São Paulo, quarta-feira, 06 de outubro de 2004

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IRAQUE SOB TUTELA

O ex-administrador no Iraque diz que os EUA "pagaram caro" por não terem enviado contingente adequado

Faltaram soldados na invasão, diz Bremer

DE NOVA YORK

Paul Bremer, ex-chefe da administração civil americana em Bagdá, esquentou ontem a já acirrada troca de acusações entre republicanos e democratas sobre o Iraque ao dizer que os EUA "pagaram caro" por não enviar soldados suficientes ao país. Horas antes, o secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, afirmara nunca ter visto "provas sólidas" da ligação entre o ex-ditador Saddam Hussein e a rede Al Qaeda.
"Nunca tivemos soldados suficientes em campo", declarou Bremer anteontem à noite, durante palestra em uma seguradora americana. Ele disse ainda que encontrou uma situação "horrorosa" quando chegou ao Iraque para trabalhar, em maio de 2003.
Na época, dois meses após a invasão americana, o país foi tomado por saques, que levou meses para serem controlados. "Pagamos um preço alto por não termos interrompido [os saques], o que criou um clima de terra sem lei", disse Bremer.
Os EUA invadiram o Iraque com 160 mil soldados e hoje mantêm cerca de 135 mil no país.
A Casa Branca reagiu dizendo que "o presidente George W. Bush consultava os comandantes militares em campo -e não seu administrador nomeado no Iraque- em busca de orientação sobre o contingente". "O passado ensina que não devemos tentar gerenciar de Washington decisões militares locais", disse o porta-voz Scott McCllelan.
Foi um dia de dissonâncias internas no governo. Horas antes, em um discurso no Council on Foreign Relations (Nova York), o secretário da Defesa afirmara que os EUA nunca viram "provas fortes e sólidas" ligando Saddam à rede terrorista Al Qaeda, responsável pelo 11 de Setembro. "Até onde eu sei, eu nunca vi nenhuma prova forte, consistente, ligando os dois", disse Rumsfeld.
Embora o próprio Bush já tenha admitido que o Iraque não teve participação nos ataques, essa é a primeira vez que alguém do alto escalão do governo diz que nunca houve provas sólidas, uma afirmação que contrasta fortemente com a posição que o presidente vem defendendo até então.
Bush, que não tinha compromissos de campanha ontem, não comentou nenhuma das declarações. Mas hoje ele deve voltar a abordar a guerra ao terror em um discurso na Pensilvânia. O tema do texto, que era saúde, foi mudado para economia e segurança.
Em evento em Tipton (Iowa), o adversário de Bush na disputa presidencial, John Kerry, voltou a citar o que chama de "uma longa lista de enganos" que o governo Bush cometeu em relação ao Iraque. "Estou satisfeito com o fato de Paul Bremer ter admitido pelo menos dois deles", disse.
O democrata voltou a incitar Bush a aceitar o fracasso no Iraque, questionando se ele é "fisicamente incapaz de reconhecer a verdade" ou "muito teimoso".
No mês passado, Bremer, que chefiou a Autoridade Provisória da Coalizão de maio de 2003 até que um governo interino iraquiano assumisse, em junho último, já havia dito que pedira mais soldados a Washington e tivera sua solicitação negada. "Eu deveria ter sido ainda mais insistente."
"O embaixador Bremer discordava do que os comandantes diziam em campo", disse o porta-voz do comitê de campanha de Bush, Brian Jones. "Ele está no direito dele, mas o presidente sempre ouviu seus comandantes em campo para dar-lhes o apoio necessário para a vitória."
Mais tarde, o próprio Bremer disse que sua crítica se referia especificamente ao momento em que chegou ao Iraque e que nunca discordou das decisões de Bush. Já Rumsfeld divulgou um comunicado dizendo que fora "mal interpretado". (LUCIANA COELHO)

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