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Guerra no Oriente Médio
Hizbollah substitui suicidas por mísseis
Por meio de alianças com Irã e Síria, grupo se arma e dispensa homens-bomba; táticas de guerrilha ainda são usadas
Entre seus integrantes, há desde fundamentalistas a esquerdistas e cristãos; pequenas células se misturam a civis libaneses
GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE NOVA YORK
Ao se desmembrar do grupo
xiita Amal em 1982, o Hizbollah
parecia ser apenas mais uma
das várias organizações armadas na guerra civil libanesa. No
entanto, graças à aliança com o
Irã, seus membros foram treinado por centenas de guardas
revolucionários iranianos em
campos no vale do Bekaa e
transformaram o grupo no
mais poderoso do Líbano.
Após realizar atentados suicidas contra forças dos EUA, da
França e de Israel em Beirute,
que mataram 659 pessoas ao
todo nos anos seguintes, o Hizbollah ganhou notoriedade internacional. Americanos e
franceses abandonaram o Líbano logo em seguida.
Os israelenses se retiraram
em maio de 2000, após 18 anos
de ocupação militar, deixando
o Hizbollah soberano no sul do
pais, transformando-se em um
"Estado" dentro do Estado libanês, com direito a seu exército próprio.
Por meio de suas alianças
com o Irã e com a Síria, o grupo
conseguiu se armar ainda mais
e pôde atacar até mesmo Haifa,
tem capacidade de lançar duros
ataques mesmo três semanas
depois da eclosão do conflito e
ainda ameaça atingir Tel Aviv.
O Irã é o ponto de partida do
tráfico de armas para o Hizbollah. O regime de Teerã fabrica
ou importa os armamentos e os
envia para a Síria, que permite
que o seu território seja usado
para o transporte, além de dar
apoio logístico.
A maior parte das armas chega ao território sírio pelo aeroporto de Damasco e de lá segue
por terra para o Hizbollah no
sul do Líbano e também para a
região de Baalbek, no vale do
Bekaa.
Mesmo após a retirada síria
do Líbano no ano passado, o
transporte continuava existindo, apesar de o Departamento
de Estado dos EUA ter elogiado
em seu relatório anual sobre
terrorismo os avanços do governo de Beirute para controlar
a fronteira com a Síria.
Com a posse de armamentos
mais avançados, o grupo libanês pôde deixar de lado os ataques suicidas no atual conflito
contra Israel. Durante a ocupação militar israelense do sul do
Líbano, o Hizbollah não possuía mísseis sofisticados como
agora.
Na época, sem esses mísseis,
o Hizbollah recorria aos ataques suicidas, ainda que em escala bem menor do que o Hamas na Intifada e sempre alvejando militares israelenses que
ocupavam o sul do Líbano, não
civis em cidades de Israel, como faz o grupo palestino - daí a
discussão se o Hizbollah é um
grupo terrorista ou uma resistência contra ocupação.
Alem da posse de armas mais
sofisticadas, Martha Crenshaw, professora da Universidade Wesleyan e autora do livro
"Terrorism in Context" (o terrorismo em contexto), afirma
que "as ações suicidas perderam a sua eficiência psicológica
e politica", hoje mais presentes
no uso de mísseis, com resultados muito superiores e que vem
sendo copiada pelo Hamas e o
Jihad Islâmico em Gaza.
Em outra mudança, o Hizbollah deixou de atacar apenas
militares como fazia quando Israel ocupava o Líbano até 2000,
e passou a lançar mísseis indiscriminadamente contra cidades israelenses. Após a retirada
de Israel, os ataques do grupo
ficaram quase inteiramente
restritos às Fazendas de Shebaa, região que a Síria e o Líbano dizem ser libanesa, mas que
a ONU afirma ser território sírio ocupado militarmente por
Israel (houve também casos de
mísseis contra o norte israelense, mas numa escala infinitamente menor do que agora).
