São Paulo, sábado, 06 de agosto de 2011

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PAUL KRUGMAN

As preocupações erradas


O mercado não se preocupa com a solvência nem com a inflação dos EUA, e sim com a falta de crescimento

CASO VOCÊ tivesse alguma dúvida, o mergulho de mais de 500 pontos na Bolsa e a queda dos juros para níveis baixos quase recordes confirmaram: a economia não está se recuperando, e Washington vem se preocupando com as coisas erradas.
Não é apenas a ameaça de uma recessão em W (recessão, retomada e nova recessão), hoje muito real. É impossível negar o óbvio: não estamos agora no caminho da recuperação nem nunca estivemos.
Sim, oficialmente a recessão terminou dois anos atrás, e a economia saiu de um mergulho assustador no pânico. Mas em nenhum momento o crescimento pareceu ser remotamente suficiente.
Considere uma medida crucial: a razão entre emprego e população. Em junho de 2007, cerca de 63% dos adultos estavam empregados. Em junho de 2009, quando a recessão oficialmente chegou ao fim, eram 59,4%. Em junho de 2011, dois anos depois de iniciada a alegada recuperação, o número era 58,2%.
Pela primeira vez desde a Grande Depressão, muitos trabalhadores americanos enfrentam a perspectiva de desemprego de muito longo prazo -talvez permanente.
E por que deveríamos nos surpreender com essa catástrofe? De onde se imaginava que o crescimento viria? Consumidores, ainda endividados, não estão preparados para gastar. Empresas não veem razões para expansão. E, graças à obsessão com o deficit, o governo, que deveria apoiar a economia na hora da necessidade, vem se retraindo.
Parece que tudo está prestes a piorar ainda mais. Qual é a reação?
Para inverter esse desastre, muitas pessoas vão precisar admitir, pelo menos para si mesmas, que estavam equivocadas e precisam mudar suas prioridades imediatamente.
É claro que alguns atores não vão mudar. Os republicanos não vão parar de gritar sobre o deficit, porque não estavam sendo sinceros para começar: sua posição de linha dura foi um bastão com o qual bater em adversários políticos, e só.
Mas o desastre de políticas públicas dos últimos dois anos não foi só fruto do obstrucionismo dos republicanos, que não teria sido tão eficaz se a elite política não tivesse concordado em priorizar o deficit. Nem devemos deixar Ben Bernanke e colegas saírem ilesos: o Fed está longe de ter feito o que poderia.
Está na hora de tudo isso parar. Juros e Bolsas em queda livre revelam que os mercados não estão preocupados com a solvência dos EUA nem com a inflação. Estão preocupados com a falta de crescimento.
No início da semana, dizia-se que Obama voltaria sua atenção ao emprego, agora que o teto da dívida foi elevado. Mas, pelo que posso vislumbrar, o que isso significa é propor medidas de pouca monta, mais simbólicas do que substantivas. Esse tipo de proposta apenas faria o presidente parecer ridículo.
Já passou da hora de encarar com seriedade a crise da economia. O Fed precisa parar de inventar desculpas, e o presidente precisa anunciar planos reais de criação de vagas. E, se os republicanos bloquearem as propostas, Obama precisa lançar uma campanha contra eles.
Pode ou não funcionar. Mas já sabemos o que não funciona: a política econômica dos últimos dois anos -e os milhões de americanos que deveriam ter empregos e não têm.

Tradução de CLARA ALLAIN

AMANHÃ EM MUNDO:
Clóvis Rossi


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