São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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Ex-PC italiano chega à última estação

Com a decisão de unir-se à centro-esquerda cristã, partido põe de lado últimos símbolos pré-queda do Muro de Berlim

Mudança de nomenclatura e programa é a terceira desde 1989; sucessão de dissidências deu origem a agremiações menores

JEAN-JACQUES BOZONNET
DO "MONDE", EM ROMA

O martelo e a foice estão há tempo abandonados na loja de acessórios do antigo Partido Comunista Italiano (PCI), recobertos de pó. No congresso dos Democratas de Esquerda (DS) que aconteceu em Florença entre 19 e 21 de abril, os herdeiros de Antonio Gramsci e Enrico Berlinguer colocaram na prateleira de recordações também a bandeira vermelha e a "Internacional". A decoração do ginásio de esportes que abrigou os 1.500 delegados do DS foi dominada pelo laranja, a cor das revoluções de hoje.
Com esta mais recente troca de pele, não sobrou mais rastro nenhum do passado comunista, nem nos símbolos, nem nas palavras. Ao votar por sua dissolução e sua fusão com a Margarida, movimento de inspiração democrata-cristã, os Democratas de Esquerda, de acordo com a opinião unânime da imprensa italiana, "assinaram o encerramento definitivo da experiência história inaugurada em 1921 em Livorno". Foi ali que nasceu o PCI, fruto de uma cisão do Partido Socialista.

Eurocomunismo
Dirigido primeiramente por Amadeo Bordiga e depois por Antonio Gramsci, o novo partido foi proibido em 1926 pelo regime fascista. Ele renasceu em 15 de maio de 1943, e Palmiro Togliatti, seu líder clandestino desde 1927, continuou à sua frente até sua morte, em 1964. A partir de 1956, com os acontecimentos na Hungria, o PCI inaugurou "uma via italiana para o socialismo". Eleito secretário em 1972, Enrico Berlinguer adotou a linha "eurocomunista", que, em 1981, conduziu à ruptura com Moscou.
Essa época marcou o apogeu do PCI: nas eleições legislativas de 1976, o partido obteve 34,4% dos votos. A Itália era compartilhada -mais do que dividida- entre esse peso pesado e seu contrapeso de centro-direita, a Democracia Cristã (DC).
Para muitos observadores, os pós-comunistas de 2007 e os herdeiros da DC estão realizando neste momento o famoso "compromisso histórico" entre as duas culturas políticas italianas com o qual sonharam Enrico Berlinguer e Aldo Moro, pelo qual esse último pagou com a vida, em 1978, assassinado pelas Brigadas Vermelhas.
"Aquilo foi uma tragédia; hoje, vivemos uma farsa que se anuncia pior que uma tragédia", escreveu o "Il Manifesto", jornal de esquerda que continua a acrescentar a seu título a menção "diário comunista".
Em 12 de novembro de 1989, alguns dias após a queda do Muro de Berlim, Achille Occhetto, então secretário do partido, anunciou o começo do fim do PCI, que em 1991 seria transformado no Partido dos Democratas de Esquerda (PDS). Seu símbolo era o carvalho, mas, num canto, ainda resistia a bandeira vermelha com a estrela, a foice e o martelo.

Do PDS aos DS
Apesar do sucesso da esquerda nas eleições legislativas de 1996, o PDS não sobreviveu à crise do governo Prodi. Os DS nasceram em 1998 sob a direção de Walter Veltroni, prefeito de Roma e favorito para a direção do futuro Partido Democrata. Em 2007, porém, os "dinossauros" comunistas cedem lugar, sob a égide do carvalho, ao cravo socialista e às estrelas da União Européia.
Convidado ao congresso dos DS, Silvio Berlusconi aplaudiu o discurso do secretário Piero Fassino: "Se o Partido Democrata é isso, estou 95% disposto a me filiar a ele também", exclamou. Fassino evocou a "necessidade histórica" de uma evolução "para aqueles de nossos filhos que não conheceram pagamentos que não fossem em euros e que talvez não tivessem nascido quando o muro caiu".
Houve choros e abraços, como a cada ruptura na família comunista, quando Fabio Mussi, líder de uma corrente que representa cerca de 15% dos militantes, constatou "a falência política do desafio nascido com o fim do PCI".

Placa na fachada
Em 1991, a maioria do PCI optou pela secessão para criar o Partido da Refundação Comunista (PRC). Com o Partido dos Comunistas Italianos (PDCI), nascido de uma cisão posterior, o voto comunista ainda pesou mais de 10% nas eleições legislativas de 2006. O PCR já propôs um "reagrupamento familiar" com base no antiliberalismo, o pacifismo e o laicismo.
No centro de Roma, na fachada da seção dos Democratas de Esquerda, há duas placas. Há preparativos para trocar a dos DS pela do PD. Mas não se cogita em desprender a outra, que indica "PCI, seção Regola Campitella", com a foice e o martelo gravados na pedra. É uma lembrança do passado.


Tradução de CLARA ALLAIN


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