São Paulo, domingo, 06 de setembro de 2009

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Taleban não ameaça EUA, diz ex-espião

Agente da CIA que ajudou afegãos a combater soviéticos afirma que rebeldes só querem saída de tropas estrangeiras

Americano minimiza papel do Paquistão e afirma que líderes políticos do Ocidente utilizam ameaça terrorista com objetivos eleitoreiros

1º.ago.09/Reuters
Integrantes do Taleban exibem armas no Afeganistão na véspera da eleição

SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de ter acolhido os terroristas da Al Qaeda, o Taleban nunca quis atacar o Ocidente.
A avaliação é de quem conhece como poucos os meandros da guerrilha afegã: o ex-agente da CIA Marc Sageman. Foi ele quem coordenou a ajuda militar e financeira americana aos grupos islâmicos que combatiam a ocupação soviética nos anos 80, em plena Guerra Fria.
Em entrevista à Folha por telefone, Sageman, hoje consultor, negou que o dinheiro dos EUA tenha ajudado a criar a rede de Osama bin Laden.

 

FOLHA - Por que não se consegue acabar com o Taleban?
MARC SAGEMAN -
Estamos diante de um levante popular contra estrangeiros que já dura 200 anos. Na década de 80 a revolta era contra a reforma agrária dos comunistas. Desta vez é contra o governo Karzai, visto como uma entidade estrangeira corrupta. O que hoje chamamos de Taleban não passa de um amontoado de líderes tribais locais que lutam contra o governo central com dinheiro obtido do ópio. Não se trata de uma luta coordenada. São grupos independentes e, às vezes, concorrentes. Em comum, apenas o ódio aos estrangeiros.

FOLHA - A violência pode arrefecer em função do resultado das urnas?
SAGEMAN -
Há fraudes em massa e um governo ilegítimo. A violência continuará. Problemas seguiriam mesmo em caso de vitória de Abdullah Abdullah -ele é tadjique e nunca seria aceito pelos pashtuns [etnia majoritária no Afeganistão].

FOLHA - Como o sr. vê o futuro do Afeganistão em meio à redefinição da estratégia americana para o país?
SAGEMAN -
O Afeganistão quer que o deixemos em paz. De qualquer maneira, para controlar o país seria necessário 1 milhão de soldados e ter tropas em cada vilarejo. Ninguém está disposto a colocar o dinheiro necessário para isso. E mesmo que controlássemos o país, as tropas estrangeiras não ficariam para sempre.
A grande verdade é que não temos nenhum interesse vital ou estratégico no Afeganistão. O único interesse é que não venham colocar bombas nas nossas casas, mas isso não acontece. Qual, portanto, o sentido de ajudar um país e exortar sua gente a não ingressar na Al Qaeda se isso nunca ocorreu?

FOLHA - O Taleban não representa nenhuma ameaça aos EUA?
SAGEMAN -
Jamais houve um afegão sequer na cúpula da Al Qaeda e nem afegãos cometendo atentados no exterior. O problema veio dos estrangeiros que tinham bases no Afeganistão. Desde o 11 de Setembro houve uma limpeza, e todo o estafe da Al Qaeda saiu do país. Estão todos no Paquistão.

FOLHA - A CIA não sabe disso?
SAGEMAN -
No Ocidente, os políticos manipulam o fantasma da Al Qaeda para angariar votos. Forçam a barra para embutir o Taleban na mesma questão. A confusão é semeada de propósito na opinião pública.

FOLHA - O sr. recomenda que os estrangeiros saiam do Afeganistão?
SAGEMAN -
Podemos deixar algumas brigadas para evitar que o Afeganistão se transforme outra vez em santuário de terroristas. E deveríamos alertar o governo afegão, qualquer que seja, que, se ele hospedar grupos estrangeiros, então voltaremos a bombardear. A Al Qaeda está no Paquistão, porque lá não há soldados estrangeiros.

FOLHA - Qual o poder da Inteligência paquistanesa sobre o Taleban?
SAGEMAN -
Hoje em dia, nenhum. Em 1994, os paquistaneses criaram o Taleban e o levaram ao poder para abrir estradas no Afeganistão e acabar com uma máfia que cobrava pedágios dos caminhoneiros. Esse novo Taleban não tem nada a ver com o Paquistão. Há pessoas em alguns setores do governo paquistanês que têm simpatia pelo Taleban, mas é errado achar que resolver os problemas do Exército do Paquistão ajudará a melhorar a situação no Afeganistão.

FOLHA - Muitos analistas veem elos entre o Paquistão e o Taleban.
SAGEMAN -
As pessoas não conhecem o Paquistão nem o Afeganistão. Eu coordenei durante dois anos a guerra contra os soviéticos e sei que os afegãos são um povo orgulhoso e independente. Não precisam de ninguém para lutar. Eu não tinha nenhuma dificuldade em estimulá-los a combater. Tudo o que eu fazia era dar dinheiro e assegurar que eles tinham armas para a guerra.

FOLHA - O sr. conheceu Bin Laden?
SAGEMAN -
Não. Ele não é afegão [nasceu na Arábia Saudita].

FOLHA - Mas ele estava no Afeganistão para combater os soviéticos.
SAGEMAN -
Bin Laden e sua turma não combatiam. É uma grande mentira quando a Al Qaeda diz que eles enfrentaram os soviéticos. Não houve nada além de uma pequena briga de 30 pessoas contra 30 pessoas em Jahil, em abril de 1987. Bin Laden estava lá para fazer obras humanitárias. Nosso interesse estava focado nas pessoas que combatiam a União Soviética, não era o caso deles.

FOLHA - Muita gente diz que o dinheiro e armas dos EUA no Afeganistão ajudaram a criar a Al Qaeda.
SAGEMAN -
É completamente falso. Tanto os EUA como a Al Qaeda negaram isso. Se tivesse havido algum contato, teria sido feito por mim. Esse tipo de coisa era exatamente a minha responsabilidade. Bin Laden tinha seu próprio dinheiro, que vinha de doadores sauditas.

FOLHA - Bin Laden está vivo?
SAGEMAN -
Não tenho ideia de onde ele esteja, mas acredito que esteja vivo. No fundo isso não importa, pois ele não é operacional. Tudo o que faz é soltar dois ou três vídeos ao ano para servir de espantalho. Ele não tem contato com ninguém. Se tivesse, seria pego. Ele é inteligente demais para isso.

FOLHA - O que o sr. acha da tortura que era praticada pela CIA?
SAGEMAN -
Fiquei decepcionado com meus ex-colegas. Não pensei que pudessem aderir a essas práticas, que eu mesmo recusei várias vezes. Eles deveriam ter tido a coragem de dizer não à Casa Branca, como o FBI fez. Inclusive o FBI foi embora de Guantánamo por isso.


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