São Paulo, quarta-feira, 07 de janeiro de 2004

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ÁSIA

Países anunciam retomada de negociações abrangentes sobre a Caxemira em fevereiro, um dia depois de encontro de cúpula

Índia e Paquistão retomam diálogo de paz

DA REDAÇÃO

Índia e Paquistão concordaram ontem em iniciar negociações de paz históricas em fevereiro, dois anos depois que os vizinhos hostis levaram o mundo à beira de uma possível guerra nuclear.
As negociações, definidas em reuniões realizadas sob severa proteção na capital paquistanesa, Islamabad, durante uma conferência de cúpula regional nesta semana, não terão limites definidos e incluirão todos os tópicos, incluindo a questão da Caxemira, no cerne dos 56 anos de desconfiança e ódio entre os dois países.
"Não há vencedores ou perdedores... Acredito que seja uma vitória para o mundo", declarou o ditador paquistanês, Pervez Musharraf. "Os povos de ambos os países querem a paz e a harmonia... As lideranças de ambos os países têm de estar à altura das aspirações de seus povos".
De acordo com uma declaração conjunta, Musharraf prometeu não permitir que seu país seja usado como refúgio para o terrorismo, e o premiê indiano, Atal Bihari Vajpayee, prometeu buscar uma solução para a Caxemira.
Não se ouviram ontem as usuais negativas do Paquistão de que dá apoio aos militantes islâmicos que combatem o domínio indiano no território em disputa, no Himalaia, nem as exigências indianas de que a infiltração de terroristas islâmicos fosse detida antes do início de um diálogo.
Já houve tentativas de pôr fim às disputas entre o Paquistão e a Índia, a mais recente das quais em negociações em julho de 2001 entre Vajpayee e Musharraf. Um ataque de terroristas islâmicos contra o Parlamento indiano, em dezembro daquele ano, torpedeou as esperanças de paz e levou os dois países à beira de uma quarta e devastadora guerra aberta, agora com armas nucleares disponíveis nos dois lados.

Aliado dos EUA
Mas observadores de ambas as partes dizem que hoje a atmosfera é muito diferente. Musharraf, 60, se tornou um dos mais firmes aliados americanos, desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, e agiu firmemente contra grupos extremistas islâmicos em seu país. Seu governo proibiu mais de dez organizações e deteve mais de 500 suspeitos de integrar a rede terrorista Al Qaeda, a maior parte entregue aos EUA.
Washington pressionava os dois países a retomarem o processo de paz.
A despeito do cinismo inicial quanto à motivação de Musharraf, seu compromisso com o diálogo parece genuíno. Ele agora é claramente visto como inimigo mortal pelos militantes islâmicos que lutam pelo fim do domínio da Índia (país de maioria hindu) na Caxemira (majoritariamente muçulmana, como o Paquistão).
Musharraf já sobreviveu a três tentativas de assassinato por supostos grupos islâmicos, as duas mais recentes em dezembro. O último ataque, uma dupla bomba detonada por terroristas suicidas, que matou 16 pessoas, teria sido responsabilidade do Jaish-e-Mohammed, um grupo extremista da Caxemira, acredita o governo paquistanês.
Os rebeldes da Caxemira classificaram como entreguismo as notícias de ontem, um presságio dos desafios que terão de ser superados para que as negociações gerem uma paz duradoura.
"O acordo fechado pela Índia e pelo Paquistão é um massacre da causa de Caxemira", disse Amanullah Khan, presidente da Frente de Libertação da Caxemira, que favorece a independência da região. "Não é só uma reviravolta na posição paquistanesa, é uma completa traição."
E Syed Salahuddin, comandante do Hezb-ul Mujahedeen, o principal grupo que combate as tropas indianas, advertiu que as operações continuarão até que a Índia liberte ativistas encarcerados e prove sua sinceridade.
"A Índia deveria declarar que a Caxemira é um território sob disputa, libertar os líderes detidos em suas câmaras de tortura e recolher seus soldados aos quartéis", disse Salahuddin. "A menos que isso aconteça, os guerrilheiros continuarão com suas ações".
O acordo sobre o diálogo de paz foi selado em um telefonema feito por Vajpayee, 79, na manhã de ontem, um dia depois de seu encontro privado de uma hora com Musharraf na residência presidencial de Islamabad. Musharraf disse que ambos estavam exultantes e agradeceram um ao outro pela coragem demonstrada.
"Eu lhe desejei ótima saúde, e ele me desejou proteção", brincou Musharraf, em referência à idade de Vajpayee e às experiências do general paquistanês com ataques contra a sua vida.
O chanceler indiano, Yashwant Sinha, disse que os detalhes do acordo, como o local das negociações e o nível das autoridades envolvidas, ainda não haviam sido definidos, mas que as discussões já haviam começado e seriam abrangentes.
Um importante funcionário do governo indiano disse que as negociações girariam em torno de oito pontos, entre os quais a Caxemira e duas outras disputas territoriais, o combate ao terrorismo, o comércio e medidas de promoção da confiança.
Estima-se que mais de 30 mil pessoas morreram no conflito entre os dois países desde 1989.


Com o "New York Times"


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