São Paulo, quarta-feira, 06 de abril de 2005

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A MORTE DO PAPA

Cardeais africanos excluem papa negro

Para marfinense, Ocidente não está "psicologicamente preparado"; entre prelados campanha ainda não chegou à fase de nomes fortes

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Mais uma pincelada no "identikit", como os italianos designam o "retrato falado", do papa a ser escolhido no conclave que se iniciará entre 17 e 22 deste mês: ele não será negro, a julgar pelas declarações feitas ontem justamente por dois cardeais africanos.
O nigeriano Francis Arinze, 72 anos, prefeito para a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina do Sacramento, está sendo apontado como um dos "papabili" não só por vaticanistas como também por apostadores das casas londrinas (estava em segundo lugar).
Mas o cardeal da Costa do Marfim, Bernard Agré, 79, disse à agência britânica Reuters que, "psicológica e espiritualmente, o Ocidente não está preparado para um papa negro".
Reforça o presidente da Conferência dos Bispos Sul-Africanos, o arcebispo Buti Tlhagale: "Em Roma, os cardeais apreciam o fato de que um grande número de africanos está se tornando cristão, mas eles não acham que estejamos prontos para assumir posições mais altas. Temem que o paganismo possa entrar na Igreja Católica, pela portas dos fundos".
Tlhagale explica que, para muitos cardeais europeus, o catolicismo africano tem vizinhança excessiva com o paganismo.
Na véspera, o cardeal Theodore Edgar McCarrick, de Washington, havia excluído também um compatriota seu, ao usar argumento idêntico ao de Bernard Agré: "A igreja não está pronta para um papa norte-americano".
Se os dois estiverem certos, ficam sem chances de suceder Karol Wojtyla 25 dos 118 cardeais que elegerão o novo papa (14 da América do Norte e 11 da África).
As declarações desses cardeais indicam que, por enquanto, a campanha eleitoral encoberta para o papado está na fase mais de eliminação de candidatos e/ou de características, até as geográficas, do que propriamente da indicação de nomes fortes, pelo menos entre os próprios prelados.
Já a mídia, sim, tem incontáveis listas de "papabili", mas os jornalistas com maior experiência em Vaticano são cada vez mais cuidadosos em suas previsões.
Os raros cardeais que falam com jornalistas são igualmente cautelosos. Robert Moynihan, editor da revista "Inside the Vatican", conta que encontrou-se com o cardeal Joachim Meisner, arcebispo de Colônia (Alemanha), que traçou o seguinte retrato do futuro papa: "Há duas coisas que sei com certeza: não serei eu, e será outro". Quem acha colossal o grau de precisão ganha uma segunda generalização: "A pessoa que tenho em mente é inteligente como professores e devoto como uma criança recebendo a primeira comunhão".
Para abrir ainda mais o leque, Meisner levanta a possibilidade de que o eleito nem seja do Colégio de Cardeais. "Não há nada na lei canônica contra isso", diz.
As generalizações e especulações do cardeal alemão se explicam: os 88 cardeais que até ontem cedo já estavam em Roma prestaram juramento de "manter escrupulosamente o segredo sobre tudo que, de qualquer modo, tenha a ver com a eleição do pontífice romano". Os demais prestarão juramento idêntico à medida que chegarem para o conclave.
É por isso que os vaticanistas mais respeitados preferem o cuidado na análise. Caso, por exemplo, de Alberto Melloni, autor de um livro sobre o conclave cuja edição atualizada está prestes a sair. "Até os funerais, é uma história. Depois, vira-se a página", diz.
Ou seja, pode ser que todas as listas de "papabili" sejam página virada na sexta-feira, quando João Paulo 2º será sepultado.
A mídia parece não acreditar nessa avaliação de Melloni. O britânico "Financial Times" lembra que 44% dos católicos vivem na América Latina, de que derivam as chances tanto do hondurenho Rodríguez Maradiaga como do brasileiro Cláudio Hummes. Maradiaga é também "um dos candidatos mais dinâmicos" para o igualmente britânico "Guardian".
É possível, no entanto, que a propaganda seja mais torcida do que informação. O enviado especial da Folha perdeu três horas ontem tentando renovar sua credencial do Vaticano e ouviu de praticamente todos os jornalistas europeus na mesma fila simpatia por dom Cláudio e/ou algum outro latino-americano. Mas todos eram francos: não tinham informação; apenas torcida.


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