São Paulo, quarta-feira, 07 de janeiro de 2009

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Posição dúbia faz do Egito vilão

Cairo tenta se equilibrar entre cobrança por simpatia pela população palestina e atritos com Hamas

No centro da crise por ser mediador, ter fronteira com território atacado e manter relações com Israel, país vira alvo de críticas dos vizinhos

ROULA KHALAF
DO "FINANCIAL TIMES"

É doloroso para qualquer país árabe ser acusado de conspirar com Israel. Mas a posição do Egito quanto à guerra de Gaza parece tão débil que o Cairo se tornou o segundo vilão na crise, alvo de zombarias e de críticas nas TVs árabes.
Os ataques que vem sofrendo são, de certa maneira, resultado da fraqueza dos Estados árabes pró-ocidentais no que tange a influenciar os EUA e Israel e impor uma agenda de paz entre árabes e israelenses.
Mas os problemas do Cairo -exacerbados em virtude da fronteira entre o Egito e a faixa de Gaza- também são produto das pressões conflitantes sobre o regime de Hosni Mubarak, bem como da insegurança que os egípcios parecem sentir.
Seguindo a tradição, a reação egípcia às reclamações que seu comportamento despertou foi conter os protestos e acionar sua máquina de propaganda. E a despeito da crescente indignação popular quanto ao ataque israelense, o país manteve fechado o posto de fronteira em Rafah -única entrada para Gaza que não está sob o controle de Israel e uma potencial rota de fuga-, insistindo em que o trânsito por ele estava sujeito a um acordo que estipula a presença de monitores europeus que deixaram a área.
Caminhar na corda bamba não parece fácil. O Egito tem de criar a impressão de que apoia os palestinos, sobretudo quando estes sofrem bombardeios israelenses. Mas falta ao governo do país e aos demais governos árabes o poder necessário para melhorar a situação dos palestinos e promover a criação do Estado que eles almejam.
O Cairo também deseja um Hamas mais fraco, pois isso ajudaria a conter a oposição egípcia liderada pela Irmandade Muçulmana. Ao mesmo tempo, é preciso que o governo egípcio mantenha seus elos com o grupo islâmico, para que possa servir de mediador.
E embora aprecie seus contatos com Israel e precise proteger seu tratado de paz com o Estado judaico, o Egito desconfia das intenções israelenses, suspeitando que o verdadeiro objetivo da ação em Gaza seja transferir a responsabilidade pela faixa de Gaza ao Cairo. "O jogo usado contra nós é muito feio", queixou-se um alto funcionário egípcio, alegando que tanto o Israel quanto o Hamas querem pegar o Cairo em uma armadilha. "Se abrirmos o posto de fronteira e surgir um problema grave de refugiados, o que ocorre a seguir? Devemos permitir que a população de Gaza se estabeleça no Sinai?"

Hamas versus população
As pressões sobre o Cairo vêm sendo tão intensas que fica cada vez mais difícil manter o equilíbrio. A tentativa egípcia de projetar simpatia pelos palestinos se apequena diante da raiva que as autoridades do país sentem do Hamas, que recentemente desdenhou o conselho egípcio de reparar as relações com os rivais laicos do Fatah.
Além disso, em um momento que se revelou um desastre de relações públicas, Mubarak recebeu a chanceler israelense, Tzipi Livni, logo antes da ofensiva -o que o expôs a alegações de conspirar com Israel.
Em termos mais amplos, como diz o analista egípcio Wahid Abdelmajid em artigo no jornal pan-árabe "Al-Hayat", o Egito pode ter perdido margem de manobra bem antes da atual crise em Gaza, ao exagerar o risco que o controle do território pelo Hamas representa à sua segurança e a ameaça de uma crise de refugiados.
Outro fator prejudicial é o medo do governo quanto às minorias radicais islâmicas, que resulta da obsessão do regime por monopolizar o poder.
O Egito tem pouca influência sobre a duração ou extensão da ofensiva israelense, e assim a pressão que sofre pode crescer.
Mas, enquanto isso, o país reforça seu esforço diplomático para encerrar a crise. As autoridades egípcias sem dúvida calculam que podem administrar a paz melhor do que a guerra.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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