São Paulo, sábado, 06 de agosto de 2011

Texto Anterior | Índice | Comunicar Erros

MINHA HISTÓRIA YANG LIU, 33

Livre para amar em Pequim

(...) Desafiando o conservadorismo, lésbica beija a namorada em público na capital chinesa, mas diz que ninguém percebe tratar-se de um casal gay; "Visto-me como menino; sou um menino"

RESUMO
A decoradora Yang Liu (nome fictício) nasceu em 1978, no início da abertura econômica na China. Na juventude, descobriu ser lésbica, após se mudar para Pequim, onde mora com a parceira sem fazer segredo, mas vai se casar com um homem para agradar os pais.

(...) Depoimento a

FABIANO MAISONNAVE
DE PEQUIM

Só depois que me mudei para Pequim, em 1998, aos 20 anos, conheci outras lésbicas.
Sou de Baoding (140 km de Pequim e 1 milhão de habitantes). Lá, o ambiente era muito fechado. Não tinha acesso à internet, sentia-me só. Meu pai é cantor de ópera, mas, apesar das mulheres serem interpretadas por homens, eles são muito tradicionais e conservadores.
Comecei a perceber algo diferente aos 15 anos, quando todos têm o primeiro amor. Arranjei um namorado, mas gostava era de uma garota.
Fiz a faculdade em Baoding. Durante o curso, não contei para ninguém, embora alguns questionassem a minha sexualidade.
Quando vim trabalhar em Pequim, tudo mudou. Comecei a usar a internet e conversei com outras lésbicas usando um pseudônimo. Mas só quando descobri os bares para lésbicas passei a me divertir e conhecer pessoas. Não sabia que havia tantos gays. São quatro, cinco bares -dois para lésbicas jovens, com música alta.
Tenho a mesma parceira há oito anos e meio. Ela é de Pequim e tem uma pequena loja de roupas. Nós moramos juntas e mantenho muito boa relação com a mãe dela.
Na empresa de decoração onde trabalho, todos sabem que sou lésbica e alguns conhecem minha parceira. Eu a beijo em locais públicos. Olhe pra mim: sou menino, visto-me como menino. Ninguém desconfia de que são duas mulheres.
Nunca saí da China, mas já vi filmes estrangeiros mostrando duas mulheres bonitas juntas. Aqui, não: os casais são sempre um "tomboy" [mulher masculinizada] e uma "garota bonita".
Na internet, criei o grupo "Lésbica, Você É Especial". Almejo fazer uma publicação, mas agora apenas promovemos atividades sociais.
O único grande problema que tenho são os meus pais. Seria muito difícil contar a eles, e os parentes estão sempre questionando: "Você tem alguma doença que lhe impeça de casar?". Quando volto para casa, mudo o visual. Em Baoding, só meus três amigos mais próximos sabem.
Recebo muita pressão. Sou filha única. Meus pais sempre tentam me apresentar alguém para casar. Todos os meus primos já se casaram. Para agradar meus pais, vou me casar até o começo do ano que vem com um gay de Baoding. Não será de verdade: usaremos um certificado falsificado.
O casamento é a ocasião mais importante da vida na China. Depois disso, não é tão importante ter filhos ou não.
Meu "marido" é meu vizinho em Baoding. Isso é muito conveniente, já que podemos ir juntos ao Festival da Primavera [Ano Novo chinês].
Gosto de criança, mas não quero engravidar, para não estragar o corpo. Já a minha parceira é dois anos mais nova, mas não gosta de criança.
Eu nasci em 1978 [início da abertura econômica], meus pais têm quase 60 anos. É uma geração solitária.
Não vimos as coisas boas da geração anterior, como a designação de empregos pelo governo. Já os nascidos no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 são mais audazes e têm pais mais abertos.
Uma lei sobre casamento gay é importante, mas, se a atitude das pessoas não mudar, haverá discriminação. Alguns gays encenaram casamentos públicos. Mas isso pode machucar os familiares, eu não faria isso.
Não tenho muita esperança sobre o futuro. Só penso em ganhar mais dinheiro. Quando for velha, talvez seja melhor. Hoje é muito difícil. Sinto-me abandonada, mas gosto da minha liberdade.


Texto Anterior: Fome no país é 'política', afirma especialista
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.