São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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Resgate revela fosso entre Brasil e Colômbia

Bogotá vê no vizinho hesitação ao condenar Farc; Brasília crê que Uribe optou por se isolar na região e ficar com os EUA

Lula delegou a Amorim missão de cumprimentar governo colombiano pela operação; relação com Uribe é boa, mas muito superficial


DA ENVIADA ESPECIAL A BOGOTÁ

Na contramão dos Estados Unidos, da União Européia e da declaração da ex-refém Ingrid Betancourt, o governo brasileiro não apóia a mobilização pelo terceiro mandato do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, e a recrimina internamente, sob o argumento de que pode ser um precedente perigoso na América Latina.
Conforme a Folha apurou, o Brasil não se manifestará publicamente, mantendo a mesma estratégia de "não-ingerência em assuntos internos" usada quando o venezuelano Hugo Chávez tentou, sem sucesso, mudar a Constituição para obter mandatos sucessivos.
A posição brasileira pode causar constrangimentos na viagem que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva programa para os dias 18, 19 e 20 para a Colômbia. No último dia, ele participará, em Letícia, das comemorações pela data nacional do país, que podem se transformar num enorme ato público de apoio ao terceiro mandato de Uribe.
Se Lula tem um índice alto de aprovação, mais de 60%, o de Uribe é recorde, mais de 80%, e com tendência a subir.

Frieza
O relacionamento dos dois países é frio. Do lado colombiano, sempre houve a recriminação velada do Brasil, considerado demasiado cauteloso ao condenar as Farc. Do lado brasileiro, há a acusação de que a Colômbia elegeu os EUA não apenas como aliado preferencial mas único, isolando-se dos latino-americanos.
Não passou despercebida em Bogotá a excessiva demora e discrição do Brasil ao comemorar o êxito de Uribe pelo "xeque-mate" nas Farc, como foi chamada a operação de resgate de 15 reféns.
Em vez de telefonar para Uribe, Lula delegou a tarefa ao chanceler Celso Amorim, responsável por cumprimentar o seu colega da Colômbia, Fernando Araújo. O gesto não foi considerado "natural".
Enquanto isso, os presidentes dos EUA, da França, da Argentina e da própria Venezuela, além do secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), fizeram fila para telefonar para Uribe logo depois da libertação.
Lula também demorou a soltar nota sobre a imensa vitória de Uribe, reconhecida em todo o mundo. Além disso, ao ser divulgada, a nota foi acusada de ser seca e formal, inadequada para o momento.
No texto, ele se limitou a enviar um "abraço fraternal aos reféns", manifestar esperança na libertação dos demais e desejar "a reconciliação de todos os colombianos e a paz na Colômbia". Nenhum aplauso ao gol do governo Uribe.
A Folha apurou que houve intensa discussão no gabinete presidencial, antes da decisão de soltar uma nota amorfa e de trocar o telefonema de Lula pelo de Amorim para Bogotá. Havia o temor, naquele primeiro momento, de que a versão oficial colombiana não correspondesse aos fatos e que, ao longo dos dias, fossem surgindo "corpos despedaçados e ensangüentados". Lula, pois, "não quis se precipitar".
A resposta veio rápida porque o Brasil se arvora de principal líder da região. Mas o país foi o grande ausente de todos os discursos e declarações em Bogotá depois da operação sem tiros e sem sangue -aliás, até hoje mal explicada.
Uribe e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, sequer tocaram no nome do Brasil e de Lula ao fazer os agradecimentos de praxe pelo empenho pela libertação dos reféns.
A própria Ingrid Betancourt citou várias vezes a Venezuela, o Equador e até a Argentina, que nem sequer faz fronteira com a Colômbia, mas cuja presidenta, Cristina Kirchner, até chorou ao saber da libertação.

Campos opostos
Nos bastidores, a questão sempre lembrada é que Brasil e Colômbia estão em campos políticos opostos no continente e têm uma relação econômico-comercial praticamente nula. "O Brasil não está no radar da Colômbia, nem política nem economicamente", ouviu a Folha em Bogotá.
A afirmação é ilustrada com números: cerca de 35% das exportações colombianas são para os EUA, 17%, para a Venezuela e só de 2% a 4% para o Brasil. Um volume irrisório, que mostra a distância entre os dois países.
Há também o vínculo histórico do PT com as esquerdas, a simpatia por Chávez e o constrangimento ao falar das Farc. Uribe está do outro lado, o da "direita", alinhado incondicionalmente (e à custa de US$ 5,5 bilhões do Plano Colômbia) com os EUA. As relações pessoais entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Uribe são boas, mas sem profundidade.
Uribe é acusado em setores políticos e diplomáticos brasileiros de só procurar Lula para pedir socorro, e um socorro bem específico: para neutralizar Chávez ou pedir-lhe moderação nas rotineiras disputas entre ambos. O Brasil, assim, estaria por trás dos sucessivos recuos de Chávez, tanto nas manifestações de simpatia pelas Farc quanto na ameaça de guerra quando a Colômbia violou território equatoriano para estourar um campo do grupo guerrilheiro.
(ELIANE CANTANHÊDE)


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