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ANÁLISE
Clinton deu à Coreia do Norte toda a atenção que o país pedia
Ex-presidente ofusca mulher, a secretária de Estado Hillary Clinton, que há duas semanas fora chamada por governo Kim Jong-il de "senhora esquisita"
MAUREEN DOWD
DO "NEW YORK TIMES"
Quando contemplo o incorrigível Kim Jong-il, um insulto
proferido pelo cineasta Billy
Wilder me vem à memória.
Leon Wieseltier, editor da revista "New Republic", estava
jantando com Wilder, anos
atrás, quando a conversa passou a girar em torno do baixinho empresário Swifty Lazar.
Repousando o garfo e a faca
sobre a mesa, Wilder proferiu:
"Aquele sujeito deveria se enforcar em uma árvore bonsai".
Sabe-se que o diminuto líder
da Coreia do Norte usa saltos
especiais em seus sapatos. E,
desta vez, ele exigiu estatura especial na forma de uma visita
diplomática pelo marido da
principal diplomata americana.
Infelizmente não havia bonsais à vista. Os dois líderes posaram, rígidos e desconfortáveis, diante de um mural que
retratava ondas do mar.
Os sorrisos cintilantes de
Kim Jong-il não foram retribuídos por Bill Clinton. Foi estranho ver o recluso Kim tão
ávido e o descontraído Clinton
tão disciplinado. No entanto,
tanto o sorridente líder norte-coreano quanto o carrancudo
ex-presidente dos EUA estavam saboreando o momento
comum de relevância.
O preço estipulado por Kim
para a libertação de duas jornalistas americanas capturadas,
Laura Ling e Euna Lee, eram algumas horas de brilho refletido
na presença do ex-presidente
que mais desejava visitar a Coreia do Norte. Bill Clinton se
mostrou disposto a fazer as mesuras requeridas, mas não a
exibir servilidade.
Hillary causou uma controvérsia internacional ao dizer
que, como mãe, compreendia
que os norte-coreanos se comportavam como crianças indisciplinadas cujas traquinagens
eram simplesmente uma forma
de atrair atenção. Agora, só
duas semanas mais tarde, essas
pestes infantis conquistaram
toda a atenção de seu marido.
Talvez tudo tenha sido um
inteligente complô norte-coreano de vingança, já que colocar papai sob a luz dos refletores representaria uma punição
para mamãe. No exato momento em que Hillary forçava seu
retorno a uma posição de destaque, superando os problemas
de seu cotovelo quebrado e
atraindo a atenção que vinha
sendo dedicada aos seus pomposos enviados, ela terminou
expulsa de cena por um enviado ainda mais poderoso: o homem com quem ela vive.
Foi um momento único nos
anais da diplomacia. Clinton
estava sendo elogiado como um
estadista deslumbrante que
talvez tenha posto fim ao clima
tempestuoso entre os EUA e a
Coreia do Norte, enquanto Hillary iniciava uma viagem de 11
dias à África cujo objetivo era
destacar os assuntos com os
quais ela mais se preocupa:
causas desenvolvimentistas e
questões femininas.
E a pessoa que responde pelos assuntos mundiais desapareceu das notícias o dia inteiro,
na terça-feira, enquanto aquela
que não tem mais cargo oficial
dominava as notícias. O avião
dele está decolando do aeroporto de Pyongyang e traz a
bordo as duas mulheres perdoadas? Nossa!
Clinton, além disso, pôde
desfrutar de um momento de
alegria maldosa por saber que
havia suplantado três homens
com os quais mantém relacionamentos complicados -Bill
Richardson, Jimmy Carter e Al
Gore- ao obter a vistosa missão de resgatar as donzelas em
perigo.
Richardson se viu reduzido
ao papel de comentarista da
CNN e elogiou Clinton por seu
comportamento no quesito
protocolo: "O fato de que ele tenha se encontrado com Kim
Jong-il é muito importante. O
líder só se encontra com figurões e chefes de Estado".
É divertido especular se Clinton e Kim discutiram a troca de
insultos com Hillary. (A Coreia
do Norte rebateu a críticas da
secretária de Estado definindo-a como "uma senhora esquisita" e afirmando que ela "às vezes parece uma aluna de escola
primária e às vezes uma aposentada fazendo compras".)
Pode-se imaginar o charmoso Clinton colocando as coisas
em perspectiva: "Não se incomode com isso, Kimmie. Ela é
uma mulher maravilhosa, mas
de vez em quando fala demais.
Você deveria ouvir do que ela
me chama quando se irrita. De
adolescente desordeiro".
Os conservadores ficaram furiosos, naturalmente, e alegaram que a viagem de Clinton
ofereceria cobertura propagandística para que os norte-coreanos continuassem com sua trapaça nuclear.
"A despeito de décadas de retórica dos dois partidos nos
EUA sobre não negociar com
terroristas para obter a libertação de reféns", escreveu John
Bolton no site do jornal "Washington Post", "ao que parece o
governo Obama não só escolheu negociar como enviar um
ex-presidente para tanto".
Mas os antigos valentões da
equipe de Bush não têm qualquer credibilidade diplomática.
Passaram oito anos arruinando
a situação, e o placar que deixaram foi de 6 a 0 para a Coreia do
Norte: nenhum encontro com
Kim e combustível nuclear suficiente para seis bombas.
Clinton trará informações
valiosas sobre a saúde física e
mental de Kim. Se tivéssemos o
mesmo tipo de informação sobre Saddam Hussein em 2003,
saberíamos que ele já estava em
sua espiral de queda, tentando
blefar contra seus vizinhos, e
que não havia necessidade de
choque e espanto.
Hillary e Obama parecem
maiores quando dividem o palanque com outros agentes talentosos. E Obama e Clinton
podem enfim ter começado a
relegar suas divergências ao
passado sem a necessidade de
posar para fotos em uma cúpula da cerveja.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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