São Paulo, quarta-feira, 06 de junho de 2007

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CÚPULA GLOBAL

Reunião do G8 começa em "prisão de luxo"

Muro com 11,6 quilômetros de extensão, que custou US$ 20 milhões, isola dirigentes em encontro hoje na Alemanha

Divergências entre os participantes diferenciam a cúpula deste ano das anteriores; não há acordo sobre clima, principal tema

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL À ALEMANHA

O presidente George Walker Bush desembarcou ontem em Rostock, na Alemanha, e foi imediatamente levado para "um campo de prisioneiros de luxo", de acordo com a irônica descrição do escritor alemão Hans Magnus Enzensberger para o hotel em que ficarão os participantes da cúpula do G8 e, na sexta-feira, também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que entra no último dia para o encontro batizado de G8+5.
O G8 é o clubão dos sete países mais ricos do mundo (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá) mais a Rússia. A sua cúpula anual começa hoje e vai até sexta-feira, quando entram dois grupos externos. Um é chamado de "outreach Africa" (só países africanos); o outro é só "outreach" (África do Sul, Brasil, China, Índia e México).
A ironia de Enzensberger se justifica: Heiligendamm, o pequeno balneário no Mar Báltico em que se reúnem os grandes do mundo, é o mais antigo balneário alemão, no qual a realeza se refrescava no verão.
Mas as autoridades alemãs gastaram cerca de US$ 20 milhões para construir uma cerca de 2,5 metros de altura e 11,6 quilômetros de extensão, encimada por arame farpado, que isola completamente Heiligendamm e seus hóspedes ilustres. A cerca invade até as águas entre cinza e verdes do Báltico.

Muro de Berlim
Pior que "prisão de luxo", a cerca é comparada ao Muro de Berlim até por uma alta autoridade alemã, o vice-presidente do Bundestag (Parlamento). "A mim traz recordações da época da RDA", diz Wolfgang Thierse (social-democrata), em alusão à antiga República Democrática Alemã (comunista), separada da Alemanha Federal pelo Muro, que caiu junto com o comunismo em 1989.
A paranóia com a segurança dos governantes é tamanha que a cidadezinha ficou fechada ao público em geral desde quarta-feira da semana passada, seis dias portanto antes da chegada do primeiro participante da cúpula, justamente o americano George Walker Bush.
O "Muro de Heiligendamm" não é a única recordação dos velhos tempos do comunismo na cabeça de Thierse. Ele disse que a Stasi, a política política do comunismo, também colhia amostras do cheiro de suspeitos de dissidência, tal como fez recentemente a polícia da Alemanha unificada, para que seus cães possam farejar eventuais terroristas ou agitadores.

Divergências
Tudo indica, no entanto, que os governantes vão precisar de proteção tanto para separá-los dos manifestantes como deles próprios, na medida em que o G8 de 2007 é o mais carregado de divergências dos últimos muitos anos -americanos e europeus estão divididos, por exemplo, sobre como lidar com o aquecimento global.
Houve também tiroteios verbais antes da cúpula. O maior exemplo é a declaração do presidente russo Vladimir Putin de que apontaria mísseis para a Europa como represália ao escudo antimísseis que os EUA vão entronizar na República Tcheca e na Polônia.
Reação de Sean McCormack, porta-voz do Departamento de Estado: "Tais declarações têm o tom mais de 1977 do que de 2007", aludindo a um ano em que a Guerra Fria estava no auge, a Rússia ainda era comunista e, portanto, não fazia parte do G7, este criado, entre outras razões, para coordenar os principais países do Ocidente contra o comunismo.
Depois que a Rússia entrou para o clube, em 1998, ele perdeu parte de sua graça, na medida em que não havia um inimigo a combater. Perdeu tanto que o principal jornal econômico da Alemanha, o "Handelsblatt", diz que um dos resultados seguros da cúpula deste ano "será um novo debate sobre a supressão desse grande evento internacional".
É mais uma ironia. A agenda do G8 não inclui discutir o suicídio, mas inclui, sim, mudar a forma, para incluir mais participantes, uma tese que ganha adeptos a cada cúpula.
Exemplo: Lawrence Summers, ex-secretário norte-americano do Tesouro, pede que os países em desenvolvimento sejam chamados a participar da discussão sobre aquecimento global (o grande tema deste ano), com o seguinte argumento: "Eles tenderão a fazer mais se puderem ajudar a moldar as políticas em vez de apenas serem carregados pelo G7".
Vale para o aquecimento, vale para quase todos os demais temas da agenda global.


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