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CÚPULA GLOBAL
Reunião do G8 começa em "prisão de luxo"
Muro com 11,6 quilômetros de extensão, que custou US$ 20 milhões, isola dirigentes em encontro hoje na Alemanha
Divergências entre os participantes diferenciam
a cúpula deste ano das anteriores; não há acordo sobre clima, principal tema
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL À ALEMANHA
O presidente George Walker
Bush desembarcou ontem em
Rostock, na Alemanha, e foi
imediatamente levado para
"um campo de prisioneiros de
luxo", de acordo com a irônica
descrição do escritor alemão
Hans Magnus Enzensberger
para o hotel em que ficarão os
participantes da cúpula do G8
e, na sexta-feira, também o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que entra no último dia para
o encontro batizado de G8+5.
O G8 é o clubão dos sete países mais ricos do mundo (Estados Unidos, Japão, Alemanha,
Reino Unido, França, Itália e
Canadá) mais a Rússia. A sua
cúpula anual começa hoje e vai
até sexta-feira, quando entram
dois grupos externos. Um é
chamado de "outreach Africa"
(só países africanos); o outro é
só "outreach" (África do Sul,
Brasil, China, Índia e México).
A ironia de Enzensberger se
justifica: Heiligendamm, o pequeno balneário no Mar Báltico em que se reúnem os grandes do mundo, é o mais antigo
balneário alemão, no qual a
realeza se refrescava no verão.
Mas as autoridades alemãs
gastaram cerca de US$ 20 milhões para construir uma cerca
de 2,5 metros de altura e 11,6
quilômetros de extensão, encimada por arame farpado, que
isola completamente Heiligendamm e seus hóspedes ilustres.
A cerca invade até as águas entre cinza e verdes do Báltico.
Muro de Berlim
Pior que "prisão de luxo", a
cerca é comparada ao Muro de
Berlim até por uma alta autoridade alemã, o vice-presidente
do Bundestag (Parlamento). "A
mim traz recordações da época
da RDA", diz Wolfgang Thierse
(social-democrata), em alusão
à antiga República Democrática Alemã (comunista), separada da Alemanha Federal pelo
Muro, que caiu junto com o comunismo em 1989.
A paranóia com a segurança
dos governantes é tamanha que
a cidadezinha ficou fechada ao
público em geral desde quarta-feira da semana passada, seis
dias portanto antes da chegada
do primeiro participante da cúpula, justamente o americano
George Walker Bush.
O "Muro de Heiligendamm"
não é a única recordação dos
velhos tempos do comunismo
na cabeça de Thierse. Ele disse
que a Stasi, a política política do
comunismo, também colhia
amostras do cheiro de suspeitos de dissidência, tal como fez
recentemente a polícia da Alemanha unificada, para que seus
cães possam farejar eventuais
terroristas ou agitadores.
Divergências
Tudo indica, no entanto, que
os governantes vão precisar de
proteção tanto para separá-los
dos manifestantes como deles
próprios, na medida em que o
G8 de 2007 é o mais carregado
de divergências dos últimos
muitos anos -americanos e europeus estão divididos, por
exemplo, sobre como lidar com
o aquecimento global.
Houve também tiroteios verbais antes da cúpula. O maior
exemplo é a declaração do presidente russo Vladimir Putin
de que apontaria mísseis para a
Europa como represália ao escudo antimísseis que os EUA
vão entronizar na República
Tcheca e na Polônia.
Reação de Sean McCormack,
porta-voz do Departamento de
Estado: "Tais declarações têm o
tom mais de 1977 do que de
2007", aludindo a um ano em
que a Guerra Fria estava no auge, a Rússia ainda era comunista e, portanto, não fazia parte
do G7, este criado, entre outras
razões, para coordenar os principais países do Ocidente contra o comunismo.
Depois que a Rússia entrou
para o clube, em 1998, ele perdeu parte de sua graça, na medida em que não havia um inimigo a combater. Perdeu tanto
que o principal jornal econômico da Alemanha, o "Handelsblatt", diz que um dos resultados seguros da cúpula deste
ano "será um novo debate sobre a supressão desse grande
evento internacional".
É mais uma ironia. A agenda
do G8 não inclui discutir o suicídio, mas inclui, sim, mudar a
forma, para incluir mais participantes, uma tese que ganha
adeptos a cada cúpula.
Exemplo: Lawrence Summers, ex-secretário norte-americano do Tesouro, pede que os
países em desenvolvimento sejam chamados a participar da
discussão sobre aquecimento
global (o grande tema deste
ano), com o seguinte argumento: "Eles tenderão a fazer mais
se puderem ajudar a moldar as
políticas em vez de apenas serem carregados pelo G7".
Vale para o aquecimento, vale para quase todos os demais
temas da agenda global.
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