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Tido como herói do locaute, De Angeli ganhou até dente novo
DE BUENOS AIRES
"Alfredo! Alfredo!" Após o
discurso que anunciou uma
trégua no locaute agropecuário
argentino que durou 21 dias, na
última quarta-feira, era o nome
dele que os produtores gritavam. Alfredo foi beijado por todos os colegas e saiu do palanque carregado nos ombros da
multidão.
Nas últimas semanas, Alfredo de Angeli, 51, entrou brevemente para um hall a que pertencem Maradona ou Perón.
Como líder dos protestos agropecuários de Gualeguaychu, o
núcleo duro do locaute, virou
um novo ídolo argentino.
De Angeli aparecia quase
sempre falando no meio dos
produtores, na beira da estrada,
e dali mesmo se dirigia à presidente Cristina Fernández de
Kirchner. Quem passava a
mensagem eram as TVs que o
filmavam o tempo inteiro. Foi a
voz mais forte e constante contra o discurso oficial.
E, se nessa peleja entre o governo e o campo, é difícil afirmar quem venceu, De Angeli é
o único que pode se orgulhar de
um ganho concreto: um dente.
Um dia antes da declaração
de trégua, um dentista da região se ofereceu para tapar o
buraco que o líder ruralista ostentava todos os dias na TV.
Mas, ao mesmo tempo, atrapalhou as transmissões: o dente
(ou a falta dele) era o que diferenciava Alfredo de Atílio, seu
irmão gêmeo, também produtor e piqueteiro.
Estão me ligando do Brasil
É com o irmão que De Angelis fala ao receber a ligação da
Folha, ainda impressionado
com a fama recente: "Olha, estão me ligando de um jornal do
Brasil!". Com o gêmeo, divide
as notícias, a aparência e 800
hectares de terra arrendados,
em que plantam grãos e sobre
os quais o governo aumentou
os impostos de exportação, gerando a recente crise.
"Com 15 anos, meu pai nos
mandava toda semana de Maria Grande, onde morávamos,
para trabalhar no campo em
Gualeguaychu. Eram 300 km
de trator, em estrada de terra",
conta, sem saber explicar como
começou a se meter com a atividade política.
Desculpa, mãe
Mas a fama ele sabe como começou. Em 1990, colhendo várias dívidas e com a casa por arrematar, De Angeli achou na estrada uma mala com "o que
hoje seriam uns US$ 100 mil".
O que ele fez? Devolveu a mala.
O caso saiu em todos os jornais.
De Angeli voltou aos jornais
no auge da crise entre Argentina e Uruguai em torno da instalação da papeleira finlandesa
Botnia às margens do rio Uruguai. Ficou a cargo dele ensinar
aos ambientalistas com quantas enxadas se bloqueia uma estrada. No ano passado, num
protesto contra a Botnia em
Buenos Aires, De Angeli acabou preso, e de líder de protesto
virou alvo de um.
De Angeli teve de proibir a
mãe de assistir ao que se passava no bloqueio de Gualeguaychu. Aos 83 anos, ela ficava nervosa ao ver os conflitos com a
polícia ou com os caminhoneiros. No dia em que declarou a
trégua, De Angeli discursou para os 35 mil produtores presentes e dirigiu-se à "senhora presidenta", aos governadores e à
própria mãe. "Desculpa, mãe,
pelo filho que a senhora tem."
(AK)
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