São Paulo, quarta-feira, 06 de abril de 2005

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A MORTE DO PAPA

Facções influem mas não fazem o papa

"Novos movimentos" católicos, de tendência conservadora, contam com nomes importantes, mas são minoritários no conclave

VINICIUS TORRES FREIRE
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

A extrema simpatia de João Paulo 2º pelos "novos movimentos" católicos e, ainda mais, à Opus Dei, introduziu no debate laico da sucessão papal a suspeita de que a eleição do santo padre poderia ser muito influenciada por conventículos de organizações religiosas conservadoras.
A afeição mútua entre Karol Wojtyla e Opus Dei, mais antiga que o pontificado, manifestou-se nas muitas honrarias e concessões de João Paulo 2º ao movimento fundado por Josemaría Escrivá (1902-1975, feito santo por Wojtyla em 2002).
Mas tiveram também muito incentivo do papa e da Cúria, a alta burocracia da Santa Sé, os "novos movimentos" como Comunhão e Liberação, Neocatecumenato, Focolare, o braço leigo dos Legionários de Cristo e, mais novo e diferente, a Renovação Carismática.

Os "novos movimentos"
Dos 116 cardeais que devem votar no conclave (o cardeal filipino Jaime Sin, doente, desistiu ontem), apenas 22 pertencem a ordens religiosas (veja quadro nesta página). Menos ainda são membros ou talvez adeptos inequívocos daqueles "novos movimentos", pouco mais de uma dúzia.
O que nesses movimentos inspira teorias conspiratórias? Embora religiosa e institucionalmente muito diferentes entre si, são acusados pelos católicos "progressistas radicais" de criarem "seitas de direita" na igreja.
De mais comum entre si, os adeptos dos "novos movimentos", assim como a Opus Dei, venerariam demais a figura carismática de seus fundadores. Seriam exclusivistas e elitistas, como se apenas o seu modo de encarar a religião fosse o correto, e dirigidos à classe média ou ricos, o que acarreta risco de divisão nas dioceses. São conservadores, tradicionalistas e, por vezes, integristas (acham que sociedade e Estado adotem orientações católicas).
Mas qual a sua possível influência na mais de centena de homens experimentados e complexos como os cardeais votantes?
Alguns dos cardeais, diz um dos mais reputados vaticanistas da mídia, Marco Politi, devem desempenhar o papel de "grandes eleitores". A maioria é da Cúria de João Paulo 2º, simpática aos "novos movimentos", nada muito além disso -em geral são só muito conservadores em doutrina.
Dois são liberais inequívocos, como o italiano Carlo Maria Martini e o alemão Karl Lehman. Mas o decano dos cardeais e dos grandes eleitores é Joseph Ratzinger, o guardião da doutrina de Wojtyla, é grande amigo da Opus Dei.
Mas um cardeal pode ser conservador em doutrina e adepto da "colegialidade", a descentralização das decisões da igreja. Um outro pode ser ativo na defesa da justiça social e inimigo da esquerda política laica. São quase incalculáveis as possíveis combinações de "facções políticas" no conclave, o que acaba por diluir a influência dos movimentos conservadores.

Quem é quem
Dois cardeais são membros de ordem religiosa irmã da Opus Dei: o peruano Cipriani Thorne, e o espanhol Julián Herranz.
O "Comunhão e Liberação" surgiu na Itália, em 1969, a fim de expandir a fé e a cultura entre estudantes. Conta com simpatia dos cardeais Jorge Mario Bergoglio, de Buenos Aires, Dionigi Tettamanzi, de Milão, ambos papáveis, e do húngaro Peter Erdö.
O tcheco Miloslav Vlk, na lista de surpresas "papáveis", é simpático aos Focolare, à Comunhão e Liberação e ao Neocatecumenato, assim como os americanos James Stafford e Theodore McCarrick.
O Movimento dos Focolares ("Opera di Maria"), fundado na Itália na Segunda Guerra e sempre presidido por mulheres, tem orientação mariana (Maria, mãe de Jesus, é seu modelo espiritual). É aberto ao diálogo inter-religioso (entre cristãos) e ecumênico. Prega ações sociais, mas sem esquerdismo laico, e é "acusado" de ser de classe média.
Os neocatecumenais, que apareceram nos anos de 1960 em bairros pobres de Madri, adotam processos complexos e demorados de formação religiosa, com vistas a uma renovação do batismo, quase uma reconversão profunda ao catolicismo.
Dois outros papáveis, o mexicano Norberto Rivera Carrera, pastor "social" mas inimigo da esquerda, e o indiano e diplomata da igreja Ivan Dias são próximos dos Legionários de Cristo.


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