São Paulo, quinta-feira, 06 de maio de 2010

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Britânicos votam hoje sob medo da crise

Previsão de que país terá o maior deficit público da UE em 2010 é nova nuvem sobre eleição dominada por preocupações econômicas

Expectativa de que nenhum partido obtenha a maioria absoluta após a votação de hoje gera incerteza quanto à adoção de medidas de ajuste


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

Ganhe quem ganhar a eleição de hoje no Reino Unido, não vai poder usar a frase "a esperança venceu o medo", cunhada por Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 e reciclada por Barack Obama, seis anos depois.
Se houve algum sentimento predominante na campanha foi exatamente o do medo, o que foi capturado pelo líder conservador -e favorito- David Cameron, no seu último comício: "Não deixe o medo triunfar sobre a esperança", pediu. O medo ficou ainda mais aguçado na véspera da votação pelo anúncio da Comissão Europeia de que o Reino Unido terá neste ano o mais elevado deficit público entre os 27 países da União Europeia: 12% de seu Produto Interno Bruto.
Para ajudar a compor o medo, as estatísticas da Comissão mostram que até a Grécia terá um buraco menor (9,3%). Medidas de ajuste devem ser "a primeira coisa que um novo governo [britânico] tem que fazer", decretou Olli Rehn, comissário europeu para assuntos econômicos e monetários.
Como se fosse pouco, Rehn avisou ainda que a dívida britânica subirá 9,4 pontos percentuais, para situar-se em 88% do PIB, e pregou: "Um convincente e detalhado programa de consolidação da dívida é, de longe, o maior desafio para o novo governo, qualquer que seja a sua cor".
O problema é que há uma forte possibilidade de que não haja cor para governar, nem o vermelho dos trabalhistas nem o azul dos conservadores nem o amarelo dos liberais.
Todas as pesquisas apontam para o chamado "hung Parliament" (Parlamento suspenso ou enforcado, sem a maioria absoluta de 326 cadeiras na Casa de 650 membros).
Consequência inescapável, se confirmadas as pesquisas: a necessidade de um processo de negociação entre partidos que retardará a adoção de qualquer pacote de ajuste, na hora em que o pânico nos mercados já afeta países com deficit inferior ao que a Comissão Europeia prevê para o Reino Unido.
Ainda mais que o Instituto de Estudos Fiscais, ao analisar as propostas dos três grandes partidos, concluiu que nenhuma delas tem os detalhes necessários. Avisou também que o corte de gastos previsto pelos conservadores para os próximos cinco anos seria sem precedentes desde a 2ª Guerra Mundial. Por isso, o medo foi arma de campanha dos trabalhistas, que acusam os conservadores de pretender desmontar o Estado de bem-estar social.
Já os conservadores culpam os trabalhistas pelo que consideram inchaço do Estado e de seus gastos, o que tornaria a vitória de Gordon Brown uma ameaça insuportável. De fato, segundo cálculos do Instituto de Estudos Fiscais, entre 1997 e 2007, os anos em que Brown comandou a economia, só a Coreia do Sul teve aumento maior do gasto público, entre países ricos comparáveis. Já a dívida aumentou dos 50% de 97 para quase o dobro.

Debates esquecidos
O fato de a crise europeia ter se agravado justamente na semana da votação acabou obscurecendo todo o resto, inclusive a ascensão de um terceiro líder, Nick Clegg (Partido Liberal-Democrático), catapultado pelo sucesso que obteve no primeiro debate da história eleitoral britânica pela TV. O debate animou a campanha, a ponto de Anne Mcelvoy, colunista da revista mensal "Prospect", escrever: "Os debates televisivos transformaram a política novamente em algo interessante". Pena que, embora o último deles tenha acontecido há uma semana, os debates pareçam ter ficado na pré-história ante a velocidade com que a crise avança. Já não cabe uma velha piada que os ingleses fazem em dias de nevoeiro intenso: "O continente está isolado". Continentes, como é óbvio, não ficam isolados. Mas o nevoeiro cobre agora as ilhas, um nevoeiro político, pela indefinição, e econômico, pelo temor ao contágio.

Leia texto de Clóvis Rossi sobre maioria parlamentar

www.folha.com.br/101255



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