São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2004

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ENTREVISTA

Presidente mexicano acredita que a América Latina deva integrar-se para ter mais força nas relações internacionais

Fox crê que México vá dar alento a Mercosul

FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO

O presidente Vicente Fox inicia hoje sua segunda visita ao Brasil e ao Mercosul com o propósito de fazer do México o quarto membro associado do bloco econômico sul-americano. Trata-se de um parceiro de peso: o país é hoje a maior economia latino-americana e o 7º exportador mundial -mais de 80% vão para os EUA.
"Parece-me que a chegada do México vai dar [ao Mercosul] uma grande vitalidade, injetar-lhe nova energia", disse Fox, 62, à Folha em entrevista concedida em Los Pinos, sede do governo.
Político egresso da iniciativa privada, Fox é um entusiasta dos tratados comerciais. "Ninguém pode falar como o México das vantagens do livre comércio."
Mas culpa justamente a economia pela má avaliação de seu governo: "Se aos cidadãos interessa algo, são empregos, renda e crescimento econômico. São variáveis sobre as quais nenhum país pode falar nos últimos três anos".
O presidente mexicano chega ao Brasil hoje à noite. Amanhã cedo, tem um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo a Chancelaria mexicana, os dois anunciarão a criação de uma comissão binacional, que se reunirá anualmente.
À tarde, viaja a São Paulo, onde se reúne com empresários dos dois países. No fim do dia, pega uma carona com Lula até Puerto Iguazú (Argentina), para participar da cúpula do Mercosul.
No ato mais importante da viagem, Fox formalizará ali o pedido de adesão ao bloco como membro associado -o mesmo status do Chile, da Bolívia e do Peru. A proposta tem um tom mais político, já que não é ainda um tratado pleno de livre comércio.
O pedido mexicano então será avaliado pelo Mercosul, mas a aprovação é tida como certa.
 

Folha - O México já tem o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e acordos comerciais no Mercosul. Qual é a motivação para ingressar como membro associado no bloco sul-americano?
Vicente Fox -
O México tem acordos de livre comércio com 42 países. Temos com a União Européia, o Japão, a América do Norte, a Colômbia e a Venezuela, e tem sido de nosso interesse construir acordos bilaterais com o Brasil e a Argentina. Fizemos também um acordo de livre comércio com o Uruguai e temos um com o Chile. O passo natural é entrarmos, num primeiro passo, no Mercosul como membro associado e, posteriormente, avaliar a possibilidade de haver um acordo comercial Mercosul-México. A razão? Integrar mais a América Latina. A razão política é estar mais perto de nossos sócios comerciais no sul. Finalmente, para que essas economias grandes da América Latina -Chile, Argentina, Brasil e México- tenham a capacidade de impulsionar o desenvolvimento para o resto da região.

Folha - O presidente chileno, Ricardo Lagos, disse esperar que a entrada do México gere uma maior coordenação política do Mercosul nos fóruns internacionais e citou a UE como exemplo. O que o sr. acha?
Fox -
Concordo totalmente. O que precisamos na América Latina é de uma maior integração. Não temos sabido ainda nos integrar com sucesso em blocos, como já fizeram a Ásia, a Europa, como fizemos aqui na América do Norte, onde estamos nos saindo extraordinariamente bem. O México é a nona economia do mundo. Hoje, o México é a maior economia da América Latina e a sétima potência exportadora mundial e exporta mais mercadorias que toda a América Latina junta.


O que precisamos na América Latina é de uma maior integração. Não temos sabido ainda nos integrar com sucesso em blocos, como já fizeram a Ásia, a Europa e a América do Norte

Folha - Mas um perfil mais político inclui uma reforma do Mercosul?
Fox -
No momento, não temos a qualidade de membro permanente, não somos parte da definição do futuro, mas aspiramos integrar-nos. Agora, vejo muito entusiasmo no Mercosul, muita vontade política de impulsionar a integração, de fortalecer o bloco. Parece-me que a chegada do México vai dar-lhe uma grande vitalidade, injetar-lhe nova energia. E, obviamente, ao México também. É natural que nos integremos.

Folha - Por que não foi possível um acordo comercial mais amplo?
Fox -
Vamos passo a passo. Em primeiro lugar, os acordos bilaterais. E, dentro desses acordos, primeiro escolhemos alguns setores em que não tivemos dificuldades. Só nos falta avançar com o Paraguai. Temos um acordo de livre comércio com o Chile que funciona extraordinariamente bem. Agora, entramos numa etapa em que teremos voz, já vamos participar dos planos de desenvolvimento do Mercosul, já vamos estar próximos dessas economias para fazer mais investimentos e comércio, e o resultado final, natural, será, no futuro, chegar a um acordo de livre comércio completo, buscando uma maior integração e formando esse grande bloco latino-americano, que terá muito sucesso neste século.

