São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Tido como herói do locaute, De Angeli ganhou até dente novo

DE BUENOS AIRES

"Alfredo! Alfredo!" Após o discurso que anunciou uma trégua no locaute agropecuário argentino que durou 21 dias, na última quarta-feira, era o nome dele que os produtores gritavam. Alfredo foi beijado por todos os colegas e saiu do palanque carregado nos ombros da multidão.
Nas últimas semanas, Alfredo de Angeli, 51, entrou brevemente para um hall a que pertencem Maradona ou Perón. Como líder dos protestos agropecuários de Gualeguaychu, o núcleo duro do locaute, virou um novo ídolo argentino.
De Angeli aparecia quase sempre falando no meio dos produtores, na beira da estrada, e dali mesmo se dirigia à presidente Cristina Fernández de Kirchner. Quem passava a mensagem eram as TVs que o filmavam o tempo inteiro. Foi a voz mais forte e constante contra o discurso oficial.
E, se nessa peleja entre o governo e o campo, é difícil afirmar quem venceu, De Angeli é o único que pode se orgulhar de um ganho concreto: um dente.
Um dia antes da declaração de trégua, um dentista da região se ofereceu para tapar o buraco que o líder ruralista ostentava todos os dias na TV. Mas, ao mesmo tempo, atrapalhou as transmissões: o dente (ou a falta dele) era o que diferenciava Alfredo de Atílio, seu irmão gêmeo, também produtor e piqueteiro.

Estão me ligando do Brasil
É com o irmão que De Angelis fala ao receber a ligação da Folha, ainda impressionado com a fama recente: "Olha, estão me ligando de um jornal do Brasil!". Com o gêmeo, divide as notícias, a aparência e 800 hectares de terra arrendados, em que plantam grãos e sobre os quais o governo aumentou os impostos de exportação, gerando a recente crise.
"Com 15 anos, meu pai nos mandava toda semana de Maria Grande, onde morávamos, para trabalhar no campo em Gualeguaychu. Eram 300 km de trator, em estrada de terra", conta, sem saber explicar como começou a se meter com a atividade política.

Desculpa, mãe
Mas a fama ele sabe como começou. Em 1990, colhendo várias dívidas e com a casa por arrematar, De Angeli achou na estrada uma mala com "o que hoje seriam uns US$ 100 mil". O que ele fez? Devolveu a mala. O caso saiu em todos os jornais.
De Angeli voltou aos jornais no auge da crise entre Argentina e Uruguai em torno da instalação da papeleira finlandesa Botnia às margens do rio Uruguai. Ficou a cargo dele ensinar aos ambientalistas com quantas enxadas se bloqueia uma estrada. No ano passado, num protesto contra a Botnia em Buenos Aires, De Angeli acabou preso, e de líder de protesto virou alvo de um.
De Angeli teve de proibir a mãe de assistir ao que se passava no bloqueio de Gualeguaychu. Aos 83 anos, ela ficava nervosa ao ver os conflitos com a polícia ou com os caminhoneiros. No dia em que declarou a trégua, De Angeli discursou para os 35 mil produtores presentes e dirigiu-se à "senhora presidenta", aos governadores e à própria mãe. "Desculpa, mãe, pelo filho que a senhora tem." (AK)


Texto Anterior: Amigo dos Kirchner dirigiu contramarcha
Próximo Texto: Isto é D'Elia
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.