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OS 5 FILHOS DE GABRIEL
Família foge da guerra e agora enfrenta a seca do semi-árido nordestino sob programa da ONU
Refugiado colombiano tenta a vida no sertão
FABIANO MAISONNAVE
ENVIADO ESPECIAL A LAJES (RN)
"Só se esqueceram de falar que
não tinha água aqui", afirma o refugiado colombiano Gabriel Mejia Zuluaga sobre Lajes, a pequena
cidade onde vive há um ano e cria
sozinho seus cinco filhos, em pleno semi-árido potiguar. "E o dinheirinho é pouco. Mas vale a pena pela tranqüilidade."
Tranqüilidade foi o que Gabriel,
35, não teve nos últimos quatro
anos: deixou para trás o cada vez
mais violento conflito armado colombiano, a ex-mulher e a xenofobia equatoriana.
Hoje, dentro do programa de
reassentamento de refugiados colombianos no Brasil do Acnur
(Alto Comissariado da ONU para
Refugiados), tenta plantar no semi-árido, prepara o casamento
com uma professora da escola onde os filhos estudam e conquistou
o respeito da cidade, onde é chamado de "colombiano" ou "boliviano" e descrito como inteligente, bom pai e conversador.
Com Gabriel, vieram: Judy Carine, 11, Luiz Carlos, 9, José Luis, 7,
Juan David, 6, e o caçula, Santiago, de quatro anos.
"O que é preciso para ser um
bom pai?", pergunta Gabriel para
a mais velha no almoço em casa,
onde o número de cadeiras é menor que o de crianças. A resposta:
"Amor, comida e cinto". O colombiano ri, satisfeito.
À primeira vista, é difícil distinguir os únicos moradores estrangeiros dos demais 10 mil habitantes de Lajes, distante 130 km a oeste de Natal. O sol onipresente e o
calor seco já curtiram a pele de todos. As crianças falam entre si em
português arretado -a mais velha só chama Gabriel de "painho"- e a casinha onde moram,
de quatro cômodos e sem forro,
não se diferencia da vizinhança.
O mimetismo da família só é
traído pelo portunhol de Gabriel.
"Ele entende o que eu falo, mas eu
não entendo. A menina é que tem
de traduzir", diz Roseane Cristina, 17, que, por um salário de R$
100, cuida da casa e da prole.
O estranhamento mesmo a família teve com a falta de rio para
banhar. Carine conta que, certa
vez, a família tentou entrar na piscina de um clube da cidade, mas a
taxa de R$ 150 era alta demais.
Da Amazônia ao sertão
A história dessa grande família
começa em Villagarzón, no Departamento de Putumayo, região
da Amazônia colombiana com
forte presença das Farc e grande
produtora de coca.
Gabriel, que diz ser formado em
engenharia e ter estudado agronomia e veterinária, aponta dois
motivos para abandonar a cidade
natal. Segundo ele, com a implantação do Plano Colômbia, em
2000, o governo começou a fumigação aérea das plantações de coca com glifosato.
O veneno, porém, não atingia só
a coca. Gabriel conta que o glifosato matou as plantações e a criação de peixes que mantinha em
sua fazenda de 50 hectares -reclamação bastante comum nessa
região. Além disso, os aviões eram
escoltados por helicópteros, que
trocavam tiros com as Farc.
"Na escola, quando os aviões
passavam, os professores levavam
a gente para um buraco embaixo
da escola. Ficávamos quietinhos,
agachados, até acabar a guerra",
lembra Carine, dona de um caderno escolar caprichado e responsável por parte das tarefas da
casa, como ajudar na preparação
da comida e limpar a louça.
Mas Gabriel resolveu deixar
mesmo a Colômbia depois que a
sua ex-mulher o trocou por um
homem ligado às Farc. "Depois,
um dia, me ligaram ameaçando
pegar as minhas crianças. Aí resolvi ir embora para o Equador."
No país vizinho, Gabriel trabalhava construindo casas de madeira. Mas a hostilidade dos equatorianos contra a crescente população colombiana e os conselhos
de uma freira brasileira, Inês Faccioli, o convenceram a se inscrever no programa de reassentamento do Acnur para o Brasil,
após três anos no Equador.
Foi no final de novembro de
2004, após uma longa viagem
com escalas em Lima, São Paulo e
Natal, que os seis chegaram a Lajes. "A cidade foi escolhida pela
entidade anterior, que tinha contatos na cidade", explica Aluízio
Matias, da ONG Centro de Direitos Humanos e Memória Popular,
que desde julho administra o programa de reassentados no Rio
Grande do Norte por meio de um
convênio com o Acnur. "Também pesou o perfil rural dele."
Ao chegar a Lajes, com ajuda do
Acnur, Gabriel comprou uma casa por R$ 6.000 e uma moto, por
R$ 5.000. O fato de ser estrangeiro
e o investimento, claro, geraram
muita desconfiança.
"Foi a manchete da cidade", diz
a dona Fátima, da farmácia Santa
Clara. "Todo mundo queria encostar nele para ouvir ele falar. O
povo achava graça." Rindo, ela
confirma ter ouvido um dos boatos sobre Gabriel: o de que ele era
traficante de crianças.
Uma outra hipótese foi contada
pelo chefe-de-gabinete da prefeitura, Gilmar Gomes: "Escutei
mais que era um líder comunista,
porque mexia com sindicato".
As mulheres o chamam de "o da
escadinha". E uma delas, Kátia de
Almeida, 24, o chama de "noivo"
e confessa: quer ter mais um filho
com ele. Ciumenta, disse que a
disputa foi acirrada: "Ele é como
um ímã para as mulheres".
"Proyectos"
O jeito falador e os vários "proyectos" sonhados por Gabriel para a região logo afastaram os boatos e o transformaram numa espécie de consultor para vários assuntos, desde curar vacas até técnicas de plantio de macaxeira.
Nesse um ano em Lajes, Gabriel
já se envolveu em vários empreendimentos pequenos. Atualmente, tem dez hectares arrendados e coordena um projeto para
plantar melão e melancia, junto
com outras oito famílias. Ele também fala em criar gado confinado,
montar uma fábrica têxtil, explorar granito e vários outras idéias.
"Tenho cinco projetos prontos."
E explica um por um, em detalhes, sem parar.
Gabriel, no entanto, reclama da
demora para conseguir financiamento. Segundo ele, os R$ 450
que recebe por mês do Acnur pagam apenas a comida.
Para ele, a ajuda é demorada e
vem "entrecortada". E exemplifica: "Me deram dinheiro para
comprar a moto, mas não para tirar carteira. Quando dirijo, tenho
de fugir da polícia". Matias disse
que o problema está sendo resolvido pelo Acnur.
Santiago Nunes, 47, presidente
de uma cooperativa familiar e que
o conhece desde o primeiro dia
em Lajes resume assim a vida de
Gabriel: "Sinto frustração em saber do potencial dele, mas ele não
poder trabalhar. Ele sabe as técnicas, mas cadê a condição?".
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