São Paulo, sexta-feira, 06 de outubro de 2006

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Extrema-direita defende ditadura em ato na Argentina

Organizadores marcam "dia dos mortos pelo terrorismo" e reivindicam o julgamento de "subversivos" que cometeram crimes durante o regime de exceção

BRUNO LIMA
DE BUENOS AIRES

Com direito a execução do hino nacional, exibição de fotos de militares mortos pela guerrilha e até a leitura de uma mensagem do chefe da Igreja Católica no país, cardeal Jorge Bergoglio, um ato da extrema-direita argentina defendeu as ações da ditadura militar e provocou reações raivosas do governo e de entidades de direitos humanos.
Às 18h30 de ontem, quinta-feira -o tradicional dia de protestos das Mães da Praça de Maio-, a marcha organizada pela Comissão de Homenagem Permanente aos Mortos pela Subversão encheu a praça San Martin, em Buenos Aires.
A duas quadras dali, a esquerda socialista promovia uma "contramarcha", espécie de movimento de reação que vai se tornando comum na Argentina. Não houve confronto.
Anunciado como um tributo a militares e policiais assassinados por guerrilheiros durante a última ditadura militar (1976-1983), o ato direitista foi uma demonstração de que os chamados "dinossauros" do regime ainda têm fôlego no país.
A data foi escolhida porque, há 31 anos, 12 militares foram mortos em um ataque a um quartel na Província de Formosa. Os organizadores declararam o 5 de outubro como o Dia Nacional dos Mortos pelo Terrorismo.
Como filosofia, o grupo defende -seguindo a linha da chamada "teoria dos dois demônios"- que sejam também processados e condenados os "subversivos" que cometeram crimes na ditadura, e não só os militares, como ocorre nos processos abertos a pedido do governo de Néstor Kirchner, do qual fazem parte ex-membros do grupo de guerrilha Montoneros.
Após o último ato da direita, que reuniu cerca de 3.000 pessoas em 24 de maio, Kirchner ordenou a abertura de processos contra seis militares aposentados que elogiaram a atuação dos governos militares. Outros cinco oficiais do Exército foram punidos com detenção por irem à cerimônia, classificada por Kirchner como apologia ao "terrorismo de Estado".
A nova manifestação aconteceu justamente enquanto uma onda de ameaças anônimas atinge militantes de direitos humanos e juízes e promotores que atuam em processos contra ex-repressores.
As ameaças começaram após o sumiço da testemunha Jorge Julio López, cujo depoimento foi crucial para a primeira condenação por genocídio no país, que recaiu sobre o ex-policial Miguel Etchecolatz, que recebeu prisão perpétua.
López, que pode ter sido seqüestrado por apoiadores do regime militar, sumiu no último dia 18. Há uma campanha para achá-lo, com recompensa de 200 mil pesos (R$ 140 mil) para quem der informações.

Musas da direita
Três mulheres jovens, bonitas e polêmicas convocaram a marcha e são hoje a cara da direita argentina, somando-se à "velha guarda" de militares aposentados. Elas criticam a política de direitos humanos de Kirchner e enfrentam as Mães e as Avós da Praça de Maio.
Ana Maria Lucioni é filha do tenente Oscar Lucioni, morto há 30 anos por membros dos Montoneros, e diz que seu pai era apenas um dos homens que defendiam a pátria e que foram "atacados pelos subversivos".
Karina Mujica, ex-atriz, foi namorada do ex-capitão da Marinha Alfredo Astiz. Preside a entidade "Argentinos pela Memória Completa", que, entre outras atividades, promove livros escritos por ex-torturadores. Sempre se mostrou conservadora e ultracatólica.
A terceira é Cecília Pando, que representa um grupo que considera presos políticos os militares processados por seus atos durante a repressão.


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