Folha - Que tipo de Alca interessa ao México, que já tem o Nafta e o Mercosul?
Fox -
Para nós, essas três pistas não são interesses contraditórios.


Ninguém pode falar como o México das vantagens do livre comércio, temos sido beneficiados. Somos a sétima potência exportadora do mundo porque abrimos essa rede de acordos


Uma é bilateral, outra é para fazer acordos regionais, como o Mercosul, e outra é um possível acordo continental para o futuro. Parece-nos importante que as três avancem. Ninguém pode falar como o México das vantagens do livre comércio, temos sido beneficiados de forma muito direta. Somos a sétima potência exportadora do mundo porque abrimos essa rede de acordos comerciais.

Folha - O Conselho de Segurança da ONU pode passar por reforma em 2005. É possível que o México passe a apoiar a candidatura brasileira a um assento permanente?
Fox -
Isso não está excluído, e a idéia não é apenas ter um posto permanente para o Brasil. A idéia é que haja uma representação ampla, regional e democrática para que o CS seja mais forte, com mais representação. As participações do Brasil e do México não são excludentes. O importante é fortalecer o CS. Estamos respondendo ao chamado do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e formando um grupo de países encabeçado pelo México para levar propostas à ONU para uma reorganização total.

Folha - No domingo, a Folha publicou dados do governo norte-americano segundo os quais nunca houve tantos brasileiros cruzando a fronteira via México. De que forma isso preocupa seu governo?
Fox -
É um tema muito importante para o México, para a América Central e agora vejo que é para o Brasil. Nós trabalhamos intensamente com os EUA para chegar a um acordo integral sobre imigração, já que há muitos problemas, mas também muitas oportunidades. Vamos seguir trabalhando nessa direção. Pode ser um tema que tratemos com Lula.

Folha - Como o sr. tem acompanhado a polêmica envolvendo o influente analista americano Samuel Huntington, que acusa os mexicanos de ameaçar os EUA?
Fox -
Discordo totalmente de Huntington. Creio que os EUA conheçam a integração de culturas, raças, nações. É uma nação de imigrantes. E aí estão os hispânicos, os mexicanos, fazendo uma enorme contribuição para a economia. São muito leais, sempre trabalhando duro. Talvez Huntington não venha conversando com eles. Sua maior ambição é que seus filhos façam a universidade.

Folha - Nos imensos protestos contra a violência da semana passada pelo México, houve pedidos de uso dos militares na segurança pública. O sr. concorda com isso?
Fox -
Não, discordo tanto da pena de morte, que também pediram na marcha, quanto da militarização da segurança. A Constituição dá uma tarefa ao Exército. Eu já fiz um plano de dez propostas imediatas para somar ao que já temos feito. Se trabalharmos juntos -governos federal, estadual e municipal, o Legislativo e a sociedade-, vamos ganhar essa batalha. Vai levar tempo, mas tenho certeza de que vamos alcançar as metas.

Folha - Em pesquisa do jornal "El Universal" publicada hoje [ontem], o sr. aparece com uma boa aceitação, mas não o seu governo. Por que há essa dissociação entre a sua liderança e as as ações de governo?
Fox -
É muito claro. Na pesquisa feita pelo diário mais importante do México, tenho 60% de aprovação, o que não é nada mau. De fato, nas pesquisas do Latinobarômetro, feitas em todos os países latino-americanos, é muito sólido ter 60% de apoio, pois, normalmente, esses níveis só são alcançados na eleição. E depois vem a queda. Sou o presidente latino-americano que, em três anos e meio no poder, tem o melhor reconhecimento.
Agora, sobre essa base, as outras expressões que aparecem na pesquisa são muito compreensíveis, tivemos três anos muito difíceis, sem crescimento econômico. Se aos cidadãos interessa algo, são empregos, renda e crescimento econômico. São variáveis sobre as quais nenhum país pode falar nos últimos três anos. Felizmente, agora a economia mexicana está respondendo com muito vigor. Os mercados internacionais estão se recuperando e estamos fortalecendo o interno.

Folha - No entanto o seu partido foi derrotado nas eleições regionais de domingo.
Fox -
Não perdemos, não éramos fortes nesses Estados. Agora virão Aguascalientes e outros lugares onde devemos ganhar. O governo não perdeu, simplesmente ganharam os que estavam.


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