São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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Amigo dos Kirchner dirigiu contramarcha

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

Nas horas vagas, Luís Angel, 51, não perde uma partida de seu time, o River Plate, gosta de ouvir o rock de León Gieco, adora o filme "Cidade de Deus", mas não entendeu muito bem o fim de "Onde os Fracos Não Têm Vez". Dia desses, chorou assistindo a um antigo discurso de Evita na tevê.
Nas horas cheias, Luís Angel D'Elía é presidente da Federação de Terras e Casas e principal "piqueteiro" da Argentina. No último dia 25 de março, foi ele quem liderou a contramarcha contra o panelaço da classe média que tomou a praça de Maio após o discurso da presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner.
A presidente chamou o protesto do campo de "piquete da abundância" e D'Elia fez o seu, a favor do governo. Depois de um confronto entre os dois grupos, os paneleiros foram embora; ficaram os piqueteiros de D'Elía. Na semana seguinte, ele convocou um grande ato na mesma praça, em apoio à Cristina: é garantia de platéia para qualquer evento oficialista. Em frente às câmeras, D'Elía deu um murro em um ruralista que dizia "coisas feias" em seu ouvido. Para a mídia e a "oligarquia" local, que ele declarou odiar, virou o grande vilão do conflito entre o campo e o governo.

Bem pior que eu
Chamado de piqueteiro preferido ou de líder da tropa de choque dos Kirchner, D'Elía parece não ligar para as intrigas da oposição. "No mínimo, a partir dos fatos que geramos esses dias, as pessoas estão se perguntando se existe ou não oligarquia."
A polêmica frase -odeio a puta oligarquia argentina com toda a força do meu coração- ele diz que é plágio. Foi roubada de uma heroína nacional. "A frase contra a oligarquia não era minha. Era de Evita. Ela era bem pior que eu."
Natural de La Matanza, periferia de Buenos Aires, D'Elía começou a militar no movimento estudantil em 1973, passou para as comunidades eclesiásticas de base, formou-se professor, virou fã de Paulo Freire e daí se dedicou a organizar o movimento dos desocupados. Uma das principais estratégias de visibilidade para o grupo se tornou bem conhecida na Argentina nesses dias: bloquear estradas. Tem 30 processos nas costas por isso.
Na militância, conheceu a mulher, Alicia, com quem teve cinco filhos engajados. Estavam todos na contramarcha. O caçula, de 15 anos, ganhou nome inspirado na admiração do pai por um antigo líder sindical, Luís Ignacio.
Apesar de conhecer Lula, é do ex-presidente Néstor Kirchner que D'Elía é mais chegado. Trocam telefonemas, reúnem-se e o piqueteiro até dá umas idéias para melhorar o governo.
Ex-vereador e ex-deputado estadual, no governo de Kirchner (2003-2007), chegou a ganhar o cargo de subsecretário de Terras. Mas coordenou a invasão da propriedade do milionário americano Douglas Tompkins. E depois se solidarizou com o Irã, acusado de estar por trás do atentado à Amia (Associação Mútua Israelita Argentina), que matou 85 pessoas em Buenos Aires, em 1994. Acabou se demitindo, mas sem se desligar dos Kirchner.
D'Elía ainda usa prédios do governo. Foi no escritório da subsecretaria de Terras que recebeu a reportagem da Folha. "Minha relação com o presidente é inquebrável", disse.
"Não me arrependo. Os EUA queriam usar a Argentina como desculpa para atacar o Irã. Me pareceu um disparate", diz.
Alicia se esforça para cuidar do marido sem que ele note. "Ele tem muita energia É preciso atenção para não irritá-lo."


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