São Paulo, quinta-feira, 06 de setembro de 2007

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Escritor é condenado por morte descrita em romance

Polonês recebe sentença de 25 anos; para investigador, detalhes do crime seriam conhecidos apenas pela polícia ou pelo assassino

CLARA FAGUNDES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Numa cidadezinha polonesa, um corpo é pescado de um rio, com sinais de uma morte sórdida: mãos ao redor do pescoço, atadas a uma forca. A polícia identifica Dariusz Janiszewski, o dono de uma pequena agência de publicidade, que não tinha dívidas ou inimigos. A descrição detalhada deste homicídio, no romance policial "Amok" (o arrebatamento, em português), terminou em um posfácio inesperado: a prisão do autor, Krystian Bala, condenado ontem a 25 anos pelo crime que inspirou a obra.
A principal peça da acusação é o romance policial, publicado em 2003, três anos após o assassinato. O investigador Jacek Wroblewski garante que a narrativa tem informações minuciosas, conhecidas apenas pela polícia -ou pelo assassino. Wroblewski reabriu o inquérito em 2005, quando leu "Amok" por sugestão de uma fonte anônima. As investigações revelaram detalhes que ligam Bala ao homicídio.
Joaquim Nogueira, ex-delegado e autor de "Informações sobre a Vítima" (Cia das Letras, 2001), disse à Folha que acha perfeitamente verossímil que alguém use elementos de um crime que cometeu ao escrever uma obra literária, mas nunca deparou com um caso semelhante no trabalho.
Não poderia Bala, como conta, ter montado o quebra-cabeça do assassinato a partir de notícias dos jornais e imaginado as partes que faltavam? "É óbvio que ele diria isso", comenta Nogueira. Mas pondera: "O processo criativo é um caldo de cultura que envolve muitas experiências, leituras, notícias, filmes". Impossível saber.
O fato -e todo o resto é literatura- é que Krystian Bala, 34, foi condenado em primeira instância pela morte de Janiszewski. A polícia reuniu contra ele uma série de indícios, considerados pela defesa meramente circunstanciais.
Pouco após o assassinato, o escritor vendeu um celular do mesmo modelo usado pela vítima. O aparelho, que estaria com o empresário no dia do crime, jamais foi encontrado.
Bala estava mergulhando no sul da Ásia quando a polícia recebeu e-mails "suspeitos" originados em cibercafés do continente. As mensagens, enviadas após a exibição do caso em um programa de TV semelhante ao brasileiro "Linha Direta", falavam em "crime perfeito".
As habilidades de exímio mergulhador também foram usadas contra Bala. Para a polícia, as longas pausas feitas antes de cada resposta quando ele se submeteu a um detector de mentiras seriam uma técnica de respiração aprendida com o mergulho, usada para mascarar os sinais físicos da mentira.
Segundo o depoimento da ex-mulher, o escritor tinha uma personalidade "obsessiva" e controlava suas amizades mesmo após a separação. Ela conhecia a vítima, o que levantou a hipótese de um crime passional.
O tribunal considerou os indícios insuficientes para provar que o próprio Bala tenha cometido o homicídio, mas julgou haver provas bastantes para a condenação por autoria intelectual. A família disse que ele vai recorrer. Qualquer que seja o resultado da apelação, o enigma literário persistirá.


Com agências internacionais

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