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ENTREVISTA DA 2ª
DEMETRIUS PAPADEMETRIOU
Crise econômica ameaça era histórica de mobilidade
Para historiador, mundo vive momento mais desafiador em quatro décadas, mas uma desglobalização só é plausível se políticos "estúpidos" ignorarem 30 anos de abertura
ANDREA MURTA
DE NOVA YORK
As praias mediterrâneas da
Líbia foram banhadas por dezenas de corpos dos mais de
200 africanos que naufragaram
durante uma precária travessia
ilegal em direção à Europa. A
milhares de quilômetros dali,
no Japão, o governo passou a
pagar R$ 6.700 para imigrantes
desempregados deixarem o
país. Os dois movimentos,
ocorridos na última semana,
são reflexos distintos de um
mesmo e crítico dilema: o que a
crise econômica força hoje nos
fluxos migratórios globais.
Para o historiador e cientista
político Demetrius Papademetriou, apesar do desespero dos
que ainda se arriscam, a crise
está sufocando o apogeu histórico de mobilidade do século 21,
lançando o mundo no "ambiente mais desafiador das últimas
quatro décadas". Leia a seguir a
entrevista que ele deu à Folha,
por telefone, de Washington.
FOLHA - A crise atual é diferente de
outras em termos do efeito nos fluxos migratórios?
DEMETRIUS PAPADEMETRIOU - Estudo imigração há quase 40
anos, mas nada do que vi na vida me preparou para o que vivemos hoje. Não só a crise é
pior como os fluxos migratórios são muito superiores aos
do passado: por isso, as consequências são muito mais importantes. Estamos certamente no ambiente mais desafiador
das últimas quatro décadas.
Em 1982 o desemprego nos
EUA, por exemplo, era mais alto, mas outros indicadores não
estavam nem perto de ser tão
ruins. Os choques do petróleo
de 1973 não foram nem de longe tão ruins, e a migração nos
anos 1970 para os EUA era insignificante. Mas ainda é cedo
para ir mais além e fazer comparações com a Grande Depressão nos anos 1930.
FOLHA - Antes da crise, como a última década se encaixava na história
dos fluxos migratórios globais?
PAPADEMETRIOU - Estávamos vivendo um recorde. Não seria
um exagero dizer que nos primeiros sete anos do século 21
deixávamos a era das migrações e entrávamos na era da
mobilidade. É difícil comparar
porque existem inúmeras variáveis, como o crescimento da
população mundial. Mas, sem
contar a imigração forçada, vivíamos o maior fluxo migratório de todos os tempos. Tanto a
migração dos altamente qualificados quanto a dos ilegais estavam várias vezes acima do
que jamais foram. O único fluxo
de pessoas que caiu na última
década foi o de refugiados.
A ONU calcula com base em
estatísticas nacionais que ao final dos anos 1990 os imigrantes
eram 3% da população mundial
(cerca de 180 milhões de pessoas). Mas essas estatísticas são
bastante inferiores ao número
real, pois a maioria dos países
nem tenta contabilizar os imigrantes ilegais. E a definição de
imigrante de muitas formas é
artificial. Na Alemanha, por
exemplo, não é considerado
imigrante um estrangeiro descendente de alemães.
FOLHA - O que causou esse recorde
nos anos 90?
PAPADEMETRIOU - Vários fatores.
A demografia dos países ricos
os deixou muito mais interessados na imigração, tanto legal
quanto ilegal. Os países ricos
estão "duplamente espremidos" pelo envelhecimento da
população e pela queda na natalidade. Esses países também
ficaram de certa forma "ricos
demais" e começaram a desprezar certos tipos de trabalho,
como a agricultura, que foram
preenchidos por imigrantes.
Outro motivo é que a abertura comercial recente criou uma
demanda por imigração de fato,
principalmente a qualificada.
E, por fim, o aumento na conscientização dos direitos humanos provocou redução nos esforços de remoção de ilegais.
FOLHA - O que já vemos de mudança com a crise atual?
