São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007

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Classe média russa gasta e apóia Putin

Crescimento econômico e salários em alta provocam um boom do varejo que atrai oligarcas e empresas estrangeiras

Prosperidade não levou, até agora, a maior exigência política; "Liberdade é ter um carro em que andar", diz ideólogo do Kremlin

NEIL BUCKLEY
DO "FINANCIAL TIMES", EM MOSCOU

Na avenida da Revolução na cidade russa de Voronezh, havia há 15 anos um "pelmennaya" -um café decadente pertencente ao Estado, onde matronas mal-humoradas serviam bolinhos de massa. Hoje o local é uma franquia da rede espanhola de butiques Mango, com espelhos em vidro fumê. "Os preços são altos para nós", comenta a advogada Vera Cherkasova, admirando um cardigã de lã. "Mas as russas estão dispostas a gastar um pouco para ficarem bonitas." Ao lado da butique, a antiga loja de alimentos Niva, que na última fase da União Soviética vendia pouco mais que peixe enlatado e banha de porco, hoje é uma franquia da Adidas. A decadente loja de departamentos Rossiya, ali perto, virou um minicentro comercial que tem lojas da Benetton e da Diesel.
O que está acontecendo em Voronezh, 480 quilômetros ao sul de Moscou, é um fenômeno novo e poderoso. As redes varejistas em estilo ocidental e as grifes internacionais, que há dez anos estavam presentes quase que apenas em Moscou e São Petersburgo, estão chegando a cidades em toda a Rússia, que testemunha a ascensão de uma próspera classe média. Enquanto a atenção internacional tem sido voltada à abordagem cada vez mais autoritária de Vladimir Putin, isso tende a deixar em segundo plano o que muitos russos vêem como o legado mais importante do presidente: a melhoria de sua situação material.
Embora a Rússia seja conhecida sobretudo como exportadora de matérias-primas, muitas empresas, de montadoras automotivas a gigantes do setor de cosméticos, situam o país, ao lado da China e da Índia, entre seus mais dinâmicos mercados.
O boom de consumo é fruto de quase oito anos de crescimento de 6,6% em média -devido em parte aos preços recordes do petróleo e do gás natural- desde a moratória da dívida decretada em 1998. Os salários reais e os gastos dos consumidores vêm aumentando em ritmo duas vezes superior. Os custos mais baixos da habitação e das tarifas de água e luz significam que uma parcela maior dos salários dos russos vira renda disponível.
Apesar dos avanços, ainda existem desigualdades grandes. Em 2001, a socióloga Tatyana Maleva, do Instituto Independente de Política Social, de Moscou, liderou um estudo da estrutura social russa. Ela classificou menos de 1% dos russos entre a elite super-rica, enquanto 10% dos 144 milhões deles viviam na pobreza. Entre os dois extremos havia 20% que formavam uma classe média que vivia confortavelmente e pouco menos de 70% que formavam a classe média baixa.
A socióloga diz que o quadro geral não mudou. A classe média russa ainda compõe cerca de 20% da população, mas ficou mais rica -porque inclui pessoas que trabalham em setores econômicos florescentes, tais como o bancário e o dos recursos naturais. A classe pobre encolheu um pouco, graças em parte aos programas sociais do governo. Mas poucos da classe média baixa, com 70% da população, conseguiram ascender. Pode o boom de hoje ser seguido por um baque? Uma nova moratória é pouco provável, mas a expectativa é que o crescimento na renda disponível sofra uma desaceleração.
Resta uma outra pergunta: por que a classe média russa não começa a ter uma participação política mais ativa? Alguns sugerem que os russos estão ocupados demais desfrutando da comparativa estabilidade para protestar contra a erosão das liberdades. "No início dos anos 1990, nossa população era paupérrima -e dizer que era livre seria ridículo", comentou há pouco Vladislav Surkov, visto como ideólogo do Kremlin. "Quando você tem um carro em que andar e coisas para comprar, isso sim é que é liberdade."


Tradução de CLARA ALLAIN


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