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Pleito perdeu a credibilidade, diz analista
DO ENVIADO ESPECIAL À CIDADE DO MÉXICO
O economista e sociólogo
Jorge Zepeda Patterson é um
dos analistas políticos mais
influentes do México. Foi
editor de um dos maiores
jornais mexicanos, "El Universal", onde ainda tem uma
coluna, e escreveu "Los Suspirantes", um best-seller que
conta as biografias dos candidatos à sucessão do presidente Vicente Fox. Para Zepeda, faltou transparência na
apuração, haverá uma longa
batalha jurídica e pesará sob
o vencedor a suspeita de boa
parte da população. Leia os
principais trechos da entrevista que ele concedeu à Folha.
(RJL)
FOLHA - A apuração da eleição
perdeu sua credibilidade?
JORGE ZEPEDA PATTERSON - Infelizmente, sim. Havia grande
confiança no Instituto Federal Eleitoral (IFE). Mas não
tenho a mesma confiança no
presidente do IFE. Ele omitiu informações muito importantes. É incompreensível falar que, com 98,5% das
urnas apuradas, Calderón
era o vencedor. E não divulgar que 2,5 milhões de votos
não haviam sido contados
por irregularidades.
FOLHA - López Obrador tinha razão ao afirmar que três milhões
de votos haviam sumido.
ZEPEDA - Precisou que um
candidato, López Obrador,
fizesse essa denúncia para o
IFE levar mais de 24 horas
para admitir que as preliminares esqueciam quase 10%
dos votos. É muito ruim para
a credibilidade do processo.
Era fácil fazer as contas. Se
59% dos eleitores foram às
urnas, havia 41 milhões de
votos. O total das preliminares só apontava 38 milhões.
FOLHA - O sr. acha que houve
fraude?
ZEPEDA - Não acho que houve complô ou fraude. Havia
centenas de observadores internacionais. Não houve manipulação de votos, pelo que
sabemos, mas sim de informação. E política é percepção. Acho é que Ugalde foi
traído por suas inclinações.
FOLHA - O sr. está dizendo que
ele é pró-Calderón?
ZEPEDA - Todos os analistas
políticos mexicanos sabem
das inclinações ideológicas
de Ugalde por Calderón. Ele
chegou a esse posto com os
votos do PRI e do PAN. Deveria ter sido bem mais cuidadoso ao tratar de uma vitória do Calderón.
FOLHA - Na sua opinião, Calderón venceu?
ZEPEDA - Há uma alta probabilidade de que Calderón tenha mesmo vencido. Mas
continuará a haver uma suspeita de boa parte da população de que ele não merecia
ganhar. Para quem acha que
o Poder Judiciário só serve
aos interesses dos "poderosos", usando a linguagem de
López Obrador, tudo o que
está acontecendo só reforça
essa percepção.
FOLHA - Haverá uma batalha judicial de qualquer maneira?
ZEPEDA - A aparente parcialidade no processo conduz o
perdedor a buscar todas as
maneiras de rever sua derrota. Há suspeitas, afinal faltou
transparência. E aí você
transfere a decisão para os
juízes, como ocorreu nos
EUA, quando Bush venceu
pela Corte Suprema.
FOLHA - Após as atas das seções
todos os votos também terão que
ser recontados?
ZEPEDA - Eu acho que sim.
Houve 827 mil votos anulados. Isso equivale a três vezes
a diferença entre Calderón e
López Obrador. E muitos votos nulos são anulados por
critérios subjetivos. Se o "x"
está muito fora do quadradinho, se está só meio fora, se
há um rabisco ali. Quem perder, terá a tentação de rever
voto por voto. Mas é melhor
que eles recorram aos tribunais que à violência.
FOLHA - O Tribunal Federal Eleitoral (Trife) pode ter de decidir as
impugnações e até uma nova
eleição. Há confiança nele?
ZEPEDA - Ao contrário do
IFE, que é formado por cidadãos e aprovado pelo Parlamento, o Trife é formado por
juízes nomeados pelo Poder
Judiciário. Ele nunca foi tão
exposto. Será a primeira vez
que precisa decidir sobre tema tão importante. Como falei, a percepção popular é de
que juízes defendem primeiro os poderosos. Haverá uma
desconfiança natural.
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