PAPADEMETRIOU - Apesar de os
dados oficiais estarem pouco
consolidados, não há dúvidas
de que o fluxo diminuiu. As decisões de imigração são racionais; as pessoas fazem parte de
redes sociais bem informadas,
é claro que o fluxo acompanharia a queda das oportunidades.
Nos EUA, sabemos que o fluxo de imigração vem caindo
desde 2007, mas não há dados
que comprovem que o retorno
aos países de origem aumentou. A crise vai afetar de forma
muito dura os países de origem
dos imigrantes ao longo deste
ano, desencorajando a volta.
No Reino Unido, temos mais
pistas, principalmente sobre
imigrantes regularizados. O
país tinha, em 2008, 6,6 milhões de imigrantes. Em 2007,
580 mil pessoas chegaram ao
país, a maioria delas vinda do
Leste Europeu e da Comunidade Britânica. Mas no último trimestre de 2008 houve queda
substancial de pedidos de autorização de trabalho. O número
de aprovações (cerca de 25 mil)
foi 50% menor que no ano anterior e também foi o menor
desde o alargamento da UE em
2004. Podemos dizer que há indícios de que não só a imigração
já atingiu seu pico como os imigrantes estão mesmo voltando
para casa.
FOLHA - Os efeitos da crise na migração serão distintos nos EUA e na
Europa?
PAPADEMETRIOU - Sim. Os EUA
têm uma proporção muito
maior de imigrantes ilegais [um
terço]. E a imigração ilegal é a
que mais responde ao ciclo econômico. Mas os imigrantes legais também podem ser afetados, pois têm pouco acesso ao
sistema de apoio social do governo. Em contraste, em vários
países europeus, a rede de proteção social é aplicada igualmente para todos.
É o caso da Espanha, cuja situação econômica é uma das
piores entre os países ricos,
mas cujo sistema de apoio social é um dos mais generosos do
mundo. O governo está oferecendo até 40 mil euros, dependendo da situação, para que
imigrantes deixem o país. E não
está funcionando. No Reino
Unido, a situação é um pouco
diferente, porque grande parte
dos imigrantes vêm da UE e
têm trânsito livre. Eles podem
sair sem medo de serem barrados depois.
FOLHA - Quais as consequências
econômicas dessas mudanças, se a
crise for prolongada?
PAPADEMETRIOU - As novas circunstâncias seriam muito duras com os imigrantes. Se o fluxo de retorno aumentar muito,
os países de origem vão sofrer,
pois a imigração é sabidamente
um forte redutor de pobreza
para as famílias do Terceiro
Mundo. Nos países de destino,
temo que se chegue ao ponto
em que imigrantes, particularmente ilegais, se tornarão alvos
da população doméstica, como
se fossem responsáveis pela falta de empregos. Além disso,
quando a prosperidade retornar, a economia dos países ricos sofrerá se demorarem a reconquistar os imigrantes necessários. Os trabalhadores
mais flexíveis são os imigrantes, e sua mobilidade geográfica
é extremamente importante
para os mercados de trabalho.
FOLHA - Então o sr. não crê que a
diminuição dos fluxos possa ser permanente?
PAPADEMETRIOU - Não. Esse negócio de "fim da bolha da imigração" é só uma frase de efeito.
Não posso dizer que vamos restaurar os mesmos números dos
últimos quatro ou cinco anos.
Mas quando a economia começar a se recuperar, o resultado
mais provável é o retorno das
tendências de antes da recessão. E os primeiros a voltar serão os ilegais, que são os que
realmente se movem acoplados
à situação econômica.
Conheço dados sobre comércio global, nacionalismo econômico e etc. que sustentam o argumento de uma retração da
globalização. Mas daí a dizer
que a "desglobalização" está começando a acontecer é prematuro. A chance de "desglobalização" é proporcional à estupidez dos políticos. Se começarem a cancelar acordos e ignorar 30 anos de aberturas, aí ela
será possível.
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