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Taleban não ameaça EUA, diz ex-espião
Agente da CIA que ajudou afegãos a combater soviéticos afirma que rebeldes só querem saída de tropas estrangeiras
Americano minimiza papel do Paquistão e afirma que líderes políticos do Ocidente utilizam ameaça terrorista com objetivos eleitoreiros
1º.ago.09/Reuters
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Integrantes do Taleban exibem armas no Afeganistão na véspera da eleição
SAMY ADGHIRNI
DA REPORTAGEM LOCAL
Apesar de ter acolhido os terroristas da Al Qaeda, o Taleban
nunca quis atacar o Ocidente.
A avaliação é de quem conhece como poucos os meandros
da guerrilha afegã: o ex-agente
da CIA Marc Sageman. Foi ele
quem coordenou a ajuda militar e financeira americana aos
grupos islâmicos que combatiam a ocupação soviética nos
anos 80, em plena Guerra Fria.
Em entrevista à Folha por
telefone, Sageman, hoje consultor, negou que o dinheiro
dos EUA tenha ajudado a criar
a rede de Osama bin Laden.
FOLHA - Por que não se consegue
acabar com o Taleban?
MARC SAGEMAN - Estamos diante de um levante popular contra estrangeiros que já dura
200 anos. Na década de 80 a revolta era contra a reforma agrária dos comunistas. Desta vez é
contra o governo Karzai, visto
como uma entidade estrangeira corrupta. O que hoje chamamos de Taleban não passa de
um amontoado de líderes tribais locais que lutam contra o
governo central com dinheiro
obtido do ópio. Não se trata de
uma luta coordenada. São grupos independentes e, às vezes,
concorrentes. Em comum, apenas o ódio aos estrangeiros.
FOLHA - A violência pode arrefecer
em função do resultado das urnas?
SAGEMAN - Há fraudes em massa e um governo ilegítimo. A
violência continuará. Problemas seguiriam mesmo em caso
de vitória de Abdullah Abdullah -ele é tadjique e nunca seria aceito pelos pashtuns [etnia
majoritária no Afeganistão].
FOLHA - Como o sr. vê o futuro do
Afeganistão em meio à redefinição
da estratégia americana para o país?
SAGEMAN - O Afeganistão quer
que o deixemos em paz. De
qualquer maneira, para controlar o país seria necessário 1 milhão de soldados e ter tropas
em cada vilarejo. Ninguém está
disposto a colocar o dinheiro
necessário para isso. E mesmo
que controlássemos o país, as
tropas estrangeiras não ficariam para sempre.
A grande verdade é que não
temos nenhum interesse vital
ou estratégico no Afeganistão.
O único interesse é que não venham colocar bombas nas nossas casas, mas isso não acontece. Qual, portanto, o sentido de
ajudar um país e exortar sua
gente a não ingressar na Al
Qaeda se isso nunca ocorreu?
FOLHA - O Taleban não representa
nenhuma ameaça aos EUA?
SAGEMAN - Jamais houve um
afegão sequer na cúpula da Al
Qaeda e nem afegãos cometendo atentados no exterior. O
problema veio dos estrangeiros
que tinham bases no Afeganistão. Desde o 11 de Setembro
houve uma limpeza, e todo o estafe da Al Qaeda saiu do país.
Estão todos no Paquistão.
FOLHA - A CIA não sabe disso?
SAGEMAN - No Ocidente, os políticos manipulam o fantasma
da Al Qaeda para angariar votos. Forçam a barra para embutir o Taleban na mesma questão. A confusão é semeada de
propósito na opinião pública.
FOLHA - O sr. recomenda que os estrangeiros saiam do Afeganistão?
SAGEMAN - Podemos deixar algumas brigadas para evitar que
o Afeganistão se transforme
outra vez em santuário de terroristas. E deveríamos alertar o
governo afegão, qualquer que
seja, que, se ele hospedar grupos estrangeiros, então voltaremos a bombardear. A Al Qaeda
está no Paquistão, porque lá
não há soldados estrangeiros.
FOLHA - Qual o poder da Inteligência paquistanesa sobre o Taleban?
SAGEMAN - Hoje em dia, nenhum. Em 1994, os paquistaneses criaram o Taleban e o levaram ao poder para abrir estradas no Afeganistão e acabar
com uma máfia que cobrava pedágios dos caminhoneiros. Esse novo Taleban não tem nada a
ver com o Paquistão.
Há pessoas em alguns setores do governo paquistanês que
têm simpatia pelo Taleban,
mas é errado achar que resolver
os problemas do Exército do
Paquistão ajudará a melhorar a
situação no Afeganistão.
FOLHA - Muitos analistas veem
elos entre o Paquistão e o Taleban.
SAGEMAN - As pessoas não conhecem o Paquistão nem o Afeganistão. Eu coordenei durante
dois anos a guerra contra os soviéticos e sei que os afegãos são
um povo orgulhoso e independente. Não precisam de ninguém para lutar. Eu não tinha
nenhuma dificuldade em estimulá-los a combater. Tudo o
que eu fazia era dar dinheiro e
assegurar que eles tinham armas para a guerra.
FOLHA - O sr. conheceu Bin Laden?
SAGEMAN - Não. Ele não é afegão [nasceu na Arábia Saudita].
FOLHA - Mas ele estava no Afeganistão para combater os soviéticos.
SAGEMAN - Bin Laden e sua turma não combatiam. É uma
grande mentira quando a Al
Qaeda diz que eles enfrentaram
os soviéticos. Não houve nada
além de uma pequena briga de
30 pessoas contra 30 pessoas
em Jahil, em abril de 1987. Bin
Laden estava lá para fazer
obras humanitárias. Nosso interesse estava focado nas pessoas que combatiam a União
Soviética, não era o caso deles.
FOLHA - Muita gente diz que o dinheiro e armas dos EUA no Afeganistão ajudaram a criar a Al Qaeda.
SAGEMAN - É completamente
falso. Tanto os EUA como a Al
Qaeda negaram isso. Se tivesse
havido algum contato, teria sido feito por mim. Esse tipo de
coisa era exatamente a minha
responsabilidade. Bin Laden tinha seu próprio dinheiro, que
vinha de doadores sauditas.
FOLHA - Bin Laden está vivo?
SAGEMAN - Não tenho ideia de
onde ele esteja, mas acredito
que esteja vivo. No fundo isso
não importa, pois ele não é operacional. Tudo o que faz é soltar
dois ou três vídeos ao ano para
servir de espantalho. Ele não
tem contato com ninguém. Se
tivesse, seria pego. Ele é inteligente demais para isso.
FOLHA - O que o sr. acha da tortura
que era praticada pela CIA?
SAGEMAN - Fiquei decepcionado com meus ex-colegas. Não
pensei que pudessem aderir a
essas práticas, que eu mesmo
recusei várias vezes. Eles deveriam ter tido a coragem de dizer
não à Casa Branca, como o FBI
fez. Inclusive o FBI foi embora
de Guantánamo por isso.
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