São Paulo, sexta-feira, 06 de outubro de 2000

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REVOLUÇÃO NOS BÁLCÃS
Policiais não reprimem manifestações na capital e mídia oficial apóia oposição
Oposição toma Parlamento; destino de Milosevic é incerto

Associated Press
Policiais atiram bombas de gás lacrimogênio para tentar dispersar manifestantes diante do Parlamento iugoslavo


DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

A oposição iugoslava parecia ter derrubado numa revolta popular ontem o presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic. Manifestantes tomaram o Parlamento e controlaram a mídia oficial em Belgrado, sem reação efetiva das forças de segurança.
O paradeiro de Milosevic, homem forte do país desde 1987 e que raramente aparece em público, era desconhecido no final da noite. Mas ele já não tinha controle sobre o que ocorria na capital.
A agência de notícias independente "Beta" afirmou que três aviões militares partiram de um aeroporto militar perto de Belgrado, alimentando especulações de que parte do pequeno círculo do poder já estaria deixando o país.
A "Beta" disse ainda que o Exército permanecia em seus quartéis e não iria interferir nos protestos de rua envolvendo centenas de milhares de manifestantes.
A TV Sérvia, importante arma de Milosevic no controle do poder, também foi ocupada pelos manifestantes.
A agência oficial de notícias "Tanjug", porta-voz do governo e de sua coalizão de esquerda, referiu-se ao líder da oposição Vojislav Kostunica como "presidente eleito da Iugoslávia" em despacho assinado pelos "jornalistas da "Tanjug" liberada".
Outro sinal de falta de apoio a medidas repressoras ocorreu na mina de Kolubara, essencial ao abastecimento energético do país, quando os policiais se retiraram do local onde os mineiros faziam greve há seis dias.
Kostunica disse aos manifestantes que eles derrotaram o homem forte do país. "Boa noite, Sérvia liberada", afirmou ele em clima festivo. "A Sérvia (República que, junto com Montenegro, forma a Iugoslávia) entrou no caminho da democracia, e onde há democracia não há lugar para Milosevic."
Em suas primeiras declarações na TV, Kostunica disse que o destino de Milosevic (com ordem de prisão decretada por tribunal da ONU) não será uma de suas prioridades no governo. "Acreditem, tenho tantas coisas para fazer neste país que preocupar-me com o tribunal de Haia (da ONU) é a última delas, principalmente porque a atual Constituição proíbe extraditar cidadãos."
O Partido Socialista da Sérvia, de Milosevic, acusou a oposição de causar distúrbios e violência e prometeu reagir "com todos os meios". O líder opositor Zoran Djindjic disse que Milosevic poderia estar preparando um golpe e estaria na cidade de Bor (leste) cercado de assessores próximos.
Vários policiais se uniram aos opositores na invasão do Parlamento, após resistência inicial. A "Beta" afirmou que uma garota morreu ao ser atropelada por um trator durante as manifestações e que outras três pessoas ficaram feridas por armas de fogo em Belgrado. Outras cem tiveram ferimentos leves, numa revolta predominantemente pacífica que lembrou o fim de regimes comunistas no Leste Europeu.
A invasão do Parlamento foi o clímax de uma campanha de greves, protestos e desobediência civil iniciada na segunda-feira, com adesão crescente desde então.
A oposição, apoiada pelos governos ocidentais, argumentava que Kostunica havia vencido no primeiro turno as eleições presidenciais de 24 de setembro, como indicaram pesquisas e contagens independentes dos votos. Mas a Justiça eleitoral havia convocado um segundo turno para o domingo, rejeitado pela oposição.
O Tribunal Constitucional adicionou combustível à crise ontem ao anular as eleições e convocar novo pleito, uma medida que deixaria Milosevic no poder por mais vários meses.
Os EUA e a União Européia, que já vinham considerando Kostunica presidente eleito do país e prometiam suspender as sanções contra a Iugoslávia após a saída de Milosevic, reafirmaram o apoio à oposição. "O povo da Sérvia falou nas urnas e nas ruas. Eu espero que estejamos perto da hora em que eles serão ouvidos e recebidos no mundo democrático, na Europa, na comunidade internacional", disse Clinton.
Vladimir Putin, presidente da Rússia (tradicional aliada da Iugoslávia), pediu que a oposição evite atos violentos e afirmou esperar que o isolamento internacional do país esteja acabando.


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