São Paulo, quarta-feira, 06 de julho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cúpula não fará muito, diz analista

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Não se deve esperar nenhuma medida concreta de peso da cúpula do G8 (grupo dos sete países mais industrializados do mundo, além da Rússia) nem uma política eficaz de combate à pobreza global, embora o perdão da dívida de países pobres seja bem-vindo.
A análise é de Charles Tilly, reputado historiador, especialista em relações internacionais da Universidade Columbia (EUA) e autor de, entre outros, "From Contention to Democracy" (da contenção à democracia).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.

 

Folha - Há muita agitação em torno da cúpula do G8, mas quais são as medidas concretas que podemos realmente esperar do encontro?
Charles Tilly -
Não devemos esperar nenhuma medida concreta abrangente por duas razões. Primeiro, porque os membros do G8 não conseguem entrar em acordo acerca das políticas que devem privilegiar. De novo, aliás, os EUA serão os renegados, pois o governo de George W. Bush não cumpre nem o que já prometeu em matéria de combate à pobreza.
Bush prometeu dedicar 0,7% do PIB [total de riquezas produzidas] americano à causa, porém só tem investido 0,2% dele nessa área. Ou seja, 5% do que tem despendido no conflito iraquiano. Ademais, outros membros do G8 também defendem posições conflitantes, o que dificulta a chegada a um acordo interessante.
Segundo, o máximo que uma cúpula pode fazer é, por exemplo, determinar as grandes linhas de uma intervenção contra a pobreza. Em seguida, cabe às pessoas que trabalham no terreno, nos países pobres, aplicar as políticas. O problema em relação a projetos de redução da pobreza, todavia, é que duas coisas deletérias podem ocorrer nos países pobres.
A primeira é que os dirigentes podem embolsar uma parte significativa da ajuda internacional ou utilizá-la para obter ganhos políticos internos. A segunda é que eles gastam o dinheiro recebido de uma maneira que parece ser correta, mas não atinge as pessoas realmente necessitadas, que são as que têm menos contatos políticos de peso em qualquer país.
Com isso, as grandes linhas definidas pelo G8 teriam de pensar nas esferas mais simples da estrutura social dos Estados pobres, nos vilarejos, autorizando uma intervenção local direta. Senão, o impacto positivo das medidas contra a pobreza será reduzido.
A idéia do G8 de favorecer a atividade econômica nos países pobres na esperança de que a elite local aumente eventualmente os níveis de emprego dos membros das classes mais necessitadas não é completamente errada, contudo apresenta lacunas claras a curto e médio prazos. Seria, na verdade, imprescindível a aplicação de políticas ativas de redistribuição e de ajuda direta aos menos abastados.

Folha - E quanto ao perdão da dívida dos países pobres?
Tilly -
Prefiro que haja um plano de combate à pobreza à ausência dele, porém as medidas até agora anunciadas são cosméticas, pouco eficazes. A idéia de perdoar a dívida é boa, entretanto também é falha. Afinal, ela constituirá um alívio para as classes mais abastadas -os banqueiros e a elite produtiva-, não atingindo as camadas mais pobres da população.
De fato, o elevado endividamento mina a capacidade dos países de contrair novos empréstimos, e o pagamento de juros "rouba" dinheiro que poderia ser usado em saúde ou em educação. Assim, o perdão da dívida ajuda um pouco, mas não tem forte impacto sobre a redução da pobreza.

Folha - As diferenças entre os planos do premiê Tony Blair e as posições de Bush são profundas?
Tilly -
Blair e outros líderes europeus querem que os países ricos dediquem uma parcela mais elevada de seu PIB ao combate à pobreza mundial. No entanto os EUA não poderão aceitar essa proposta porque estão altamente endividados e devem bancar esforços militares onerosos no Oriente Médio e na Ásia. Além disso, o clima político nos EUA não permite o aumento do gasto com países menos desenvolvidos.
Assim, o problema maior não diz respeito às políticas, mas à quantidade de fundos que poderá ser disponibilizada para a aplicação das grandes linhas políticas que serão estabelecidas durante a cúpula do G8. Posso estar errado, porém será uma surpresa se essa situação mudar. Com isso, os EUA ficarão isolados na cena internacional mais uma vez, o que será constrangedor, mas não dramático, para seu governo.


Texto Anterior: Milhares preparam protestos contra G8 hoje
Próximo Texto: Vaticano: João Paulo 2º fez carta a turco que tentou matá-lo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.