São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"França acha que direita a protege mais"

Para Noël Mamère, autor de livro sobre Nicolas Sarkozy, esse é o motivo do favoritismo do candidato conservador ao Eliseu

Deputado dos Verdes diz que ex-ministro não assusta e se beneficia de "estranha inversão de valores" vivida por sociedade francesa

DO ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Noël Mamère, 58, é prefeito da cidadezinha de Bègles, no sudoeste da França, e deputado dos Verdes na Assembléia Nacional. Foi em 2002 o candidato presidencial de seu partido e conseguiu 5,2% dos votos. É também o autor de "Sarkozy, Mode d"Emploi" (Sarkozy, instruções de uso), ed. Ramsay, 2006, 283 págs.
A provável eleição do candidato conservador no segundo turno de hoje se deve, a seu ver, ao sentimento dos franceses de que são mais bem protegidos pela direita. Nicolas Sarkozy se beneficiaria, assim, de uma espécie de "inversão de valores". Eis trechos da entrevista. (JBN)

 

FOLHA - O que mudaria para a França com a eleição de Sarkozy?
NOÓL MAMÈRE
- Haverá o prosseguimento da política conservadora praticada pelo atual governo nos últimos cinco anos. Com algumas agravantes, como a promessa de votar rapidamente a Sétima Lei de Segurança Interna, que aumenta a margem de arbítrio da polícia. E com a limitação do direito à greve nos serviços públicos.

FOLHA - Mas isso não corresponderia a uma vontade dos franceses?
MAMÈRE
- De fato. Nós nos enganamos ao acreditar que Sarkozy assustava. Ele fez 31% no primeiro turno, uma marca que a direita raramente alcança. A França é um país que caminha para a direita. Os franceses acreditam que a direita os protege mais que a esquerda, o que é uma estranha inversão de valores.

FOLHA - Não seria em razão do enriquecimento do país e das pessoas?
MAMÈRE
- Com certeza. Alguém que ganha 4.000 euros (R$10.800) se considera "rico" e quer proteger seu patrimônio. Acredita que a direita o faria melhor que a esquerda.

FOLHA - A esquerda então errou?
MAMÈRE
- Ela errou e está perdendo apoio na classe média, na classe média baixa. Ela deixou de acreditar que a esquerda poderia repartir melhor a renda nacional. Deveremos pagar o preço por nossos equívocos políticos.

FOLHA - Quem é Sarkozy?
MAMÈRE
- Ele é uma mistura de muitas coisas. Em termos de economia e sociedade, um de seus modelos é George W. Bush. Em termos trabalhistas, ele se assemelha a Jean-Marie Le Pen [líder da extrema direita francesa], que o acusou de ter furtado tópicos de seu programa eleitoral.

FOLHA - Sarkozy não é um galã e não tem charme. Como explicar que as mulheres tenham votado mais nele há duas semanas?
MAMÈRE
- Não creio que seja conveniente usar como critério a aparência física do candidato. Claro que a política tem uma dimensão de sedução. Mas dentro dela é mais importante o convencimento. As duas coisas funcionaram no debate de quarta-feira para atrair os indecisos.

FOLHA - Os franceses historicamente sempre quiseram ampliar seu espaço de liberdades civis. Com Sarkozy eles abririam mão disso?
MAMÈRE
- É um fenômeno político bastante grave. Aceita-se a renunciar certas liberdades em nome da ordem. Há então um recuo nos valores republicanos.

FOLHA - Mas a ordem pública está ameaçada na França?
MAMÈRE
- Claro que não. Inexiste, por exemplo, uma quadro de criminalidade comparável ao da Colômbia ou mesmo ao do Brasil. Sarkozy conseguiu fazer com que os franceses tivessem medo dos imigrantes. Ao transformá-los em bode expiatório, ele levantou uma parte da França contra a outra. Sarkozy é uma mistura de bombeiro e pirômano.

FOLHA - Um presidente da República tem na França um poder bem mais reduzido que há duas décadas, em razão da União Européia. Isso não contradiz a idéia de um Sarkozy todo-poderoso?
MAMÈRE
- A União Européia é uma presença fortíssima. Aqui na Assembléia Nacional três quintos dos projetos que votamos são adaptações de diretrizes da UE ao direito francês. Nossa soberania é limitada. Mas a França tem hoje um calendário eleitoral pelo qual as eleições presidenciais precedem as legislativas. Há uma coincidência nos mandatos dos deputados e do presidente. Com isso, este último saiu politicamente fortalecido.

FOLHA - Por que os Verdes tiveram menos de 2% dos votos no primeiro turno?
MAMÈRE
- Foi o voto útil. O eleitorado ambientalista não quis correr o risco de deixar de ter uma opção à esquerda no segundo turno. E então desaguou seus votos logo de início em Ségolène Royal.


Texto Anterior: Artigo: 1968, o ano que terminou em 2007
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.