|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
COMENTÁRIO
Escândalos gêmeos
RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL
É possível argumentar que se
dedica demasiado espaço ao assunto. Afinal, cabeças rolam com
frequência do topo da hierarquia
de grandes empresas.
Para entender o barulho em torno da queda do editor-executivo
do "New York Times", deve-se
lembrar que: a) esse é provavelmente o cargo mais prestigioso no
mundo do jornalismo; b) Howell
Raines o perdeu em circunstâncias inéditas na história do jornal.
Na esteira dos casos Jayson Blair
(o repórter que inventava e plagiava) e Richard Bragg (o repórter
que apresentava como seu o trabalho de colaboradores), Raines,
o breve, caiu 14 meses depois de
assumir. Nada extraordinário em
outras publicações, mas, no "Times", editores-executivos costumam permanecer na função em torno de sete anos, deixando-a ao
completar 65 -Raines tem 60.
Somente um deles, James Reston, ficou menos tempo (13 meses
entre 1968 e 1969). Sua saída, no
entanto, nada teve de demeritória. Figura lendária na história do
diário, ocupou o posto para conduzir uma intervenção a pedido
da família proprietária.
Além de durar pouco, Raines
saiu corrido. Não devem ser levadas a sério as palavras bonitas do
publisher Arthur Sulzberger Jr.,
que ontem pediu à Redação
aplausos para Raines e seu número dois, também de saída, por
"colocarem os interesses deste
jornal acima de seus próprios".
Na contramão da praxe, Raines
não ganhou coluna para escrever
nem outro prêmio de consolação.
Como brincou Eric Alterman, crítico de mídia da revista "The Nation", saiu do prédio direto para a
fila do seguro-desemprego.
Os casos Blair e Bragg colocaram em pauta questões que vão
além da responsabilidade individual dos fraudadores. A principal
delas diz respeito a uma cultura
jornalística que, cada vez mais,
premia o detalhe sensacional e a
declaração "colorida" em detrimento de solidez na apuração.
Não resta dúvida de que ambos
foram longe porque bem avaliados e promovidos por seus chefes.
Outra questão é a do uso indiscriminado de fontes anônimas.
Sem perder de vista que o "Times" é, não obstante a atual barafunda, um dos melhores jornais
do mundo, vale observar seu gosto exagerado por textos baseados
em fontes não identificadas -recurso do qual Blair se fartou para
inventar personagens e emplacar
ficção na Primeira Página.
Tudo isso já havia acontecido na
casa dos outros. Mesmo o "Times" tem em seu passado erros de
avaliação do noticiário mais lesivos do que as mentiras tolas de
Blair.
Inédito é ver colocada em xeque
a "integridade mítica do "Times'",
como definiu, em entrevista à Folha, Martin Wolff, que assina na
revista "New York" uma das mais
respeitadas colunas sobre mídia.
De volta à demissão, há pelo
menos duas formas de explicá-la.
Uma delas atribui a queda ao temperamento autoritário de Raines,
adepto de um sistema que elegeu
algumas estrelas e alienou a máquina "histórica" da Redação.
De fato, mas: a) não é muito diferente em outras publicações, e o
próprio "Times" já teve pelo menos um "ditador" de sucesso como editor-executivo (Abe Rosenthal, nos anos 70); b) com sete
prêmios Pulitzer dados ao jornal
em um único ano de sua gestão, é
provável que Raines pudesse seguir autoritário por anos não fossem os "escândalos gêmeos".
A outra explicação diz respeito à
"integridade mítica", diferencial
de que a empresa controladora do
"Times" dispõe em seus planos de
expansão -o grupo quer, por
exemplo, comprar uma TV em
Nova York. É possível competir
com conglomerados maiores,
desde que o valor da marca esteja
intacto. Por isso Raines teve de ir.
A esperança de Sulzberger Jr. é
que a cabeça do editor-executivo
baste. Para Wolff, não há certeza
sobre isso. "Ainda está em questão a sobrevivência do publisher."
Texto Anterior: Saída marca o fim do flerte com o jornalismo pop Próximo Texto: Religião: João Paulo 2º inicia a centésima viagem como papa Índice
|