São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MISSÃO NO CARIBE

No restaurante mais caro da capital, empresários descrevem como a convulsão afetou seus negócios

Elite haitiana come lagosta a US$ 23 e reclama da crise

RICARDO BONALUME NETO
ENVIADO ESPECIAL AO HAITI

A convulsão política no Haiti foi ruim para os negócios, reclamou o empresário Gerard Leger em meio a um almoço entre amigos no Chez Gérard, que oferece lagosta grelhada por US$ 23 num país em que a renda per capita é apenas 60 vezes esse valor.
O Chez Gérard, fundado em 1970 em Porto Príncipe, é especializado em frutos do mar e culinária da antiga metrópole colonial, a França. Os preços são em dólar. Além da lagosta, a elite haitiana se serve de foie gras a US$ 22, de casquinha de caranguejo a US$ 10 e de carne a US$ 26. Os vinhos, franceses, custam em média em torno de US$ 35. Um champagne Veuve Clicquot custa US$ 85. A musse de caramelo sai por US$ 7.
"Tenho muitos clientes fiéis", diz a proprietária, Louison Balthazar, cujos dois cães malteses Zorro e Beauté andam à vontade pelo restaurante. "Os clientes vêm mais à noite do que para o almoço, mas hoje um pouco menos -têm medo de seqüestros."
"Os eventos políticos afetaram muito a economia do país", diz Leger, presidente de uma seguradora que leva seu nome. Ele foi particularmente prejudicado. Os distúrbios políticos de fevereiro e março passados -incluindo saques e depredações- causaram grandes danos às empresas.
Foi quando uma revolta, principalmente de militares desmobilizados, derrubou o ex-presidente Jean-Bertrand Aristide. Os saques e a violência foram contidos depois que uma força multinacional, liderada pelos EUA, restabeleceu a ordem.
"Foi o maior problema que já tivemos", diz Raymond Flambert, fundador de uma das maiores empresas de material de construção do Haiti.
Flambert diz que os haitianos estão "muito felizes" com a presença de tropas brasileiras no país -o Brasil, que está deslocando 1.200 soldados ao Haiti, lidera a missão de estabilização estabelecida pela ONU para o país. "Nós, haitianos, adoramos o Brasil."
Leger e Flambert almoçavam com dois amigos, o médico J. Gerhard Helmcke, e Jacques McGullie, ex-executivo da área de petróleo e hoje dono de uma agência de viagens.
Helmcke, de origem alemã, é um haitiano branco e de olhos azuis -no país, 95% são negros. Mas os comensais, todos de pele clara, nasceram no país e falam a língua local, o créole, derivada do francês e das línguas dos escravos africanos que tornaram o Haiti independente da França em 1804.
Quem mais reclama da presente crise McGullie, o dono da agência de viagens. "Ela bloqueou toda possibilidade de turismo." Basta ver os números. A vizinha República Dominicana, que ocupa dois terços na parte leste da ilha Hispaniola, tem cerca de 50 mil quartos de hotel. Todo o Haiti, o terço oeste da ilha, tem apenas mil quartos.
"Os EUA dizem para seus cidadãos evitarem o Haiti. Isso é muito intempestivo", diz McGullie. "O povo haitiano é muito hospitaleiro, é um povo trabalhador. Tudo o que precisa é de emprego", afirma Leger, que se diz confiante no futuro.

Só mulheres
Na mesa ao lado, um grupo bebe vinho tinto antes de almoçar. Diferentemente da mesa de Leger e seus amigos, só há mulheres -são profissionais liberais e comerciantes.
"As mulheres têm mais tino comercial", diz Balthazar, a dona do restaurante. "São as mulheres que trabalham duro aqui", afirma Mona Bourrand, proprietária de um antiquário e de uma lavanderia.
Ela lembra que, mesmo entre os mais pobres, as mulheres têm muita iniciativa. "A mulher vende os legumes, o homem fica fumando cachimbo", diz a paisagista Françoise Desquiron.
O "custo Haiti", de fazer negócios em um país com política instável e economia frágil, pode ser estressante. Fabienne Hudicouet, dona de uma empresa de segurança, diz que chegou a empregar 850 pessoas, mas fechou por "problemas políticos". Hoje a empresa Citadelle Securité emprega apenas cem pessoas, que cuidam principalmente da segurança das mercadorias no porto da capital. "Hoje eu durmo de noite."
Assim como na mesa masculina, a cor da pele da mesa feminina é em geral mais clara que a da população do país. "Somos como os brasileiros, misturados", brinca Desquiron.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Gravidez piora situação das mulheres pobres
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.