|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Eis a história de como a Al Qaeda se desenvolveu e atacou os EUA
RICHARD CLARKE
Do lado de dentro da Casa Branca, do Departamento de Estado e
do Pentágono por 30 anos, eu desdenhava aqueles que saíam do governo e corriam para escrever sobre ele. De certa maneira parecia
inadequado expor, conforme Bismarck cunhou, "a fabricação da
salsicha". No entanto, depois de
sair do serviço federal, percebi
que muito do que eu achava que
fosse de conhecimento geral era,
na verdade, obscuro para muitos
que queriam saber.
Perguntavam-me com freqüência: "Como as coisas funcionaram
exatamente no 11 de setembro, o
que aconteceu?" Dando uma
olhada no material disponível,
descobri que não havia boas fontes, nenhuma narração confiável
daquele dia que a história irá ter
por muito tempo como um marco. Comecei, então, a pensar em
lecionar para alunos de pós-graduação em Georgetown e Harvard e me dei conta de que não
havia um só relato interno do fluxo da história recente que nos
mostrasse o 11 de
Setembro e os
eventos que se seguiram.
Como os eventos de 2003 tiveram influência sobre o Iraque e o
restante do mundo, fiquei cada vez
mais preocupado
com o número demasiado de meus
caros concidadãos que está sendo enganado. A
vasta maioria dos
americanos crê, já
que a administração Bush insinua
isso, que Saddam
Hussein tivesse algo a ver com os
ataques da Al Qaeda à América.
Muitos achavam que a administração Bush estivesse fazendo um
bom trabalho de combate ao terrorismo quando, na realidade, a
administração desperdiçou a
chance de eliminar a Al Qaeda e,
em vez disso, fortaleceu nossos
inimigos indo por uma tangente
completamente desnecessária, a
invasão do Iraque. Uma nova Al
Qaeda surgiu e está mais forte a
cada dia, em parte devido às nossas próprias ações e inércias. Ela é
de muitas maneiras um oponente
mais difícil do que a ameaça original que enfrentávamos antes do 11
de Setembro, e não estamos fazendo o que é preciso para tornar
a América mais segura contra essa ameaça.
Esta é a história, de acordo com
meu ponto de vista, de como a Al
Qaeda se desenvolveu e atacou os
Estados Unidos em 11 de setembro de 2001. É uma história da
CIA e do FBI, que só perceberam
mais tarde que havia uma ameaça
aos Estados Unidos e foram incapazes de detê-la mesmo depois de
concordarem em que a ameaça
era real e significativa. É ainda a
história de quatro presidentes.
Ronald Reagan (1981-89), que
não revidou o assassinato de 278
fuzileiros navais dos Estados Unidos em Beirute e que violou sua
própria política antiterrorismo,
negociando armas por reféns no
que veio a ser chamado de escândalo Irã-Contras.
George H. W. Bush (1989-93),
que não revidou o assassinato cometido por líbios de 259 passageiros do vôo 103 da Pan Am, que
não tinha uma política oficial contra o terrorismo e que deixou Saddam Hussein no posto, o que demandou que os Estados Unidos
deixassem uma grande presença
militar na Arábia Saudita.
Bill Clinton (1993-2001), que
identificou o terrorismo como a
maior ameaça pós-Guerra Fria e
agiu para melhorar nossas habilidades contra o terrorismo, que
(pouco conhecido pelo público)
subjugou o terrorismo antiamericano do Iraque e do Irã e derrotou
uma tentativa da Al Qaeda de dominar a Bósnia, mas que, enfraquecido por constantes ataques
políticos, não conseguiu fazer a CIA,
o Pentágono e o
FBI agirem a contento para lidar
com a ameaça.
George W.
Bush, que não
agiu antes do 11 de
Setembro em relação à ameaça da
Al Qaeda, apesar
de repetidas advertências, e depois teve uma sorte política inesperada por tomar
providências obviamente insuficientes depois dos
ataques e que lançou uma guerra desnecessária e
dispendiosa no Iraque, que fortaleceu o movimento terrorista fundamentalista radical islâmico no
mundo inteiro.
Lamentavelmente, esta também
é a história de como a América foi
incapaz de criar um consenso de
que a ameaça era significativa e de
fazer tudo o que fosse preciso para lidar com uma nova ameaça até
que a ameaça de fato matou milhares de americanos.
Pior ainda, é a história de como,
mesmo após os ataques, a América não eliminou o movimento Al
Qaeda, que se metamorfoseou
numa ameaça disseminada e evasiva; como, em vez disso, lançamos o contrafiasco no Iraque; como a administração Bush politizou o contraterrorismo como um
meio de assegurar vitórias eleitorais; como vulnerabilidades cruciais de segurança interna perduram e quão pouco está sendo feito
para tratar o desafio ideológico de
terroristas distorcendo o islã e
transformando-o numa nova
ideologia do ódio.
O acaso me colocou em lugares-chave do governo americano
num período em que uma era estava acabando e outra nascendo.
A Guerra Fria, que começou antes
de eu nascer, estava acabando
quando fiz 40 anos. Com o início
da nova era, comecei no que veio
a ser uma década sem precedentes de serviços contínuos na Casa
Branca, trabalhando para os três
últimos presidentes.
Com a sucessão dos eventos de
2003, comecei a sentir a obrigação
de escrever o que eu sabia para
meus caros concidadãos e para
aqueles que futuramente possam
querer examinar este período. Este livro é o cumprimento dessa
obrigação. No entanto ele tem
suas falhas. É uma narrativa na
primeira pessoa, não uma história
acadêmica. Outros que estiveram
envolvidos em alguns desses
eventos certamente terão lembranças diferentes. Não digo que
eles estejam errados, mas apenas
que esta narrativa é o que minha
memória revela para mim.
Trecho do prefácio do livro "Contra Todos os Inimigos", que será lançado hoje
no Brasil
Texto Anterior: Comentário: Em nome da "liberdade", Bush insulta a história Próximo Texto: Saiba mais: Acusações de Clarke abalaram governo dos EUA Índice
|