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REVOLUÇÃO NOS BÁLCÃS
Onda popular toma as ruas de Belgrado, manda ultimato a Milosevic, recebe apoio de integrantes do Estado e declara vitória
"Boa noite, Sérvia liberada", diz Kostunica
STEVE CRAWSHAW
DO "THE INDEPENDENT", EM BELGRADO
A Sérvia inteira parecia estar em
movimento ontem -tanto literal
quanto politicamente. Horas antes do início programado da manifestação da oposição em Belgrado, uma fila de carros e ônibus já
se dirigia à capital para exigir o reconhecimento da vitória eleitoral
que o governo insistia em negar.
O dia do ajuste de contas chegara. Cartazes da oposição apareceram na estrada entre Kolubara e
Belgrado. Um deles dizia: "Não
adianta. Um mais um ainda é
igual a dois". A aritmética é, de fato, simples, e os mineiros de Kolubara ajudaram a torná-la ainda
mais simples com sua greve.
Os líderes da oposição haviam
dado um ultimato simples a Slobodan Milosevic: teria de deixar o
governo até as 15h.
Às 10h51, porém, a rádio estatal
anunciava que o Tribunal Constitucional havia anulado os resultados da eleição presidencial de 24
de setembro e ordenado que fosse
realizada uma nova eleição ao término do mandato de Milosevic, o
que, na prática, o deixaria no poder até o verão de 2001. O grande
mago subestimara a determinação da população em ver respeitado o mandato que confiara a Vojislav Kostunica -e o erro seria
fatal.
Pouco depois, até mesmo os integrantes da polícia em que Milosevic tanto confiava começaram a
tirar seus coletes e capacetes e a se
juntar às centenas de milhares de
pessoas que chegavam ao centro
de Belgrado.
Às 14h40, a multidão diante do
edifício do Parlamento iugoslavo
já era tão numerosa que a polícia
começou a disparar gás lacrimogêneo contra as pessoas que
abriam caminho em direção ao
prédio. A ação da polícia durou
pouco, pois assim que uma onda
de manifestantes era empurrada
para trás, outra tomava seu lugar.
Por volta das 15h50, a pressão se
tornava impossível de deter. Grupos de manifestantes corriam para dentro do prédio. Outros -de
agricultores robustos a sacerdotes
vestidos de preto- quebravam
janelas e agitavam bandeiras iugoslavas nos balcões do edifício.
Do lado de dentro, grupos de jovens, muitos deles embriagados,
destruíam móveis e computadores e iniciavam incêndios. Documentos eram espalhados pelo
chão, assim como retratos de autoridades, arrancados de suas
molduras quebradas. Do lado de
fora, manifestantes agitavam bandeiras da Iugoslávia.
"O terror reina em Belgrado",
dizia a televisão estatal pró-Milosevic. A mensagem de Milosevic
foi interrompida logo após as 16h.
Uma estação de rádio independente de Belgrado informou que
tiros eram ouvidos diante do edifício da televisão estatal.
Então, uma máquina de terraplanagem tomada pelos manifestantes arrombou a entrada do edifício, e os manifestantes correram
para dentro. Os policiais fugiram
pelos fundos ou se renderam. Às
17h20, a oposição declarava que
tomara conta da televisão estatal.
Choques esporádicos ocorriam
entre manifestantes e as fileiras
cada vez menores da polícia fiel a
Milosevic. Na maioria dos casos,
porém, as multidões vagavam pelas ruas da cidade sem serem impedidas. Muitos usavam chapéus
de papel com o slogan "Vamos resistir". Passavam diante das lojas,
algumas delas ostentando cartazes dizendo "Fechado por motivo
de roubo" -alusão à afirmação
oposicionista de que Milosevic teria fraudado as eleições.
"O cordão policial foi derrotado. Estou dizendo a seus generais:
quando tentarem usar o Exército
contra o povo, o Exército se voltará contra eles", disse um ex-comandante militar, o general
Momcilo Perisic, que agora apóia
a oposição.
Às 17h32, o Partido Socialista,
de Milosevic, divulgava um comunicado atacando a oposição
por provocar distúrbios e violência, dizendo que iria lutar contra
ela "com todos os meios, para garantir a vida pacífica". Mas a
ameaça não foi ouvida.
Às 18h, a rádio independente
B292 informava que um destacamento de cerca de 15 veículos
blindados com integrantes da polícia especial havia se retirado.
Pouco antes das 19h, o porta-voz
da oposição, Cedomir Jovanovic,
dizia que o general Perisic estava
negociando com o Exército.
No início da noite, a agência de
notícias estatal "Tanjug" anunciou que já não era mais fiel a seu
antigo chefe, juntando-se a vários
órgãos da mídia estatais importantes que trocaram de lado ontem.
Ao cair da noite, Kostunica ergueu-se no balcão do prédio do
Parlamento, em meio aos gritos
de vitória da multidão.
"Boa noite, Sérvia liberada",
disse às dezenas de milhares de
pessoas reunidas na praça. "A
Sérvia corre na reta da vitória neste momento, e nesse caminho não
existe Slobodan Milosevic. O que
estamos fazendo hoje é história. E
este povo a está fazendo sem a
ajuda de ninguém." Em resposta,
a multidão gritou "ele está acabado" e "prendam Slobo".
Tradução de Clara Allain
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