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Posição dúbia faz do Egito vilão
Cairo tenta se equilibrar entre cobrança por simpatia pela população palestina e atritos com Hamas
No centro da crise por ser mediador, ter fronteira com território atacado e manter relações com Israel, país vira alvo de críticas dos vizinhos
ROULA KHALAF
DO "FINANCIAL TIMES"
É doloroso para qualquer
país árabe ser acusado de conspirar com Israel. Mas a posição
do Egito quanto à guerra de Gaza parece tão débil que o Cairo
se tornou o segundo vilão na
crise, alvo de zombarias e de
críticas nas TVs árabes.
Os ataques que vem sofrendo
são, de certa maneira, resultado da fraqueza dos Estados árabes pró-ocidentais no que tange a influenciar os EUA e Israel
e impor uma agenda de paz entre árabes e israelenses.
Mas os problemas do Cairo
-exacerbados em virtude da
fronteira entre o Egito e a faixa
de Gaza- também são produto
das pressões conflitantes sobre
o regime de Hosni Mubarak,
bem como da insegurança que
os egípcios parecem sentir.
Seguindo a tradição, a reação
egípcia às reclamações que seu
comportamento despertou foi
conter os protestos e acionar
sua máquina de propaganda. E
a despeito da crescente indignação popular quanto ao ataque israelense, o país manteve
fechado o posto de fronteira em
Rafah -única entrada para Gaza que não está sob o controle
de Israel e uma potencial rota
de fuga-, insistindo em que o
trânsito por ele estava sujeito a
um acordo que estipula a presença de monitores europeus
que deixaram a área.
Caminhar na corda bamba
não parece fácil. O Egito tem de
criar a impressão de que apoia
os palestinos, sobretudo quando estes sofrem bombardeios
israelenses. Mas falta ao governo do país e aos demais governos árabes o poder necessário
para melhorar a situação dos
palestinos e promover a criação
do Estado que eles almejam.
O Cairo também deseja um
Hamas mais fraco, pois isso
ajudaria a conter a oposição
egípcia liderada pela Irmandade Muçulmana. Ao mesmo
tempo, é preciso que o governo
egípcio mantenha seus elos
com o grupo islâmico, para que
possa servir de mediador.
E embora aprecie seus contatos com Israel e precise proteger seu tratado de paz com o
Estado judaico, o Egito desconfia das intenções israelenses,
suspeitando que o verdadeiro
objetivo da ação em Gaza seja
transferir a responsabilidade
pela faixa de Gaza ao Cairo. "O
jogo usado contra nós é muito
feio", queixou-se um alto funcionário egípcio, alegando que
tanto o Israel quanto o Hamas
querem pegar o Cairo em uma
armadilha. "Se abrirmos o posto de fronteira e surgir um problema grave de refugiados, o
que ocorre a seguir? Devemos
permitir que a população de
Gaza se estabeleça no Sinai?"
Hamas versus população
As pressões sobre o Cairo
vêm sendo tão intensas que fica
cada vez mais difícil manter o
equilíbrio. A tentativa egípcia
de projetar simpatia pelos palestinos se apequena diante da
raiva que as autoridades do país
sentem do Hamas, que recentemente desdenhou o conselho
egípcio de reparar as relações
com os rivais laicos do Fatah.
Além disso, em um momento
que se revelou um desastre de
relações públicas, Mubarak recebeu a chanceler israelense,
Tzipi Livni, logo antes da ofensiva -o que o expôs a alegações
de conspirar com Israel.
Em termos mais amplos, como diz o analista egípcio Wahid
Abdelmajid em artigo no jornal
pan-árabe "Al-Hayat", o Egito
pode ter perdido margem de
manobra bem antes da atual
crise em Gaza, ao exagerar o
risco que o controle do território pelo Hamas representa à
sua segurança e a ameaça de
uma crise de refugiados.
Outro fator prejudicial é o
medo do governo quanto às minorias radicais islâmicas, que
resulta da obsessão do regime
por monopolizar o poder.
O Egito tem pouca influência
sobre a duração ou extensão da
ofensiva israelense, e assim a
pressão que sofre pode crescer.
Mas, enquanto isso, o país reforça seu esforço diplomático
para encerrar a crise. As autoridades egípcias sem dúvida calculam que podem administrar
a paz melhor do que a guerra.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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