|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
A MORTE DO PAPA
Cardeais africanos excluem papa negro
Para marfinense, Ocidente não está "psicologicamente preparado"; entre prelados campanha ainda não chegou à fase de nomes fortes
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA
Mais uma pincelada no "identikit", como os italianos designam
o "retrato falado", do papa a ser
escolhido no conclave que se iniciará entre 17 e 22 deste mês: ele
não será negro, a julgar pelas declarações feitas ontem justamente
por dois cardeais africanos.
O nigeriano Francis Arinze, 72
anos, prefeito para a Congregação
para o Culto Divino e a Disciplina
do Sacramento, está sendo apontado como um dos "papabili" não
só por vaticanistas como também
por apostadores das casas londrinas (estava em segundo lugar).
Mas o cardeal da Costa do Marfim, Bernard Agré, 79, disse à
agência britânica Reuters que,
"psicológica e espiritualmente, o
Ocidente não está preparado para
um papa negro".
Reforça o presidente da Conferência dos Bispos Sul-Africanos, o
arcebispo Buti Tlhagale: "Em Roma, os cardeais apreciam o fato de
que um grande número de africanos está se tornando cristão, mas
eles não acham que estejamos
prontos para assumir posições
mais altas. Temem que o paganismo possa entrar na Igreja Católica, pela portas dos fundos".
Tlhagale explica que, para muitos cardeais europeus, o catolicismo africano tem vizinhança excessiva com o paganismo.
Na véspera, o cardeal Theodore
Edgar McCarrick, de Washington, havia excluído também um
compatriota seu, ao usar argumento idêntico ao de Bernard
Agré: "A igreja não está pronta
para um papa norte-americano".
Se os dois estiverem certos, ficam sem chances de suceder Karol Wojtyla 25 dos 118 cardeais
que elegerão o novo papa (14 da
América do Norte e 11 da África).
As declarações desses cardeais
indicam que, por enquanto, a
campanha eleitoral encoberta para o papado está na fase mais de
eliminação de candidatos e/ou de
características, até as geográficas,
do que propriamente da indicação de nomes fortes, pelo menos
entre os próprios prelados.
Já a mídia, sim, tem incontáveis
listas de "papabili", mas os jornalistas com maior experiência em
Vaticano são cada vez mais cuidadosos em suas previsões.
Os raros cardeais que falam
com jornalistas são igualmente
cautelosos. Robert Moynihan,
editor da revista "Inside the Vatican", conta que encontrou-se
com o cardeal Joachim Meisner,
arcebispo de Colônia (Alemanha), que traçou o seguinte retrato do futuro papa: "Há duas coisas que sei com certeza: não serei
eu, e será outro". Quem acha colossal o grau de precisão ganha
uma segunda generalização: "A
pessoa que tenho em mente é inteligente como professores e devoto como uma criança recebendo a primeira comunhão".
Para abrir ainda mais o leque,
Meisner levanta a possibilidade
de que o eleito nem seja do Colégio de Cardeais. "Não há nada na
lei canônica contra isso", diz.
As generalizações e especulações do cardeal alemão se explicam: os 88 cardeais que até ontem
cedo já estavam em Roma prestaram juramento de "manter escrupulosamente o segredo sobre tudo que, de qualquer modo, tenha
a ver com a eleição do pontífice
romano". Os demais prestarão juramento idêntico à medida que
chegarem para o conclave.
É por isso que os vaticanistas
mais respeitados preferem o cuidado na análise. Caso, por exemplo, de Alberto Melloni, autor de
um livro sobre o conclave cuja
edição atualizada está prestes a
sair. "Até os funerais, é uma história. Depois, vira-se a página", diz.
Ou seja, pode ser que todas as
listas de "papabili" sejam página
virada na sexta-feira, quando
João Paulo 2º será sepultado.
A mídia parece não acreditar
nessa avaliação de Melloni. O britânico "Financial Times" lembra
que 44% dos católicos vivem na
América Latina, de que derivam
as chances tanto do hondurenho
Rodríguez Maradiaga como do
brasileiro Cláudio Hummes. Maradiaga é também "um dos candidatos mais dinâmicos" para o
igualmente britânico "Guardian".
É possível, no entanto, que a
propaganda seja mais torcida do
que informação. O enviado especial da Folha perdeu três horas
ontem tentando renovar sua credencial do Vaticano e ouviu de
praticamente todos os jornalistas
europeus na mesma fila simpatia
por dom Cláudio e/ou algum outro latino-americano. Mas todos
eram francos: não tinham informação; apenas torcida.
Texto Anterior: Quem é: Norte-americano escreveu livro sobre o conclave Próximo Texto: A morte do papa: O poder da Opus Dei Índice
|