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MISSÃO NO CARIBE
No restaurante mais caro da capital, empresários descrevem como a convulsão afetou seus negócios
Elite haitiana come lagosta a US$ 23 e reclama da crise
RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL AO HAITI
A convulsão política no Haiti foi
ruim para os negócios, reclamou
o empresário Gerard Leger em
meio a um almoço entre amigos
no Chez Gérard, que oferece lagosta grelhada por US$ 23 num
país em que a renda per capita é
apenas 60 vezes esse valor.
O Chez Gérard, fundado em
1970 em Porto Príncipe, é especializado em frutos do mar e culinária da antiga metrópole colonial, a
França. Os preços são em dólar.
Além da lagosta, a elite haitiana se
serve de foie gras a US$ 22, de casquinha de caranguejo a US$ 10 e
de carne a US$ 26. Os vinhos,
franceses, custam em média em
torno de US$ 35. Um champagne
Veuve Clicquot custa US$ 85. A
musse de caramelo sai por US$ 7.
"Tenho muitos clientes fiéis",
diz a proprietária, Louison Balthazar, cujos dois cães malteses
Zorro e Beauté andam à vontade
pelo restaurante. "Os clientes vêm
mais à noite do que para o almoço, mas hoje um pouco menos
-têm medo de seqüestros."
"Os eventos políticos afetaram
muito a economia do país", diz
Leger, presidente de uma seguradora que leva seu nome. Ele foi
particularmente prejudicado. Os
distúrbios políticos de fevereiro e
março passados -incluindo saques e depredações- causaram
grandes danos às empresas.
Foi quando uma revolta, principalmente de militares desmobilizados, derrubou o ex-presidente
Jean-Bertrand Aristide. Os saques
e a violência foram contidos depois que uma força multinacional, liderada pelos EUA, restabeleceu a ordem.
"Foi o maior problema que já tivemos", diz Raymond Flambert,
fundador de uma das maiores
empresas de material de construção do Haiti.
Flambert diz que os haitianos
estão "muito felizes" com a presença de tropas brasileiras no país
-o Brasil, que está deslocando
1.200 soldados ao Haiti, lidera a
missão de estabilização estabelecida pela ONU para o país. "Nós,
haitianos, adoramos o Brasil."
Leger e Flambert almoçavam
com dois amigos, o médico J. Gerhard Helmcke, e Jacques McGullie, ex-executivo da área de petróleo e hoje dono de uma agência de
viagens.
Helmcke, de origem alemã, é
um haitiano branco e de olhos
azuis -no país, 95% são negros.
Mas os comensais, todos de pele
clara, nasceram no país e falam a
língua local, o créole, derivada do
francês e das línguas dos escravos
africanos que tornaram o Haiti
independente da França em 1804.
Quem mais reclama da presente
crise McGullie, o dono da agência
de viagens. "Ela bloqueou toda
possibilidade de turismo." Basta
ver os números. A vizinha República Dominicana, que ocupa dois
terços na parte leste da ilha Hispaniola, tem cerca de 50 mil quartos
de hotel. Todo o Haiti, o terço oeste da ilha, tem apenas mil quartos.
"Os EUA dizem para seus cidadãos evitarem o Haiti. Isso é muito intempestivo", diz McGullie.
"O povo haitiano é muito hospitaleiro, é um povo trabalhador.
Tudo o que precisa é de emprego", afirma Leger, que se diz confiante no futuro.
Só mulheres
Na mesa ao lado, um grupo bebe vinho tinto antes de almoçar.
Diferentemente da mesa de Leger
e seus amigos, só há mulheres
-são profissionais liberais e comerciantes.
"As mulheres têm mais tino comercial", diz Balthazar, a dona do
restaurante. "São as mulheres que
trabalham duro aqui", afirma
Mona Bourrand, proprietária de
um antiquário e de uma lavanderia.
Ela lembra que, mesmo entre os
mais pobres, as mulheres têm
muita iniciativa. "A mulher vende
os legumes, o homem fica fumando cachimbo", diz a paisagista
Françoise Desquiron.
O "custo Haiti", de fazer negócios em um país com política instável e economia frágil, pode ser
estressante. Fabienne Hudicouet,
dona de uma empresa de segurança, diz que chegou a empregar
850 pessoas, mas fechou por
"problemas políticos". Hoje a empresa Citadelle Securité emprega
apenas cem pessoas, que cuidam
principalmente da segurança das
mercadorias no porto da capital.
"Hoje eu durmo de noite."
Assim como na mesa masculina, a cor da pele da mesa feminina
é em geral mais clara que a da população do país. "Somos como os
brasileiros, misturados", brinca Desquiron.
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