São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2006

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Guerra no Oriente Médio

Hizbollah substitui suicidas por mísseis

Por meio de alianças com Irã e Síria, grupo se arma e dispensa homens-bomba; táticas de guerrilha ainda são usadas

Entre seus integrantes, há desde fundamentalistas a esquerdistas e cristãos; pequenas células se misturam a civis libaneses

GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE NOVA YORK

Ao se desmembrar do grupo xiita Amal em 1982, o Hizbollah parecia ser apenas mais uma das várias organizações armadas na guerra civil libanesa. No entanto, graças à aliança com o Irã, seus membros foram treinado por centenas de guardas revolucionários iranianos em campos no vale do Bekaa e transformaram o grupo no mais poderoso do Líbano.
Após realizar atentados suicidas contra forças dos EUA, da França e de Israel em Beirute, que mataram 659 pessoas ao todo nos anos seguintes, o Hizbollah ganhou notoriedade internacional. Americanos e franceses abandonaram o Líbano logo em seguida.
Os israelenses se retiraram em maio de 2000, após 18 anos de ocupação militar, deixando o Hizbollah soberano no sul do pais, transformando-se em um "Estado" dentro do Estado libanês, com direito a seu exército próprio.
Por meio de suas alianças com o Irã e com a Síria, o grupo conseguiu se armar ainda mais e pôde atacar até mesmo Haifa, tem capacidade de lançar duros ataques mesmo três semanas depois da eclosão do conflito e ainda ameaça atingir Tel Aviv.
O Irã é o ponto de partida do tráfico de armas para o Hizbollah. O regime de Teerã fabrica ou importa os armamentos e os envia para a Síria, que permite que o seu território seja usado para o transporte, além de dar apoio logístico.
A maior parte das armas chega ao território sírio pelo aeroporto de Damasco e de lá segue por terra para o Hizbollah no sul do Líbano e também para a região de Baalbek, no vale do Bekaa.
Mesmo após a retirada síria do Líbano no ano passado, o transporte continuava existindo, apesar de o Departamento de Estado dos EUA ter elogiado em seu relatório anual sobre terrorismo os avanços do governo de Beirute para controlar a fronteira com a Síria.
Com a posse de armamentos mais avançados, o grupo libanês pôde deixar de lado os ataques suicidas no atual conflito contra Israel. Durante a ocupação militar israelense do sul do Líbano, o Hizbollah não possuía mísseis sofisticados como agora.
Na época, sem esses mísseis, o Hizbollah recorria aos ataques suicidas, ainda que em escala bem menor do que o Hamas na Intifada e sempre alvejando militares israelenses que ocupavam o sul do Líbano, não civis em cidades de Israel, como faz o grupo palestino - daí a discussão se o Hizbollah é um grupo terrorista ou uma resistência contra ocupação.
Alem da posse de armas mais sofisticadas, Martha Crenshaw, professora da Universidade Wesleyan e autora do livro "Terrorism in Context" (o terrorismo em contexto), afirma que "as ações suicidas perderam a sua eficiência psicológica e politica", hoje mais presentes no uso de mísseis, com resultados muito superiores e que vem sendo copiada pelo Hamas e o Jihad Islâmico em Gaza.
Em outra mudança, o Hizbollah deixou de atacar apenas militares como fazia quando Israel ocupava o Líbano até 2000, e passou a lançar mísseis indiscriminadamente contra cidades israelenses. Após a retirada de Israel, os ataques do grupo ficaram quase inteiramente restritos às Fazendas de Shebaa, região que a Síria e o Líbano dizem ser libanesa, mas que a ONU afirma ser território sírio ocupado militarmente por Israel (houve também casos de mísseis contra o norte israelense, mas numa escala infinitamente menor do que agora).
Apesar de ter abandonado pelo menos temporariamente as ações suicidas, o Hizbollah voltou a adotar no atual confronto a prática do seqüestro, com uma diferença: apenas soldados israelenses foram vítimas de seqüestro, episódio que foi o estopim do confronto.
Nos anos 80, durante a guerra civil do Líbano (1975-90), o Hizbollah capturou dezenas de jornalistas e diplomatas ocidentais. Hoje jornalistas são levados para "city tours" no sul de Beirute para ver o resultado dos bombardeios israelenses.
O grupo libanês evoluiu também nas suas táticas de guerrilha, segundo disse à Folha o professor de Columbia Stuart Gottlieb, com ações muito mais complexas do que durante a anterior ocupação de Israel.

Escondidos entre civis
Em artigo recente em um blog de contra-terrorismo, Magnus Ranstorp, acadêmico sueco que é considerado um dos maiores conhecedores da parte militar do Hizbollah, afirmou que o grupo vem agindo através de células pequenas, de quatro, cinco membros que ainda são treinados por guardas revolucionários iranianos.
Após as ações, eles retornam para a suas casas ou se misturam no meio de civis libaneses. As armas estão escondidas nos mais variados lugares da região, como casas e até mesmo mesquitas.
É diferente da Al Qaeda, onde as células se localizam muitas vezes em países ocidentais e não seguem uma hierarquia como o Hizbollah ou o Hamas, de acordo com Reid Sawyer, diretor do Centro de Combate ao Terrorismo do Exército dos EUA e professor de Columbia. Alem disso, a Al Qaeda planeja atentados, e não ações de guerrilha, como lançamento de mísseis ou emboscadas.
A principal base de operações do Hizbollah é o sul do Líbano, mas os campos de treinamento se localizam perto de Baalbek, e o comando do grupo nos subúrbios do sul de Beirute. A embaixada iraniana na capital libanesa também é usada para contatos entre o Irã e as lideranças do grupo no Líbano.

Conexão iraniana
O principal elo entre o Irã e o Hizbollah se dá por Imad Mughniyeh, considerado, segundo relatório do Council on Foreign Relations, o principal articulador das ações militares do grupo. Ele inclusive teria planos de ações terroristas dentro de Israel por meio de integrantes do grupo que possuem passaporte europeu, segundo escreveu Ranstorp. No passado, operações similares foram abortadas.
Atualmente, o Hizbollah não teria plano de ações em outros países, como o seqüestro de um avião da TWA nos anos 80 ou o atentado contra a embaixada de Israel e a Amia em Buenos Aires nos anos 90, ações negadas pelo grupo.
O líder máximo do Hizbollah é o xeque Hassan Nasrallah, que chegou ao cargo por suas habilidades militares e conhecimentos teológicos, combinação geralmente difícil entre jihadistas, e o órgão decisório é a Shura al Qarar. Os membros da organização são majoritariamente xiitas, seculares e religiosos, e também libaneses de outras religiões.
Em seu livro "Dying to Win: The Strategic Logic of Suicide Terrorism" (morrer para ganhar: a lógica estratégica do terrorismo suicida), Robert Pape, professor da Universidade de Chicago, afirma que os integrantes da ala militar do Hizbollah não são fanáticos religiosos como muitos imaginam. Ao avaliar a biografia de 38 suicidas em seu livro, Pape concluiu que apenas oito eram fundamentalistas e 27 integravam grupos esquerdistas libaneses, incluindo três cristãos. A média de idade é de 21 anos. Não há dados sobre os militantes na atual guerrilha.
Segundo a base de dados militar Jane's, o grupo possui entre 300 e 5.000 membros ativos e de 3.000 a 15 mil reservistas. Para os analistas, esse numero deve aumentar facilmente após os bombardeios de Israel.


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