontífice que imprimisse um dinamismo imediato às questões mais urgentes do Vaticano.
Em 1271, depois de quase três anos de conclave, católicos chegaram a trancar o local da reunião pelo lado de fora e a "estimular" a pressa dos cardeais por meio de uma dieta de pão e água.
Naquela oportunidade, para também incitar a motivação dos eleitores, o teto do local foi removido. Em razão de tamanho estímulo, enfrentando a chuva e o sol, os cardeais por fim decidiram eleger Gregório 10º.
As condições melhoraram bastante em 1978, ano dos últimos conclaves. Mesmo assim, comparando-se com os padrões de moradia a que está acostumada a maioria dos cardeais, as condições eram bem precárias.
Camas eram emprestadas do colégio de missionários local. As lâmpadas eram muito fracas para permitir a leitura noturna. O "luxo" era dado por uma pia para a limpeza do corpo, algumas folhas de papel para anotação e uma modesta escrivaninha.
O cardeal Giuseppe Siri, arcebispo de Gênova naquela época, queixou-se de modo ruidoso das condições que enfrentou naquele verão sufocante de Roma. Disse sentir-se dentro de uma sepultura desprovida de ventilação.
Ele não foi evidentemente o único a sentir tamanho desconforto. Depois do conclave e da eleição de João Paulo 1º, o papa teve um curtíssimo pontificado, e o encontro do qual saiu João Paulo 2º enfrentou condições igualmente precárias de alojamento. O cardeal Silvio Oddi, que morreu em 2001, queixava-se da dureza das condições de alojamento durante esses dois conclaves romanos.
"Os cardeais são em sua maioria bastante idosos, com problemas de próstata, cansados e maltratados pela existência de um banheiro para cada dez pessoas", ele disse, segundo citação da reportagem do "L"Espresso".
"Eu dormia bem perto do banheiro. E então testemunhava esses pobres idosos atravessando um corredor de 70 metros para se aproximar da porta e encontrá-la fechada".
Além disso, todos os cardeais eram obrigados a arrumar as camas em que haviam dormido.


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