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"França acha que direita a protege mais"
Para Noël Mamère, autor de livro sobre Nicolas Sarkozy, esse é o motivo do favoritismo do candidato conservador ao Eliseu
Deputado dos Verdes diz que ex-ministro não assusta e se beneficia de "estranha inversão de valores" vivida por sociedade francesa
DO ENVIADO ESPECIAL A PARIS
Noël Mamère, 58, é prefeito
da cidadezinha de Bègles, no
sudoeste da França, e deputado
dos Verdes na Assembléia Nacional. Foi em 2002 o candidato presidencial de seu partido e
conseguiu 5,2% dos votos. É
também o autor de "Sarkozy,
Mode d"Emploi" (Sarkozy, instruções de uso), ed. Ramsay,
2006, 283 págs.
A provável eleição do candidato conservador no segundo
turno de hoje se deve, a seu ver,
ao sentimento dos franceses de
que são mais bem protegidos
pela direita. Nicolas Sarkozy se
beneficiaria, assim, de uma espécie de "inversão de valores".
Eis trechos da entrevista.
(JBN)
FOLHA - O que mudaria para a
França com a eleição de Sarkozy?
NOÓL MAMÈRE - Haverá o prosseguimento da política conservadora praticada pelo atual governo nos últimos cinco anos.
Com algumas agravantes, como a promessa de votar rapidamente a Sétima Lei de Segurança Interna, que aumenta a margem de arbítrio da polícia. E
com a limitação do direito à
greve nos serviços públicos.
FOLHA - Mas isso não corresponderia a uma vontade dos franceses?
MAMÈRE - De fato. Nós nos enganamos ao acreditar que Sarkozy assustava. Ele fez 31% no
primeiro turno, uma marca que
a direita raramente alcança. A
França é um país que caminha
para a direita. Os franceses
acreditam que a direita os protege mais que a esquerda, o que
é uma estranha inversão de valores.
FOLHA - Não seria em razão do
enriquecimento do país e das pessoas?
MAMÈRE - Com certeza. Alguém que ganha 4.000 euros
(R$10.800) se considera "rico"
e quer proteger seu patrimônio. Acredita que a direita o faria melhor que a esquerda.
FOLHA - A esquerda então errou?
MAMÈRE - Ela errou e está perdendo apoio na classe média,
na classe média baixa. Ela deixou de acreditar que a esquerda
poderia repartir melhor a renda nacional. Deveremos pagar
o preço por nossos equívocos
políticos.
FOLHA - Quem é Sarkozy?
MAMÈRE - Ele é uma mistura de
muitas coisas. Em termos de
economia e sociedade, um de
seus modelos é George W.
Bush. Em termos trabalhistas,
ele se assemelha a Jean-Marie
Le Pen [líder da extrema direita
francesa], que o acusou de ter
furtado tópicos de seu programa eleitoral.
FOLHA - Sarkozy não é um galã e
não tem charme. Como explicar que
as mulheres tenham votado mais
nele há duas semanas?
MAMÈRE - Não creio que seja
conveniente usar como critério
a aparência física do candidato.
Claro que a política tem uma
dimensão de sedução. Mas
dentro dela é mais importante
o convencimento. As duas coisas funcionaram no debate de
quarta-feira para atrair os indecisos.
FOLHA - Os franceses historicamente sempre quiseram ampliar
seu espaço de liberdades civis. Com
Sarkozy eles abririam mão disso?
MAMÈRE - É um fenômeno político bastante grave. Aceita-se a
renunciar certas liberdades em
nome da ordem. Há então um
recuo nos valores republicanos.
FOLHA - Mas a ordem pública está
ameaçada na França?
MAMÈRE - Claro que não. Inexiste, por exemplo, uma quadro
de criminalidade comparável
ao da Colômbia ou mesmo ao
do Brasil. Sarkozy conseguiu
fazer com que os franceses tivessem medo dos imigrantes.
Ao transformá-los em bode expiatório, ele levantou uma parte da França contra a outra.
Sarkozy é uma mistura de bombeiro e pirômano.
FOLHA - Um presidente da República tem na França um poder bem
mais reduzido que há duas décadas,
em razão da União Européia. Isso
não contradiz a idéia de um Sarkozy
todo-poderoso?
MAMÈRE - A União Européia é
uma presença fortíssima. Aqui
na Assembléia Nacional três
quintos dos projetos que votamos são adaptações de diretrizes da UE ao direito francês.
Nossa soberania é limitada.
Mas a França tem hoje um calendário eleitoral pelo qual as
eleições presidenciais precedem as legislativas. Há uma
coincidência nos mandatos dos
deputados e do presidente.
Com isso, este último saiu politicamente fortalecido.
FOLHA - Por que os Verdes tiveram
menos de 2% dos votos no primeiro
turno?
MAMÈRE - Foi o voto útil. O eleitorado ambientalista não quis
correr o risco de deixar de ter
uma opção à esquerda no segundo turno. E então desaguou
seus votos logo de início em Ségolène Royal.
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