São Paulo, domingo, 06 de junho de 2010

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Bloqueio faz de Gaza prisão ao ar livre

Isolamento imposto por Israel fragiliza economia e gera desemprego em massa no povoado território palestino

Sem ter dinheiro para comprar mercadoria no pequeno comércio local, população fica refém da ajuda de estrangeiros


Ali Nureldine/Folhapress
Centenas de palestinos frequentam o litoral, um dos principais refúgios contra a miséria que assola o território em decorrência do bloqueio israelense

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A GAZA

As prateleiras dos mercados da faixa de Gaza estão cheias. Com algumas exceções, como medicamentos contra doenças crônicas, também não falta quase nada nas farmácias locais.
Na frieza dos fatos, são evidências que poderiam comprovar o argumento de que não há crise humanitária na populosa faixa de terra do litoral mediterrâneo -usado por Israel para minimizar as ações de ajuda internacional.
Mas três anos de bloqueio arrasaram a economia local, deixaram quase metade da população desempregada e tornaram inacessíveis para a maioria dos 1,6 milhão de palestinos os produtos que enchem as prateleiras.
A vida continua. Famílias fazem fila em sorveterias. De dia, o mar bravio recebe centenas de banhistas. À noite, os cafés ficam cheios de jovens fumando narguilé, e casais passeiam pela orla, criando flashes de normalidade num cotidiano que pouco tem de comum.
A onda mundial de críticas a Israel pela morte de nove ativistas na interceptação de navios que tentavam entregar suprimentos à população de Gaza amplificou a pressão contra o bloqueio à faixa.
Na área de maior densidade populacional do mundo, a maioria não tem para onde ir.

PRISÃO
A escassez de bens causada pelo bloqueio é driblada com o contrabando em centenas de túneis que passam sob a fronteira com o Egito. Mas a falta de liberdade para deixar o pequeno território por terra, mar ou ar justifica a fama de Gaza de "a maior prisão do mundo".
Pelo Egito só saem os poucos que têm autorização do Cairo ou quem recebe visto para um terceiro país. Por Israel, a saída é liberada só para tratamentos médicos inexistentes em Gaza, após longo processo burocrático.
Mohammad Abu Mandeel, gerente de qualidade da Paltel, empresa palestina de telecomunicações, tenta há cinco anos permissão para sair e poder participar de treinamentos na Cisjordânia.
"A vida aqui é comer, beber, dormir e esperar", diz Mandeel. "A maioria dos jovens e das crianças daqui jamais viu outro lugar."
Quem chega a Gaza esperando cenas de fome típicas da África e lojas vazias se surpreende com a variedade das mercadorias disponíveis. Fora bebidas alcoólicas, vetadas pelo governo islâmico do Hamas, há de tudo, de perfumes de grife a computadores.
Comerciantes de Gaza contam que é possível encomendar qualquer coisa pelos túneis, de onde afirmam vir 90% dos produtos que vendem. Israel diz permitir a entrada de 15 toneladas de ajuda humanitária por semana.
"Não há ninguém morrendo de fome", diz o porta-voz do Hamas Taher Alnonno. "Mas a vida não é só comida. A pressão psicológica afeta a todos de forma profunda."
Segundo o PAM (Programa Alimentar Mundial), 7 de cada 10 habitantes de Gaza recebem ajuda humanitária. Antes do bloqueio, 150 mil pessoas trabalhavam em Israel. Só 2% das fábricas que existiam antes do cerco continuam operando.
"Pode ser que não haja crise humanitária no sentido estrito. Mas, se as organizações saírem, Gaza entra em colapso", diz Jean-Noel Gentile, do PAM. "Juntando o bloqueio de bens ao de pessoas, não dá para negar que haja crise humana."

DESTRUIÇÃO
A devastadora ofensiva israelense de um ano e meio atrás ampliou a crise, e as restrições à entrada de materiais de construção perpetuam o drama. Cimento, ferro e vidro são vetados por Israel-sob a alegação de que podem ser usados para fins militares pelo Hamas.
Das cerca de 5.000 casas destruídas no ataque, só uma pequena fração foi refeita. Sem dinheiro para reparar o estrago causado por um míssil em sua casa, o comerciante Majid Juma, 46, continua morando com a família na metade que restou, desafiando o risco de desabamento.
Apesar da quitanda que tem ao lado de casa, ele depende de cupons de ajuda alimentícia de agências internacionais. "Quem comprava dois sacos de arroz hoje compra um. Quem comprava um espera ajuda."
Waffa Walid, 34, sonhou em ganhar uma das casas pré-fabricadas que os navios barrados por Israel traziam.
Ela perdeu o filho Ibrahim, 7, num ataque israelense que arrasou sua casa. Desde então, vive com os seis filhos numa tenda. A geladeira, que pifou, está vazia.
"Meu marido tem outra mulher e mais sete filhos. Resta pouco para mim", diz, com sorriso resignado.


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