Apesar de ter abandonado
pelo menos temporariamente
as ações suicidas, o Hizbollah
voltou a adotar no atual confronto a prática do seqüestro,
com uma diferença: apenas soldados israelenses foram vítimas de seqüestro, episódio que
foi o estopim do confronto.
Nos anos 80, durante a guerra civil do Líbano (1975-90), o
Hizbollah capturou dezenas de
jornalistas e diplomatas ocidentais. Hoje jornalistas são levados para "city tours" no sul
de Beirute para ver o resultado
dos bombardeios israelenses.
O grupo libanês evoluiu também nas suas táticas de guerrilha, segundo disse à Folha o
professor de Columbia Stuart
Gottlieb, com ações muito mais
complexas do que durante a
anterior ocupação de Israel.
Escondidos entre civis
Em artigo recente em um
blog de contra-terrorismo,
Magnus Ranstorp, acadêmico
sueco que é considerado um
dos maiores conhecedores da
parte militar do Hizbollah, afirmou que o grupo vem agindo
através de células pequenas, de
quatro, cinco membros que
ainda são treinados por guardas revolucionários iranianos.
Após as ações, eles retornam
para a suas casas ou se misturam no meio de civis libaneses.
As armas estão escondidas nos
mais variados lugares da região,
como casas e até mesmo mesquitas.
É diferente da Al Qaeda, onde
as células se localizam muitas
vezes em países ocidentais e
não seguem uma hierarquia como o Hizbollah ou o Hamas, de
acordo com Reid Sawyer, diretor do Centro de Combate ao
Terrorismo do Exército dos
EUA e professor de Columbia.
Alem disso, a Al Qaeda planeja
atentados, e não ações de guerrilha, como lançamento de mísseis ou emboscadas.
A principal base de operações do Hizbollah é o sul do Líbano, mas os campos de treinamento se localizam perto de
Baalbek, e o comando do grupo
nos subúrbios do sul de Beirute. A embaixada iraniana na capital libanesa também é usada
para contatos entre o Irã e as lideranças do grupo no Líbano.
Conexão iraniana
O principal elo entre o Irã e o
Hizbollah se dá por Imad
Mughniyeh, considerado, segundo relatório do Council on
Foreign Relations, o principal
articulador das ações militares
do grupo. Ele inclusive teria
planos de ações terroristas
dentro de Israel por meio de integrantes do grupo que possuem passaporte europeu, segundo escreveu Ranstorp. No
passado, operações similares
foram abortadas.
Atualmente, o Hizbollah não
teria plano de ações em outros
países, como o seqüestro de um
avião da TWA nos anos 80 ou o
atentado contra a embaixada
de Israel e a Amia em Buenos
Aires nos anos 90, ações negadas pelo grupo.
O líder máximo do Hizbollah
é o xeque Hassan Nasrallah,
que chegou ao cargo por suas
habilidades militares e conhecimentos teológicos, combinação geralmente difícil entre jihadistas, e o órgão decisório é a
Shura al Qarar. Os membros da
organização são majoritariamente xiitas, seculares e religiosos, e também libaneses de
outras religiões.
Em seu livro "Dying to Win:
The Strategic Logic of Suicide
Terrorism" (morrer para ganhar: a lógica estratégica do
terrorismo suicida), Robert Pape, professor da Universidade
de Chicago, afirma que os integrantes da ala militar do Hizbollah não são fanáticos religiosos
como muitos imaginam. Ao
avaliar a biografia de 38 suicidas em seu livro, Pape concluiu
que apenas oito eram fundamentalistas e 27 integravam
grupos esquerdistas libaneses,
incluindo três cristãos. A média
de idade é de 21 anos. Não há
dados sobre os militantes na
atual guerrilha.
Segundo a base de dados militar Jane's, o grupo possui entre 300 e 5.000 membros ativos
e de 3.000 a 15 mil reservistas.
Para os analistas, esse numero
deve aumentar facilmente após
os bombardeios de Israel.
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