São Paulo, domingo, 06 de novembro de 2005

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DESENVOLVIMENTO

África, América Central e Caribe estão perdendo profissionais qualificados para nações desenvolvidas

"Fuga de cérebros" freia país pequeno e pobre

CELIA DUGGER
DO "NEW YORK TIMES"

Um estudo do Banco Mundial divulgado na terça-feira revela que países pobres em toda a África, América Central e Caribe vêm perdendo para as democracias ricas uma parte às vezes espantosa de seus profissionais com formação universitária.
De acordo com analistas, o estudo documenta um padrão preocupante de "fuga de cérebros", ou seja, de evasão de profissionais qualificados de classe média que poderiam ajudar a tirar seus países da pobreza. E, embora o efeito dessa migração ainda não seja bem compreendido, existe entre os economistas a impressão de que ele desempenhe papel crucial no desenvolvimento dos países.
As descobertas se baseiam num estudo feito de dados obtidos em recenseamentos e outros relativos aos 30 países-membros da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que inclui a maioria dos países mais ricos do mundo.
O estudo constatou que entre um quarto e quase a metade dos profissionais de nível universitário de países pobres como Gana, Moçambique, Quênia, Uganda e El Salvador vivem no exterior, em países-membros da OCDE. No caso do Haiti e da Jamaica, essa parcela sobe para mais de 80%.
Enquanto isso, menos de 5% dos profissionais mais qualificados dos países mais avançados do mundo em desenvolvimento, como Índia, China, Indonésia e Brasil, vivem num país que faz parte da OCDE.
De acordo com o pesquisador do Banco Mundial Frederic Docquier, economista da Universidade de Louvain, na Bélgica, esse padrão sugere que a fuga extensa de pessoas de alto nível de instrução está prejudicando muitos países pequenos a médios, enquanto os maiores países em desenvolvimento se mostram mais capazes de superar perdas relativamente menores de talentos -e até mesmo beneficiar-se delas quando seus profissionais qualificados retornam a seus países de origem ou investem neles.
"Um país que tem um terço de seus diplomados no exterior é motivo de preocupação", disse Alan Winers, diretor do grupo de pesquisas em desenvolvimento do Banco Mundial.
Publicado em livro intitulado ""International Migration, Remittances & the Brain Drain" (migração internacional, remessas e a fuga de cérebros), o estudo do Banco Mundial vem suscitando debates. O economista Mark Rosenzweig, da Universidade de Yale, argumenta que a medição do fenômeno feita pelo banco é exagerada porque não exclui imigrantes que se mudaram para países ricos quando ainda eram crianças ou que fizeram seus estudos universitários nesses países.

Círculo vicioso
Alguns especialistas indagam se a fuga de cérebros não pode mover um círculo vicioso descendente de subdesenvolvimento, afastando dos países pobres as pessoas com vontade e know-how necessários para resistir à corrupção e à governança incompetente.
Em seu livro "Give Us Your Best and Brightest" (dê-nos suas melhores cabeças), lançado na semana passada pelo Centro de Desenvolvimento Global, em Washington, Devesh Kapur e John McHale argumentam que a perda dos construtores de instituições -administradores hospitalares, chefes de departamentos universitários e reformistas políticos, entre outros- pode ajudar a atolar os países na pobreza. "Não é apenas a perda dos profissionais, mas também a perda de uma classe média", explicou Kapur, que é professor de governo na Universidade do Texas em Austin.
A questão de o que pode ser feito para reduzir os danos é complexa e envolve problemas difíceis relativos à limitação ou não da migração de profissionais qualificados. Muitos especialistas dizem opor-se aos esforços para limitar a movimentação de migrantes, mas discutem possíveis maneiras de ajudar os países pobres a enfrentar o problema. Uma idéia que Bhagwati propôs pela primeira vez nos anos 70 -que os países em desenvolvimento cobrem impostos de seus profissionais que se fixam em outros países- está voltando a ser aventada.
Os editores do livro do Banco Mundial dizem que talvez sejam necessárias políticas que aumentem a renda dos profissionais em seus países de origem.
Outros, entre eles Kapur e McHale, que é economista na escola de administração de empresas da Universidade de Queens, em Kingston (Canadá), sugerem que os países ricos deveriam estudar a possibilidade de conceder vistos por prazos limitados, com os quais os profissionais poderiam trabalhar nos países ricos por alguns anos antes de levar seus conhecimentos -e suas economias- de volta a seus países.
Kapur disse que, quando um imigrante qualificado obtém um visto para trabalhar num país rico, é como se ganhasse na loteria, tão grande é o aumento de renda que ele poderá conseguir com a transferência. Seja qual for a abordagem adotada, disse ele, é preciso pesar os benefícios obtidos pelos poucos que têm a sorte de partir contra os custos de sua saída para seus compatriotas que permanecem em seus países.


Tradução de Clara Allain

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