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Amigo dos Kirchner dirigiu contramarcha
ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES
Nas horas vagas, Luís Angel,
51, não perde uma partida de
seu time, o River Plate, gosta de
ouvir o rock de León Gieco,
adora o filme "Cidade de Deus",
mas não entendeu muito bem o
fim de "Onde os Fracos Não
Têm Vez". Dia desses, chorou
assistindo a um antigo discurso
de Evita na tevê.
Nas horas cheias, Luís Angel
D'Elía é presidente da Federação de Terras e Casas e principal "piqueteiro" da Argentina.
No último dia 25 de março, foi
ele quem liderou a contramarcha contra o panelaço da classe
média que tomou a praça de
Maio após o discurso da presidente da Argentina, Cristina
Fernández de Kirchner.
A presidente chamou o protesto do campo de "piquete da
abundância" e D'Elia fez o seu,
a favor do governo. Depois de
um confronto entre os dois
grupos, os paneleiros foram
embora; ficaram os piqueteiros
de D'Elía. Na semana seguinte,
ele convocou um grande ato na
mesma praça, em apoio à Cristina: é garantia de platéia para
qualquer evento oficialista. Em
frente às câmeras, D'Elía deu
um murro em um ruralista que
dizia "coisas feias" em seu ouvido. Para a mídia e a "oligarquia"
local, que ele declarou odiar, virou o grande vilão do conflito
entre o campo e o governo.
Bem pior que eu
Chamado de piqueteiro preferido ou de líder da tropa de
choque dos Kirchner, D'Elía
parece não ligar para as intrigas
da oposição. "No mínimo, a
partir dos fatos que geramos
esses dias, as pessoas estão se
perguntando se existe ou não
oligarquia."
A polêmica frase -odeio a
puta oligarquia argentina com
toda a força do meu coração-
ele diz que é plágio. Foi roubada
de uma heroína nacional. "A
frase contra a oligarquia não
era minha. Era de Evita. Ela era
bem pior que eu."
Natural de La Matanza, periferia de Buenos Aires, D'Elía
começou a militar no movimento estudantil em 1973, passou para as comunidades eclesiásticas de base, formou-se
professor, virou fã de Paulo
Freire e daí se dedicou a organizar o movimento dos desocupados. Uma das principais estratégias de visibilidade para o
grupo se tornou bem conhecida
na Argentina nesses dias: bloquear estradas. Tem 30 processos nas costas por isso.
Na militância, conheceu a
mulher, Alicia, com quem teve
cinco filhos engajados. Estavam todos na contramarcha. O
caçula, de 15 anos, ganhou nome inspirado na admiração do
pai por um antigo líder sindical,
Luís Ignacio.
Apesar de conhecer Lula, é
do ex-presidente Néstor Kirchner que D'Elía é mais chegado.
Trocam telefonemas, reúnem-se e o piqueteiro até dá umas
idéias para melhorar o governo.
Ex-vereador e ex-deputado
estadual, no governo de Kirchner (2003-2007), chegou a ganhar o cargo de subsecretário
de Terras. Mas coordenou a invasão da propriedade do milionário americano Douglas
Tompkins. E depois se solidarizou com o Irã, acusado de estar
por trás do atentado à Amia
(Associação Mútua Israelita
Argentina), que matou 85 pessoas em Buenos Aires, em 1994.
Acabou se demitindo, mas sem
se desligar dos Kirchner.
D'Elía ainda usa prédios do
governo. Foi no escritório da
subsecretaria de Terras que recebeu a reportagem da Folha.
"Minha relação com o presidente é inquebrável", disse.
"Não me arrependo. Os EUA
queriam usar a Argentina como
desculpa para atacar o Irã. Me
pareceu um disparate", diz.
Alicia se esforça para cuidar
do marido sem que ele note.
"Ele tem muita energia É preciso atenção para não irritá-lo."
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